A prática deixou de ser apenas uma tática de alguns estabelecimentos para se transformar, em alguns casos, em modelo de negócio
Por Ricardo Ramos*
Reflexo da queda da renda da população, o aumento da demanda por produtos cujos prazos de validade estão próximos do vencimento tem chamado atenção. A lógica é simples. As redes de varejo oferecem descontos atrativos em produtos cuja validade está para acabar, como estratégia para reduzir perdas. O item que iria da prateleira para o lixo vai para a despensa de alguma família, evitando-se desperdício e garantindo uma margem mínima de lucro. O cliente, por sua vez, fica satisfeito por pagar menos em algo que está em ótimas condições de consumo. A prática é muito positiva se a considerarmos como parte de um modelo de gestão sustentável.
O modelo de negócio não é novo. Dar descontos para produtos que serão perdidos é até comum. Mas a forma de lidar com isso evolui. Deixou de ser apenas uma tática de alguns estabelecimentos para se transformar, em alguns casos, em modelo de negócio. Há anos existem supermercados conhecidos pelas indústrias como Fifos, sigla em inglês que significa first in, first out (o primeiro que entra, o primeiro que sai). São, normalmente, estabelecimentos pequenos localizados em vias comerciais centrais como a rua 25 de março, em São Paulo, que negociam a compra com descontos de produtos que os fabricantes precisam desovar o mais rapidamente possível e revendem aos consumidores finais com preços baixos.
A mola propulsora dessa onda nos últimos anos é conhecida pelo nome de crise. Segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), a renda média do brasileiro em 2021 foi de R$ 2.449, a menor desde 2012. A inflação dos últimos 12 meses calculada pelo IBGE e divulgada no final de janeiro ficou na casa dos 10,20%, e a taxa de desemprego, medido pelo mesmo instituto, está em 12,1%. O resultado é que as pessoas mudam seus costumes e buscam alternativas para comprar itens de primeira necessidade como alimentos, remédios, produtos de higiene e limpeza, entre outros.
As dificuldades dessas pessoas abriram boas oportunidades de negócios a um número maior de empreendedores e a tecnologia fez surgir plataformas na internet atuando nos mesmos moldes desses pequenos comércios físicos. Além da ajuda em vender itens que seriam perdidos, esses aplicativos oferecem algumas vantagens. Vamos pegar o varejo como exemplo. Uma pequena loja não tem muito poder de barganha junto ao distribuidor ou à indústria. Por meio do marketplace, a situação se inverte, pois a negociação envolve volumes maiores, já que vários comerciantes são atendidos ao mesmo tempo.
Outra vantagem é que tais plataformas contam com um modelo ágil e de baixo custo para divulgação das promoções, com alcance bem maior do que uma loja física tem. Além do que, o processo logístico é bem estruturado para realizar entregas rápidas. E como não existe regra que obrigue a comercialização apenas de produtos com prazo de validade próximo do fim, a prática serve de chamariz para que o cliente conheça o marketplace e as lojas parceiras e passe a comprar outros produtos aumentando o tíquete de vendas. Sem contar as questões de cunho ambiental e social. Menos desperdício e acessibilidade das famílias de menor renda a produtos que elas necessitam.
Há um porém que deve ser levado em consideração. Todo empreendimento só é duradouro se ele for planejado com essa finalidade, observando-se todas as situações possíveis. Se um negócio é montado tendo como base um momento econômico específico, ele tende a desaparecer tão logo o cenário mude.
Vivemos um momento difícil, agravado pela pandemia, mas que vai passar. Será que todos esses novos marketplaces estão preparados para os tempos de bonança, em que muitos consumidores podem voltar à cultura de consumo anterior? Pelos benefícios já descritos, fazer dos produtos com data de validade perto do fim um modelo de negócio é sustentável. Mas sem crise econômica ele deixa de ter a função de socorro à baixa renda e volta a ser parte de uma estratégia de gestão. E isso faz muita diferença na forma de tocar o negócio.
*Ricardo Ramos é CEO e Fundador da Precifica, é uma das maiores empresas brasileiras especializadas em soluções de pricing.
Fonte: Super Varejo