A economia brasileira começa a dar sinais de melhora, mas a verdade é que a recuperação deve ser lenta. As previsões do varejo reforçam esse prognóstico. Após dois anos de queda, as vendas do setor voltaram ao nível de 2010. Alguns produtos, como eletrodomésticos, tiveram uma queda de mais de 12% somente em 2016. Diante desse cenário negativo, parte dos lojistas tem tentado de tudo para aumentar a eficiência da operação. Uma dessas medidas é usar novas tecnologias que capturam dados do fluxo de clientes nas lojas e, por meio de softwares de análise de dados, permitem compreender melhor o comportamento do consumidor — quais produtos ele procura e por onde passa dentro da loja. Na visão desses varejistas, a revolução digital em lojas de tijolo e cimento é parte da receita para sair mais rapidamente do buraco.
Sensores e câmeras inteligentes instaladas nos estabelecimentos são capazes de identificar a quantidade exata de clientes que entram e saem da loja, o tempo de espera nas filas dos caixas e quais os produtos mais procurados nas prateleiras. As informações são enviadas em tempo real por meio de conexões sem fio para um banco de dados online. Ao final de alguns meses, é possível ter um diagnóstico do fluxo de clientes e descobrir detalhes até então desconhecidos, especialmente no caso de grandes redes que têm centenas de unidades. É o caso da rede Óticas Carol, segunda maior varejista de óculos do país, com 950 lojas.
No ano passado, a empresa começou a instalação de sensores inteligentes e hoje 60% das unidades já contam com a tecnologia. Nesses estabelecimentos, a decisão sobre quais armações vão para as vitrines é feita com base nas peças mais populares em cada um dos locais. “Sabemos até por qual porta entram mais clientes nas lojas e em quais horários. Com isso, os vendedores sabem que precisam dar mais atenção a uma ou outra entrada”, diz Sandro Malimpensa, diretor de operações. Agora o mais importante: a rede de óticas — comprada recentemente pelo grupo italiano Luxottica (dono das marcas Ray-Ban e Oakley) por cerca de 115 milhões de dólares — teve um aumento de 4% nas vendas desde que a tecnologia começou a ser usada.
Essa transformação digital de varejistas tradicionais tem garantido o crescimento de startups como a Seed Digital, empresa de tecnologia de São Paulo que desenvolveu o software e monitora o fluxo de clientes em mais de 4 000 lojas de 30 varejistas pelo país afora. Entre os clientes estão o grupo Ri Happy (dono das lojas de brinquedos Ri Happy e PBKids), a rede de artigos esportivos Centauro, as lojas de vestuário Leader e Reserva, e também shopping centers, como o Cidade Jardim e o SP Market, ambos em São Paulo. Para Francisco Forbes, fundador e presidente da Seed Digital, muitas vezes os varejistas tentam reverter a queda nas vendas investindo em ações de marketing para atrair mais consumidores, mas o problema pode ser outro. “Tenho um cliente que notou que o fluxo de clientes era bom e o problema estava nos vendedores. Ele conseguiu aumentar as vendas em mais de 20% somente fazendo a troca da equipe”, diz Forbes, que fundou a empresa em 2014 e recebeu investimentos dos fundos RIGI Ventures, Unique Partners e Iporanga.
A tecnologia está trazendo para as lojas algo que é muito comum no varejo online — capturar todo tipo de dado dos consumidores que visitam os sites e usar essas informações para convencê-los a comprar. Apenas 1% das pessoas que entram nos sites de lojas online no Brasil fazem uma compra. Esse percentual, chamado de taxa de conversão, é um indicador muito utilizado no comércio eletrônico para medir o desempenho das empresas. No varejo físico, até há pouco, não havia muitas maneiras eficientes de analisar a relação entre o fluxo de pessoas e as vendas.
É isso o que a tecnologia começa a mudar. “O monitoramento de clientes e de produtos é feito há pelo menos 50 anos. Mas era uma verificação manual e que podia levar quase um mês para ficar pronta. Com o monitoramento digital, os dados são gerados 24 horas por dia”, diz Graciliano Passos, sócio da startup UpPoints, de Florianópolis. Fundada em 2012, a empresa desenvolveu um sistema que utiliza câmeras e tecnologias de inteligência artificial e de reconhecimento de imagens para identificar quais são os produtos mais vistos e procurados pelos consumidores em lojas e supermercados. No início de março, a empresa foi comprada pela Embraco, fabricante de compressores para geladeiras e freezers, pertencente à americana Whirlpool e com sede em Joinville.
As empresas também têm buscado soluções para acompanhar os resultados das vendas por meio de aplicativos. Uma das empresas que oferecem a solução é a startup Brasil/CT, de São Paulo. Criada em 2010 pelo empresário Marcos Wettreich, que já teve diversas empresas de tecnologia, entre elas o provedor de internet iBest, a startup oferece um sistema online de análise de dados para monitorar em detalhes a operação das lojas. Assim, é possível saber o desempenho das vendas em cada loja e de cada vendedor, em tempo real, por meio de um sistema online e de um aplicativo para smartphone.
Além disso, o software identifica o histórico de compras de cada consumidor nos últimos três anos, o que ajuda a fazer ofertas personalizadas e a gerenciar programas de fidelização. A solução surgiu depois que a Brasil/CT comprou, em maio de 2016, uma participação da empresa Único Sistemas, que desenvolveu o software. Com a expansão, a Brasil/CT espera ter um faturamento de 210 milhões de reais em 2017, um aumento de 50% sobre o ano passado. “O varejo precisa de uma tecnologia que atenda desde as vendas no balcão até a administração dos estoques. Mas é claro que a tecnologia em si não resolve o problema. É preciso ter funcionários capacitados e um sistema que funcione”, diz Wettreich.
Investir em momento de crise?
Na avaliação de quem está à frente das empresas de tecnologia, o mercado para as ferramentas digitais está melhorando, mas seu potencial é muito maior. Muitos varejistas do mundo físico têm resistido a investir na digitalização de suas operações devido à baixa atividade da economia e à queda no consumo das famílias. Segundo a consultoria IDC Brasil, especializada em tecnologia, apenas 10% das empresas estão direcionando recursos para soluções digitais. E, quando o fazem, aplicam até 1% do valor das vendas do setor, percentual considerado baixo. “As soluções existem, mas nem todos enxergam os benefícios. Ainda é difícil criar uma cultura digital nas empresas”, afirma Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo.
Até o início da década, os brasileiros viveram uma fase de bonança. Compraram geladeiras, televisores de tela plana, trocaram os móveis e os carros. O setor de varejo aproveitou a fase de alto consumo como poucos. Nos últimos dois anos, a onda virou. As vendas caíram 17% em relação a janeiro de 2015, levando em conta a inflação no período. Em 2016, mais de 108 000 lojistas fecharam as portas no país. É um cenário desanimador. Parte dos que sobreviveram decidiu olhar o consumidor com mais atenção. Seja com uma câmera, seja por um sensor ou um aplicativo.
Fonte: Exame