Por Beatriz Olivon | Os varejistas ganharam, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma importante discussão tributária, com impacto bilionário. A 1ª Seção da Corte entendeu que não seria aplicável um dispositivo do Código Tributário Nacional (CTN) e facilitou pedidos de restituição ou compensação de valores de ICMS pagos a maior no regime de substituição tributária para frente, quando a base de cálculo da operação for inferior à presumida.
Nesse regime, um contribuinte faz o recolhimento do ICMS dos demais, em uma cadeia, estimando o valor que será pago pelo consumidor. O assunto é especialmente relevante para o varejo. A Associação Brasileira dos Atacados de Autosserviço (Abaas) estimava impacto de mais de R$ 1,8 bilhão. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) é parte interessada (amicus curiae) na ação.
Segundo o vice-presidente da Abras, Paulo Pompilio, se a tese fosse julgada de forma contrária, vedando a restituição, poderia provocar um aumento de 5% no preço de alguns itens vendidos aos consumidores, o que afetaria o poder de compra. “Não era uma ação justa um imposto pago e não ser devolvido”, afirma. “A decisão do STJ foi unânime em prol do cidadão”, completa.
Em nota técnica, a associação indica que mais de um terço da arrecadação do ICMS vem da substituição tributária, segundo dados do Comitê Nacional de Secretarias de Fazenda (Comsefaz). “As secretarias que pressupõem um preço presumido para os produtos, pois é mais fácil cobrar a indústria e cascatear isso do que cobrar do varejo”, explica.
No julgamento, os ministros analisaram a aplicação do artigo 166 do CTN. O dispositivo prevê que a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem provar haver assumido o referido encargo, ou, no caso de ter transferido a terceiro, estar expressamente autorizado a recebê-la (Tema 1191 – REsp 2034975, REsp 2034977 e REsp 2035550).
Segundo Gabriel Felicio, do MGF Advogados, as turmas do STJ vinham decidindo de forma favorável aos contribuintes, afastando o artigo 166, tendo em vista a impossibilidade de o encargo tributário ser repassado ao consumidor. Para ele, seria “impossível” cumprir a exigência do artigo 166. “Não tem como um varejista repassar esse encargo, justamente em razão de o ICMS ser um imposto calculado por dentro, de modo que o encargo não compôs o preço da mercadoria quando presumida”, disse.
Em sustentação oral na sessão de hoje, o procurador Breno Rabello Lopes afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o tema, definiu um direito abstrato, que depende do preenchimento de requisitos infraconstitucionais — como a legitimidade e também requisitos previstos em leis estaduais. O artigo do CTN não foi declarado inconstitucional pelos ministros, de acordo com o procurador. “O artigo é fundamental para saber quem assume o ônus financeiro e estaria legitimado para pedir a compensação”, disse.
De acordo com Paulo Pompilio, a decisão do Supremo já vinha permitindo a restituição do ICMS pelos contribuintes, mas algumas secretarias da Fazenda ainda criavam dificuldades. “Agora não se tem mais dúvida sobre o ressarcimento”, adiciona Pompilio, acrescentando que o valor pago a maior deve ser comprovado por nota fiscal (RE 593.849).
Na sessão, o relator, ministro Herman Benjamin, afirmou que aplicou a jurisprudência da Corte e, por isso, não leria o seu voto, apenas a tese do repetitivo, que deverá ser aplicada pelas instâncias inferiores. A decisão foi unânime.
A tese aprovada afirma que “na sistemática da substituição tributária pra frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria a preço menor do que a base de cálculo presumida para o recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no artigo 166 do CTN”.
Segundo Gustavo Lanna, sócio do GVM Advogados e professor da PUC-MG, a decisão é acertada porque não houve a transferência do encargo financeiro ao consumidor final e, por isso, não seria adequada a aplicação da regra prevista no artigo 166.
Para Sandro Machado dos Reis, do Bichara Advogados, a decisão é “tranquilizadora”. O advogado afirma que o contribuinte substituído não tem como repassar o ônus financeiro. “Milita em favor dele (contribuinte substituído) a presunção de que só suporta o custo da própria margem de lucro.”
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição. (Colaborou Marcela Villar, de São Paulo)
Fonte: Valor Econômico