Com a recuperação gradual da economia brasileira, o varejo também começa a retomar projetos engavetados e a entrar na era dos “multinegócios”. Numa espécie de vale-tudo pelo cliente, grandes redes começam a desbravar áreas em que não atuavam. A Magazine Luiza começou a vender, este mês, produtos de supermercado. O Habib’s, rede de fast-food árabe, abriu há duas semanas seu primeiro posto de combustível em São Paulo.
Mesmo quem não atua diretamente com o consumidor está diversificando para ter o melhor portfólio de produtos nas prateleiras do comércio: a Unilever, dona das marcas Omo, Knorr e Helmann’s, entrou no mercado brasileiro de alimentos naturais e orgânicos com a compra de 100% do capital da Mãe Terra.
No exterior, a busca pelo cliente começou há mais tempo. Em Portugal, a rede de supermercados Sonae também tem petshops, restaurantes, lojas de eletrodomésticos, celulares, farmácias e até clínicas médicas. Na Inglaterra, a rede varejista Tesco possui de agência de viagem a loja de conveniência e postos de combustível. A americana Amazon, que começou como livraria, hoje vende de roupas a alimentos.
No começo deste mês, a Magazine Luiza passou oferecer, pelos seus canais de e-commerce, produtos como fraldas, leite, shampoos, lenços umedecidos, cervejas, produtos de limpeza, cápsulas de café, entre outros. Hoje, são 3 mil itens, que devem dobrar para 6 mil em seis meses. O projeto tem como alvo o grande número de visitantes que acessa os canais digitais. O e-commerce da rede já responde por cerca de 30% do faturamento.
– Somos varejistas tradicionais dos segmentos de móveis, utilidades domésticas, eletreletrônicos. Mas esses são itens que não trazem recorrência. Uma pessoa troca de televisor a cada dez anos. Na categoria supermercado, buscamos a recorrência. Queremos ter nossos clientes todo dia, levando o Magazine Luiza no bolso e comprando pelo aplicativo – diz Julio Trajano, diretor comercial de e-commerce da rede.
Os produtos de supermercado ficam em estoque e são entregues entre três e cinco dias, em grandes centros como São Paulo. Mas o cliente pode fazer a compra nas lojas físicas. Ele escolhe os produtos também por um aplicativo e pode retirá-los no próprio estabelecimento ou receber em casa. Em algumas lojas de São Paulo, a entrega já está sendo feita em 24 horas.
Para o consumidor, a vantagem é ter um leque maior de produtos em canais em que ele já costuma comprar, inclusive com acesso facilitado ao crédito, dizem os especialistas. Além disso, aumentam as promoções, os programas de fidelidade que dão descontos e vantagens.
– O Magazine Luiza fez uma promoção com uma marca importada de shampoo, condicionador e máscara de hidratação baixando o preço do conjunto para R$ 33. Vendeu 20 mil kits em apenas um dia pelos canais digitais – diz Trajano.
MANTER QUALIDADE É UM DESAFIO
As varejistas também tentam associar características próprias, já conhecidas do consumidor, a esses novos negócios.
– O Habib’s tem como marca o preço baixo de suas esfihas. A tendência é que o consumidor associe essa característica também ao preço do combustível – diz o coordenador executivo de Marketing do Insper, Silvio Laban.
O empresário Alberto Saraiva, fundador do Habib’s, diz que a estratégia de preços baixos também já está sendo usada no primeiro posto da rede. A gasolina comum sai por R$ 3,39 o litro, enquanto o álcool custa R$ 2,29, preços abaixo da média do mercado. Além disso, em determinado horário do dia, há uma promoção em que o cliente ganha descontos entre R$ 0,10 e R$ 0,20.
– O objetivo é atrair o consumidor que já conhece nossa marca. Pelas mais de 540 unidades do Habib’s e Ragazzo que existem no país, passam por ano 200 milhões de consumidores e 19 milhões de carros. É essa base que queremos aproveitar – afirma Saraiva.
Ele lembra que o combustível do posto será fornecido pela BR Distribuidora para garantir a qualidade do produto. Mais quatro postos serão abertos nos próximos seis meses, e, até 2020, serão 30 unidades, alguns como franquia.
A onda multinegócios também vem impulsionando fusões e aquisições. Além de adquirir no Brasil a Mãe Terra, a Unilever comprou, em setembro, a empresa de chás Pukka Herbs, na Inglaterra. Os valores das duas transações não foram revelados, mas o objetivo é o mesmo: ampliar a oferta de produtos e alcançar novos públicos. Dados da Euromonitor mostram que, no Brasil, o mercado de orgânicos já movimenta cerca de ? 8 bilhões ao ano (mais de R$ 30 bilhões).
O risco dessa expansão para setores tão diversos, afirma a consultora especializada em varejo Ana Paula Tozzi, presidente da AGR Consultores, é não conseguir se tornar um jogador relevante nesse universo dos multinegócios:
– Como passam a lidar com mais fornecedores, existe o risco de não conseguirem manter o padrão de qualidade construído por essas marcas.
Fonte: O Globo