Vendas de vestuário e calçados, por exemplo, saltaram 81,3% em março, na comparação interanual
Por Martha Watanabe
O volume de vendas do varejo no país veio novamente melhor que o esperado em março, mas esse desempenho mais favorável ligado à abertura da economia e à sensação de “fim de pandemia” dificilmente deve ter continuidade, em razão da piora nas condições de renda, com nível de desemprego ainda alto, inflação ascendente e elevação da taxa de juros básica, diz Claudio Considera, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
A Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) divulgada na manhã desta terça-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou alta de 1% no volume de vendas do varejo restrito em março contra fevereiro, na série com ajuste sazonal.
Na variação interanual, a alta foi de 4%. No conceito ampliado, que inclui veículos e peças e material de construção, a alta foi de 0,7% na margem e de 4,5% na comparação com igual mês do ano passado.
Para Considera, o desempenho de março foi influenciado pelo afrouxamento das regras de isolamento social, com máscaras deixando de ser obrigatórias. Isso, junto com queda no número de casos e de mortes por covid-19, diz ele, trouxe para as pessoas a “sensação de fim de pandemia”, com desejo de volta à normalidade. Esse ambiente, diz, levou as pessoas á compras, juntamente com as atividades de lazer presenciais.
A alta nas vendas de vestuário e calçados, de 81,3% em março, na comparação interanual, mostra isso, indica o economista. Após dois anos praticamente sem compras desse artigos e com a volta ao trabalho ou à atividades presenciais, há uma demanda reprimida, avalia. Isso também se vê em combustíveis e lubrificantes e livros, jornais e revistas.
O economista diz, porém, que esse o varejo não deve manter o desempenho de março, em razão de um processo inflacionário ainda em curso corroendo o poder de compra dos consumidores.
Além disso, o desemprego continua alto, apesar da recuperação do mercado de trabalho, e os juros mais altos devem começar a fazer mais diferença em itens que precisam de crédito para a venda, como móveis e eletrodomésticos.
Nesse item, houve recuperação em março, no critério interanual, com alta de 6,7%, mas sem recuperar as quedas de janeiro e fevereiro, respectivamente de 11,4% e 13,3%, sempre contra igual mês de 2021.
“Ventos contrários”
Além do aumento da mobilidade em razão ao recuo da onda de covid-19, o bom desempenho das vendas do varejo em fevereiro e março reflete ainda a redução dos gargalos de oferta que afetam o setor automobilístico e o fôlego adicional ao consumo com o pagamento do Auxílio Brasil, diz Alberto Ramos, chefe de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs.
Com o resultado de março, o carregamento estatístico para as vendas do varejo restrito, calcula Ramos, é de 1,1% para o segundo trimestre de 2022, na margem, com ajuste sazonal. No varejo ampliado é de 1,2%, em igual critério.
Os “ventos contrários”, porém, ainda sopram contra varejo nos próximos meses, aponta Ramos, em boletim distribuído esta manhã pelo banco.
Entre eles, indica, inflação em dois dígitos, condições financeiras apertadas, confiança fraca do consumidor, incerteza política, endividamento das famílias e condições de crédito cada vez mais exigentes.
Fonte: Valor Econômico