Por Adriana Mattos e Monica Scaramuzzo | Num momento em que sites estrangeiros têm aval para trazer mercadorias ao país com imposto de importação zero (em remessas de até US$ 50), e sem perspectiva clara de que o governo reveja essa posição, as varejistas brasileiras reagem e tomam medidas para se tornarem mais competitivas.
Uma das estratégias envolve a importação ao Brasil de mercadorias de países do Mercosul, principalmente Uruguai e Paraguai, respeitando leis locais e do bloco econômico, apurou o Valor. Outra ação se refere a montagem de marketplaces que operam como “cross border”, importando mercadorias da China por meio do programa do governo Remessa Conforme.
Entre as redes que estão na fase de estudo ou já de montagem de marketplaces com lojistas internacionais estão Magazine Luiza, Riachuelo, Petz e Renner, apurou o Valor. É o mesmo formato que sites estrangeiros, como Shein e Shopee, operam no país.
No caso das importações do Mercosul, esse processo está em andamento entre redes de vestuário seja por meio de um aumento dos envios dessas regiões aos país – com participação de fábricas parceiras ou de terceiros nesses dois países – seja pelo estabelecimento de novos negócios nos países vizinhos.
“É uma reação perfeitamente legítima do varejo, apesar de estarmos exportando empregos e isso poder virar um tiro no pé do governo”, diz um executivo do setor da indústria de moda, segmento que deve ser afetado. “Existem, inclusive, negociações envolvendo incentivo comercial das redes aos fabricantes brasileiros de vestuário para eles produzirem ou elevarem a fabricação no Paraguai, para quem já tem unidade lá”, diz a fonte.
Pelo Paraguai, por meio da “Lei das Maquilas”, o imposto é de 1%. Nas operações entre países do bloco do Mercosul, o imposto é zerado para produtos que respeitem determinados índices de nacionalização definidos em lei.
Movimento ganhou força após a falta de sinalização do governo sobre adoção de alíquota aos marketplaces
A intenção nas redes é buscar esse caminho para obter alguma isonomia tributária em relação ao marketplaces asiáticos, com isenção de imposto de importação em envios de até US$ 50 em vigor desde o dia 1º de agosto.
A respeito da criação de plataformas de envios de mercadorias de lojistas do exterior pelo “cross border”, rede brasileiras associadas ao IDV, o instituto de varejo que lidera, há meses, as conversas junto ao governo, começaram a buscar informações com parceiros logísticos para estruturar essas plataformas, dizem fontes.
Cada empresa terá o seu próprio “cross border”, e para isso, devem solicitar adesão ao Remessa Conforme, o programa administrado pela Receita Federal, que concede a certificação que libera a isenção do imposto de importação.
Entre as redes que analisam criar marketplaces, os projetos mais avançados são de Magalu e Riachuelo, dizem fontes. A Renner analisou, mas ainda teria que avançar mais seus sistemas e logística para isso, diz uma fonte. O grupo Soma, dono da Hering, já tem um plano de montar um marketplace no Uruguai, apurou o Valor (leia detalhes: Riachuelo aumenta importação e Soma terá marketplace).
Esse movimento tanto de uma maior importação de produtos do Mercosul, quanto de criação de plataformas próprias das redes ganhou força após a falta de sinalização mais clara do governo sobre um cronograma para se estabelecer uma alíquota de importação aos marketplaces internacionais.
Apesar disso, há associados do IDV que negam uma relação entre as questões. Afirmam que o “cross border” já era uma oportunidade analisada no setor, e que pode ser explorado com as novas regras de conformidade do governo. O Magalu, por exemplo, já tem uma pequena operação “cross border”.
A última reunião entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o IDV ocorreu dia 4, e o tema da alíquota não foi o foco da Fazenda. A conversa girou em torno dos avanços do Remessa Conforme, mas associados do IDV voltaram a questionar a discrepância de tratamento tributário entre os sites estrangeiros e as redes locais.
Haddad pediu um tempo maior para implementar o Remessa Conforme antes de mexer na alíquota. Nesse debate, o ponto central é político: há o risco de desgaste na imagem do governo caso a definição de uma alíquota gere rejeição da população.
Há uma expectativa de definição de um imposto de 20%, como o ministro já acenou ao IDV dois meses atrás, mas o percentual é visto como baixo pelas redes para garantir a isonomia tributária – e já há um entendimento entre líderes de varejistas que, se isso sair do papel, será apenas em 2024.
Varejistas brasileiras de moda pagam entre 80% e 90% de impostos sobre o produto (como ICMS, PIS/Cofins, entre outros).
“Para que possamos ser competitivos, temos de fazer o mesmo [que os sites estrangeiros]”, resume um executivo do setor, sobre a abertura de marketplaces de lojistas internacionais pelas empresas.
“Ficamos muito decepcionados [na reunião com a Fazenda]. E vamos operar da mesma forma [que eles]. Aprendemos que no Brasil temos de ser ágeis e criarmos condições iguais às da concorrência para não perder mercado”, diz.
“Logo depois daquele encontro [do dia 4] algumas conversas de projetos se aceleraram. Eles perceberam que têm que se mexer porque essa isonomia não deve vir”, diz um executivo a par do assunto.
Em nota ao Valor a Abvtex, associação do varejo têxtil, afirmou que “para fazer frente a este desequilíbrio [de impostos entre as companhias], empresas do setor começam a reavaliar suas estruturas e condições de produção”.
Para um associado do IDV, essa situação “se enrolou demais porque o varejo não quer queimar pontes com a Fazenda, não quer se indispor”, afirma. “Mas de qualquer forma, quando se definir a alíquota, está certo que não haverá equidade porque o Orçamento de 2024 já trabalha com imposto de importação de 20%”.
Na visão de um diretor da indústria têxtil, porém, isso tem consequências ao próprio governo. “Produzir no Mercosul reduz arrecadação de fabricantes locais, exporta emprego, mas a Fazenda deve saber os efeitos que uma isenção tributária a empresas estrangeiras causa em toda a cadeia”, afirma.
Neste momento, os marketplaces Shein, sediado na China, e Shopee, do grupo Sea, de Cingapura e AliExpress, já importam mercadorias usufruindo da isenção do imposto de importação, mas com a cobrança de 17% de ICMS. A Shein subsidia o ICMS.
Amazon e Mercado Livre já tem autorização para iniciar a venda pelo Remessa Conforme.
Procuradas, Magalu, Riachuelo, Renner e Petz não se manifestaram sobre suas estratégias. IDV e Fazenda não comentaram.
Fonte: Valor Econômico