A venda direta de cosméticos está sendo feita cada vez mais pela internet, e menos pelo modelo tradicional – a revistinha de papel, usada para mostrar batons e perfumes à consumidora que está em casa ou no trabalho. A mudança para a web ocorre também no contato da força de vendas com as companhias. E esse novo quadro deve ajudar as gigantes do setor a serem mais rentáveis.
Companhias veem a possibilidade de reduzir custos em vários segmentos do negócio. O atendimento a consumidores, por exemplo, costuma ser feito por call centers, que estão sendo substituídos por sistemas informatizados, com redução do número de pessoas cuidando desse serviço. E o treinamento da força de vendas está sendo feito via internet, dispensando o uso de espaços físicos.
Os catálogos de produtos impressos em papel também tendem a desaparecer no futuro, pois a consumidora poderá escolher e comprar produtos pelo computador ou pelo celular.
Empresas como Natura, Avon, Hinode, O Boticário e Jequiti estão aperfeiçoando suas ferramentas on-line para atrair mais revendedores.
A Hinode, que prevê vendas de R$ 2,7 bilhões neste ano, com crescimento de 10% em relação ao ano passado, lançou sua loja virtual em outubro. A estimativa é que a internet responda por 5% a 10% das vendas totais nos próximos cinco anos. Na loja virtual, estão 290 itens entre fragrâncias, maquiagens, cosméticos e suplementos alimentares.
O vice-presidente de vendas, Eduardo Frayha, diz que o comércio eletrônico ajudará a potencializar o desempenho dos consultores, como a empresa chama seus revendedores.
O consumidor entra na loja virtual, escolhe o produto e quando vai pagar o sistema aponta o consultor mais próximo e que receberá a comissão. Como o revendedor não teve participação direta na venda, sua comissão é menor do que em uma operação tradicional. Em uma venda tradicional, a comissão paga ao consultor é de 30%. Na internet, será de 10%. A Hinode tem 750 mil consultores no Brasil e na América Latina.
“Este é um caminho sem volta”, diz Frayha. Segundo o executivo, a intenção é entender melhor o cliente final e, com isso, desenvolver produtos e fazer pesquisas. A Hinode tem filiais na Colômbia, Peru e Equador, está iniciando operações na Bolívia e se programa para os mercados da Argentina e México. “Por enquanto, o site não estará disponível para os 15 mil revendedores no exterior”, acrescenta.
A Jequiti Cosméticos, empresa do Grupo Silvio Santos, trabalha para oferecer em 2019 um aplicativo às líderes (revendedoras que captam os pedidos de outras consultoras). Por este aplicativo, a empresa vai divulgar material de apoio à força de vendas e a líder vai acompanhar a evolução dos negócios. “Em um segundo momento, lançaremos uma versão para as vendedoras”, diz o presidente da Jequiti, Antonio Mônaco.
Ferramentas digitais ajudam a reduzir custos em várias etapas da operação, do contato com cliente a treinamento
Quando essas ferramentas estiverem prontas e maduras, afirma o executivo, a Jequiti vai reduzir despesas com envio de mensagens de texto (hoje feito por SMS, no celular), central de atendimento e impressão de catálogo. O investimento nessas atividades representa 2,5% da receita bruta. Mônaco disse que essas medidas terão efeito positivo no lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês).
Mas a internet não é resposta para tudo. A digitalização dos catálogos, por exemplo, pode ser um empecilho para as vendas de perfumes, diz o presidente da Jequiti. As revistas impressas permitem a aplicação de fragrâncias em áreas específicas das páginas – assim, o consumidor pode escolher o aroma de sua preferência. E perfumes são bem importantes para as empresas de vendas diretas. Na Jequiti representam 53% das vendas.
A Jequiti começou a vender pela internet há um ano. Atualmente esse canal responde por 1% da receita. O objetivo é que em três anos alcance 4%.
Embora a internet ainda tenha uma fatia pequena dos negócios, as vendas por esse canal tendem a crescer rapidamente, diz o sócio-fundador da consultoria especializada em vendas diretas DirectBiz, Marcelo Pinheiro. Ele avalia que as empresas de vendas diretas estão conseguindo usar bem os recursos tecnológicos para atrair e treinar revendedores.
Na Natura, o processo de digitalização intensificou-se a partir de 2016, quando foi lançado um aplicativo para as consultoras. Desde então, são 650 mil pessoas usando essa ferramenta, com 25% dos pedidos feitos por meio do aplicativo. A meta é atingir 1 milhão no fim do ano. A força de vendas da Natura reúne hoje 1,082 milhão de pessoas.
O vice-presidente de venda direta da Natura, Erasmo Toledo, diz que as vendas on-line cresceram dois dígitos altos no terceiro trimestre deste ano. Houve aumento no número de visitas ao site, no tíquete médio e no número de buscas na internet convertidas em negócios. Esse canal representa 3% das vendas, até agora.
A assistente virtual da companhia, a Nat, foi criada em 2016 e neste ano recebeu novas funções: renegocia dívidas, solicita segunda via de boletos e acompanha o andamento de pedidos e pagamentos. Este serviço deve reduzir os atendimentos na central em 30%, informou a Natura.
A Avon, que tem 1,5 milhão de consultores no país, trabalha para treinar a maior parte de sua força de vendas para operar na internet – 45% de seus revendedores ainda não sabem colocar os pedidos no sistema on-line.
“Estamos mudando a operação e usando a inteligência artificial para personalizar o atendimento à vendedora e ao cliente”, diz José Vicente Marino, que desde setembro preside a Avon no Brasil. Ele lembra que a empresa tem o catálogo digital há bastante tempo e que as vendas pelo canal on-line estão crescendo, tanto que são registrados 12 mil cadastros por mês. “Ferramentas como o BeleZap [folheto virtual da fabricante de cosméticos enviado por WhatsApp] têm uma adesão importante”, afirma.
A Avon, que atua principalmente nas classes C e D, estima que seus produtos chegam a 42 milhões de lares a cada 45 dias, duração média de cada ciclo de vendas. Marino diz que antes a relação da Avon com a clientela era pautada pela revista impressa. Agora, a internet assumiu esse papel.
A Jeunesse, com sede nos Estados Unidos, nasceu há nove anos já dotada de um sistema de vendas digital. O presidente da subsidiária brasileira, Marcel Szajubok, diz que o trabalho de vendas porta a porta foi transformado para “clique a clique”.
“Não se discute mais se essa atividade vai acabar. Agora a pauta é como será o modelo do futuro”, diz Szajubok.
A empresa não tem catálogo impresso e os treinamentos são feitos por redes sociais e pelo aplicativo social. A empresa chegou ao Brasil há pouco mais de dois anos e ultrapassou a marca de 100 mil revendedores. “Sem as despesas adicionais de uma operação tradicional, conseguimos ser mais agressivos em promoções”, afirma Szajubok.
A presidente-executiva da Associação Brasileira das Empresas de Vendas Diretas (Abevd), Adriana Colloca, observa que a maior parte dos pedidos das vendedoras já é feita por meio eletrônico, principalmente devido ao perfil de 48,3% dos 4,1 milhões de consultores no país, com faixa etária entre 18 e 29 anos. “É um movimento recente, que tem potencial para crescer e colaborar para aumentar a produtividade do setor”, diz.
Fonte: Valor Econômico