Números desanimadores para terceiro trimestre levam setor a ajustar expectativas para segunda metade do ano e 2019; greve dos caminhoneiros interrompeu trajetória que era positiva até abril
Crescendo em marcha lenta após a greve dos caminhoneiros, o varejo brasileiro enfrenta um período de “provação” no segundo semestre. Dessa forma, a recuperação de patamares pré-crise não deve ocorrer no ano que vem, “ficando para o segundo semestre de 2020 ou início de 2021”.
O diagnóstico é do chefe da divisão econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes. De acordo com ele, mesmo que a previsão de crescimento para o ano (4,3%) se concretize, o resultado representará a recuperação de “menos da metade do estrago feito pela recessão.”
“O setor só volta ao patamar pré-crise na segunda metade de 2020 ou muito provavelmente no começo de 2021”, sinalizou o economista ao DCI.
A perspectiva pouco otimista já considera o cenário repleto de incertezas para o setor durante a segunda metade do ano. A situação ficou evidente após a queda de 0,4% no volume de vendas em julho ante junho verificada na Pesquisa Mensal do Comércio (PMC).
Os resultados levaram a CNC a diminuir de 3% para 2,8% a expectativa de crescimento para os seis últimos meses do ano. Além da incerteza eleitoral, a revisão tem a ver com o novo momento criado na esteira da greve dos caminhoneiros de maio.
“Em março e abril, as vendas do varejo ampliado cresciam acima de 8%. Ou seja, parecia que estávamos engatando a tão esperada recuperação, mas houve uma mudança de comportamento após a paralisação”, afirmou o economista da CNC. “Maio, junho e julho foram os piores meses em termos de crescimento desde abril de 2017.”
Entre as causas da mudança estão a rápida desvalorização do real após a crise logística e a alta na inflação – sobretudo entre os preços administrados como tarifas de energia elétrica e combustíveis. “Antes da greve, o IPCA estava abaixo de 3%; agora ele está em 4,2%. Já a inflação dos preços administrados estava na casa dos 4%. Hoje, ela está superior a 9%”, afirmou Bentes.
Exemplo dessa tendência seria o comportamento dos preços administrados como gasolina, energia elétrica, planos de saúde e gás de cozinha que, segundo Bentes, “representaram metade da inflação dos últimos doze meses”. “O aumento nas tarifas pesa muito no bolso do consumidor, que acaba sacrificando os gastos no comércio, e eleva os custos do varejo”, prosseguiu.
“Em uma situação normal haveria repasse para o preço final, mas agora não dá porque a demanda está fraquíssima e o consumidor, sem condições de arcar”, sinalizou o economista, lembrando que o tabelamento do frete instituído pelo governo federal também pressionará custos. Para a CNC, a nova política deve custar cerca de R$ 1 bilhão ao setor neste ano.
Somados, os fatores também podem influenciar negativamente o número de estabelecimentos abertos ao longo do ano: no início de 2018, a estimativa da CNC era de saldo positivo de 20 mil pontos de venda após três anos de retração. Durante o primeiro semestre, contudo, apenas 2,2 mil novas lojas foram criadas – em resultado “decepcionante”. Vale lembrar que o varejo fechou 226,5 mil estabelecimentos entre 2015 e 2017.
Curto prazoConforme sinalizado pelo DCI na última sexta-feira, a desaceleração do crescimento no varejo também está relacionada com a ausência de fatores excepcionais como a liberação de recursos do FGTS realizada em meados de 2017.
Para a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, as propostas dos presidenciáveis para o destravamento do consumo no ano que vem teriam o mesmo perfil “de curto prazo”.
“Não adianta botar dinheiro na economia se isso não gerar emprego e renda de forma sustentável”, afirmou Marcela, mostrando preocupação com o contingente de 27,6 milhões de pessoas desempregadas, em desalento ou que trabalham menos que gostariam. “A recuperação do mercado de trabalho está muito lenta.”
A economista ainda lembrou que “assim que as pessoas voltarem ao mercado de trabalho, elas precisarão pagar as contas em atraso antes de voltar a consumir”. Mesmo assim, Marcela mostrou ceticismo frente ideias de candidatos do PT e PDT, que propõem refinanciar as dívidas de pessoas físicas inadimplentes com ajuda de recursos públicos.
Fonte: DCI