Por Ana Claudia Nagao | A solicitação de CPF nas farmácias voltou às manchetes após a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) emitir uma nota técnica contrária a essa prática. O texto, com embasamento considerado frágil, gerou uma reação contundente do varejo farmacêutico.
O parecer do órgão chega a colocar em xeque a transparência das farmácias, mesmo sem nenhuma comprovação. A ANPD questionou o compartilhamento de dados com prestadores de serviços e demais parceiros comerciais e a segurança das informações por parte das varejistas, de acordo com o que regre a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O documento foi enviado para as principais entidades representativas do setor, incluindo ABCFarma, Abrafad, Abrafarma e Febrafar. Na visão da Abrafarma, que reúne as 30 maiores redes de farmácias do país, a nota técnica traz inconsistências e demonstra desconhecimento, por parte da ANPD, das complexidades das operações envolvendo uso de dados no setor farmacêutico.
CPF nas farmácias visa a cumprir obrigações regulatórias
O pedido de CPF nas farmácias também abrange questões regulatórias. Ao contrário de outros setores do comércio, o varejo farmacêutico tem obrigações legais para formalizar a venda de determinados tipos de medicamentos, como aqueles de controle especial. “As informações do CPF têm que ser inseridas no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) da Anvisa”, afirma Francisco Celso Rodrigues, diretor-executivo da Abrafarma para a área de coordenação técnica e de comitês.
Segundo ele, a identificação de compradores também é um requisito legal para atender às exigências do programa Aqui Tem Farmácia Popular e da Nota Fiscal Paulista, em operações de convênios com empresas para desconto em folha de pagamento, em programas da indústria farmacêutica para medicamentos de uso continuo (PBM) e em cartões-fidelidade.
“Em algumas situações, as redes de farmácias atuam somente como operadores e não na qualidade de controladores dos dados, como é o caso dos PBMs e alguns convênios com empresas. Os dados nunca são repassados a terceiros e as análises de tendências de mercado são realizadas sempre de forma anonimizada”, ressalta Rodrigues.
Outro ponto que causou estranheza é que a nota técnica usa como referência, entre outros argumentos, uma ação civil pública iniciada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e uma investigação preliminar iniciada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra a Drogaria Araujo.
O executivo também reafirma que as informações decorrentes das transações são tratadas de forma absolutamente correta pelos associados, não havendo notícias de vazamentos ou uso indevido como crê o senso comum.
Nota técnica distanciou ANPD do setor
Já para a advogada Patricia Peck Pinheiro, membro do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade (CNPD), órgão consultivo da ANPD, a LGPD é uma legislação de proteção/orientação e não de proibição. “Trata-se de uma lei muito nova ainda e que carece de campanhas educativas para o consumidor e de políticas públicas, linhas de créditos e incentivos fiscais para sua implementação a fim de ajudar o mercado a ficar em conformidade”, ressalta.
Segundo Patricia, a ANPD precisa aprimorar o seu próprio conhecimento sobre todo o ecossistema da saúde. “O órgão ainda tem uma visão parcial do varejo e do uso do CPF, sem considerar os outros elos da cadeia da saúde, que trabalha com dados sensíveis, entre eles o prontuário do paciente”, explica. “E nesse ponto entram os consultórios, clínicas, laboratórios, hospitais. Como esses estabelecimentos estão em termos de conformidade? Dentro de todo esse ecossistema, a farmácia é a que está mais avançada dentro do programa de privacidade de proteção de dados quando comparada ao ambiente das clínicas de saúde”, acrescenta.
Apesar de a ANPD pregar uma fiscalização participativa e próxima do mercado, a publicação na nota técnica acabou surtindo efeito negativo no segmento farmacêutico. “Por ser multisetorial e lidar com muitos segmentos econômicos, a melhor estratégia é a aproximação junto às entidades de cada nicho, por meio de parcerias, a fim de entender as suas peculiaridades. No varejo farma acabou havendo um distanciamento”, finaliza Patricia.
Entenda o que diz a nota técnica da ANPD
Desde 2020, a ANPD vem monitorando o tratamento de dados pessoais em farmácias E após denúncias de titulares, determinou a realização de estudos exploratórios sobre o tema pela Coordenação-Geral de Tecnologia e Pesquisa (CGTP).
As principais constatações do estudo mostram que algumas práticas de tratamento de dados pessoais ainda não estavam em completa conformidade com a legislação. Isso inclui o tratamento de dados pessoais para finalidades diferentes daquelas indicadas aos titulares e indícios de coleta excessiva de dados pessoais, incluindo dados pessoais sensíveis, sem informações claras sobre como esses dados são tratados.
Outra questão identificada foi a falta de transparência em relação ao compartilhamento com prestadores de serviços, entre os quais os responsáveis pelos programas de fidelização. O estudo concluiu ainda que há baixa maturidade dos agentes de tratamento do setor de varejo farmacêutico no que se refere à proteção da privacidade e dos dados pessoais, o que tem prejudicado o direito à informação dos titulares.
Depois de receber denúncias de titulares de dados e de investigações jornalísticas sobre o tema, o Conselho Diretor da ANPD determinou, em 3 de maio de 2023, a instauração de procedimento fiscalizatório pela Coordenação-Geral de Fiscalização (CGF), em cooperação com a Secretaria Nacional do Consumidor.
Fonte: Panorama Farmacêutico