O setor de vendas diretas, também conhecido como porta a porta, registrou mais um ano de queda nas vendas em 2017. A diferença para o desempenho de 2016, porém, foi de apenas 1,1%. Dados da Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (Abevd) obtidos com exclusividade pelos Diários Associados apontam para um volume de negócios de R$ 45,2 bilhões.
Já o volume de itens comercializados (1,987 milhão) e o número de empreendedores (4,1 milhões) – chamados por algumas redes de consultores – apresentaram um recuo um pouco maior, de 3,6% no comparativo entre 2016 e 2017.
Diretora-executiva da Abevd, Roberta Kuruzu explica que o comportamento das vendas no ano passado e nos dois anos anteriores acompanhou em parte o desempenho da economia, que sofreu com o ambiente recessivo. Com 22 anos de experiência no setor, ela diz que a crise econômica afetou a atividade. “Mas é bom lembrar que a queda foi muito pequena. Outros setores não caíram, despencaram. Foram recuos muito maiores”, pondera.
Sobre a redução no número de consultores, Roberta explica que normalmente a venda direta é uma alternativa para quem está fora do mercado de trabalho ou um complemento de renda. Mas com a ligeira recuperação dos postos de trabalho no ano passado, muitos optaram por um emprego formal e abriram mão da atividade como consultores.
Entre 2015 e 2017, segundo os dados da Abevd, o maior recuo foi no volume de itens comercializados, que teve uma queda de 12,81% no acumulado. Já o número de consultores em dois anos encolheu 4,71%, enquanto que o volume de negócios (em reais) diminuiu 2,38% no mesmo período. De 2010 até 2017, o melhor resultado em faturamento foi aferido em 2014, quando as vendas chegaram a R$ 41,66 bilhões.
“Esses números vêm estimulando as empresas a se dedicarem mais à capacitação dos profissionais que fazem parte de seus negócios e de seus canais de distribuição”, diz Roberta. Entre as formas que foram agregadas nos últimos anos aos negócios dessas empresas, tanto pelos fabricantes quanto pelos consultores, estão comércio eletrônico, redes sociais e WhatsApp. “Os próprios empreendedores estão fomentando esses outros canais de venda, utilizando os meios digitais como um complemento ao meio tradicional”, afirma.
A diretora-executiva da Abevd acredita que 2018 será um ano com retomada da venda direta. Na sua avaliação, já houve uma acomodação nos últimos anos, tanto das empresas quanto de consultores e consumidores. Por isso, as vendas devem voltar a uma trajetória de alta, ainda que tímida.
CATÁLOGOS AMEAÇADOS Na avaliação de três professores ligados ao setor de varejo, os números do porta a porta têm recuado não apenas por causa do desempenho débil da economia brasileira, mas também por outros dois fatores. Um deles é a mudança do comportamento dos consumidores, que já não sentem o mesmo desejo de comprar por meio de catálogos e reuniões com consultoras e grupos de conhecidos, como acontecia no passado.
“As pessoas estão procurando resolver suas vidas de uma forma mais simples. Esse sistema de reuniões em casa para mostrar catálogo já caiu em desuso”, analisa Maurício Morgado, coordenador do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo.
Professor dos cursos de MBA e pós da Fundação Instituto de Administração (FIA), Artur Couto também acredita que a tendência é que o atual modelo, com catálogos, tenda a desaparecer nos próximos anos. “Cada vez mais os brasileiros estão conectados a smartphones. Por que alguém vai esperar o consultor aparecer para fazer uma compra se pode ter essa facilidade à mão a qualquer hora?”, lembra.
Para Haroldo Monteiro, coordenador do MBA em Gestão Estratégica no Varejo do Ibmec-RJ, outro fator que tem pesado muito no comportamento das vendas do porta a porta é o crescimento do comércio eletrônico. “A pessoa entra na internet, procura um produto, seleciona, paga e recebe em casa. A comodidade é muito grande”, explica. Por essa facilidade, o especialista em varejo acredita que a tendência é que as grandes marcas da venda direta busquem outras funções para suas redes de consultores.
“Não faz mais sentido ter um tirador de pedido, porque a indústria pode ter uma margem maior de ganho se fizer essa operação diretamente na sua loja virtual. Por isso é importante que os consultores ganhem outro papel, como levar produtos de linhas mais específicas aos clientes”, avalia Monteiro.
Morgado lembra que algumas empresas do setor de venda direta já começaram a fazer um movimento no sentido de agregar outros canais de distribuição de seus produtos. A Natura, por exemplo, há alguns anos tem investido em lojas e já fala na possibilidade de expandir sua marca por meio do sistema de franchising. A Avon tem fortalecido seu e-commerce. Tanto que essa plataforma chegou a ser citada pelo diretor-financeiro da multinacional nos Estados Unidos, Jamie Wilson, durante apresentação dos resultados do quarto trimestre (leia ao lado).
“Talvez os catálogos ainda façam sentido para pessoas mais velhas, mas a tendência é que continuem a perder espaço e que até mesmo os consultores invistam cada vez mais em canais digitais”, o professor da FGV. “É certo que os consultores terão de enfrentar cada vez mais o crescimento de um concorrente interno, que é a loja virtual da própria marca de venda direta. É uma tendência sem volta”, ressalta Couto.
No Brasil, receita da Avon cai
Na semana passada, a Avon divulgou nos Estados Unidos seu resultado global. A segunda maior empresa de venda direta do mundo (atrás apenas da Amway) teve um lucro líquido de US$ 91,5 milhões no quarto trimestre. Com isso, conseguiu reverter o prejuízo líquido de US$ 10,7 milhões registrado no ano anterior. Já a receita líquida contraiu 2% em moeda corrente, ficando em US$ 1,568 bilhão. No consolidado do ano, a companhia do setor de beleza registrou uma queda de 2%, chegando a US$ 5,7 bilhões. Parte do resultado veio do corte de despesas.
No dia da divulgação, o diretor-financeiro da multinacional, Jamie Wilson, admitiu as dificuldades: “Nossa principal linha continua sob pressão, enquanto continuamos a operar em condições macro e competitivas desafiadoras, particularmente em nossos maiores mercados”.
O Brasil é a principal fonte de receita da Avon fora dos Estados Unidos e, segundo os resultados mais recentes da empresa, ainda pesa negativamente no seu desempenho. A receita brasileira no quarto trimestre do ano passado apresentou uma queda de 8% (considerando-se os valores em dólar, o recuo chega a 9%). De acordo com o balanço, os números ficaram mais tímidos por conta da queda de revendedores ativos e do volume de pedidos.
Já a queda na inadimplência dos revendedores foi um ponto positivo no balanço, melhorando tanto a margem operacional quanto a margem de lucro. Segundo declarou o diretor-financeiro, a operação brasileira da Avon tem tido um papel muito importante na melhoria da plataforma de negócios digitais, inclusive fora do mercado nacional. Apesar disso, o presidente da companhia afirmou que “a atividade de vendas diretas continuará sendo relevante no futuro.” A empresa foi procurada no Brasil, mas não atendeu ao pedido de entrevista.
Fonte: Estado de Minas