Os dois maiores eventos esportivos do calendário mundial — Copa do Mundo e Olimpíada — não conseguiram evitar que o segmento de vestuário e calçados esportivos no Brasil sofresse uma goleada da recessão. Em 2014, ano do mundial de futebol, o setor registrou R$ 25,46 bilhões em vendas no país — bem acima dos R$ 19,50 bilhões de 2011 — resultado de um ritmo de crescimento anual que beirava 10%, segundo dados da consultoria Euromonitor. De lá para cá, a trajetória é de queda.
A previsão para este ano é de retomada da taxa positiva, com um tímido avanço de 1,4% — ante um tombo de 6,5% em 2016. Se a estimativa se confirmar, baterá R$ 23,39 bilhões em vendas em 2017, patamar similar ao de 2013. Desempenho como o de 2014, porém, só deve ser registrado em 2020.
— A crise se sobrepõe mesmo a eventos como Copa do Mundo e Olimpíada. Em maio de 2015, o varejo travou, afetando todos os segmentos. As empresas frearam ou suspenderam investimentos. No segmento de artigos esportivos, as vendas de vestuário e calçados são 80% do negócio. Neste início de ano, já há estimativa de retomada — diz Marcelo Prado, sócio-diretor da Iemi — Inteligência de Mercado.
Na prática, o encolhimento das cifras reflete a guinada no comportamento do consumidor devido à crise: freio no consumo e opção por itens de melhor relação entre custo e benefício, continua Prado. Isso fez com que as marcas precisassem rever suas estratégias. Lojas foram fechadas, investimentos em marketing foram encurtados.
MERCADO MAIS COMPETITIVO
Mês passado, a Nike, líder nesse mercado no Brasil, fechou sua loja de Ipanema, no Rio. A unidade integrava o seleto grupo de lojas de experiência da marca no mundo. Antes, já fechara a loja do Plaza Shopping Niterói.
A decisão da Nike está na direção correta, avalia Ana Paula Tozzi, diretora executiva da AGR Consultores:
— De modo geral, com freio no consumo, não há grandes investimentos em mídia, novas lojas e expansão nesse momento. Loja conceito é loja de prejuízo. Com os altos custos de mão de obra e do ponto de venda no Brasil, é negócio que não se banca. Funciona como um projeto de marketing.
Ter menos lojas não significa, necessariamente, que a Nike está encolhendo. Ao contrário. A participação de mercado da companhia — que estava entre as patrocinadoras da Rio 2016 — cresce a cada ano no país. Com o freio no segmento esportivo, embora a fatia da Nike cresça, as receitas caíram. No ano fiscal encerrado em maio de 2016, a receita da Nike em mercados emergentes subiu 13%. Em Argentina, Uruguai e Chile, saltou 32%. No México, o avanço foi de 31%; em Austrália e Nova Zelândia, de 27%. Coube ao Brasil a única taxa negativa, de -5%, justificada pela adversidade econômica.
— É um momento ruim do mercado, mas o varejo esportivo tem todo o espaço para crescer no Brasil. O segmento se apresenta mais maduro, mais competitivo. O consumidor vê oportunidades em mais marcas — afirma Ana Paula.
No mercado, de acordo com a Euromonitor, o total de lojas no segmento de artigos esportivos segue em expansão, mas desacelerando a cada ano.
Para Prado, da Iemi, a crise tornou mais difíceis as vendas de itens mais sofisticados e caros:
— Em 2015, os itens mais caros sofreram menos. Depois, também sofreram. Não quer dizer que as pessoas não comprem produtos premium. Mas o consumo é seletivo. Ganha quem oferece melhor custo/benefício.
A Adidas, outra gigante do segmento, e a brasileira Olympikus, da Vulcabrás, são exemplos dessas tendências. As vendas da companhia alemã na América Latina cresceram 14% de janeiro a setembro de 2016 ante igual período de 2015 em moedas locais. Em euros, houve recuo de 8%. As receitas das marcas Adidas e Reebok subiram com taxas de dois dígitos em todos os grandes mercados do grupo. No Brasil, ficou pouco abaixo de 10%.
— A Adidas continua focando em investimentos sustentáveis e de longo prazo, além de parcerias, como a que tem com o Flamengo, para trazer novidades relevantes. Sabemos que o consumidor espera um bom custo/benefício, um serviço excelente, produtos inovadores e com design atual. E é nisso que estamos trabalhando. Sabemos que o mercado é competitivo e não existe perspectiva de grandes crescimentos daqui para frente — explica Javier Landa, diretor de marketing da Adidas Brasil.
TÊNIS DE ‘RAPPER’ A R$ 1.200
Para seguir o plano de expansão, conta ele, é preciso equilíbrio entre lojas próprias, e-commerce e franquias. Ano passado, o grupo abriu loja da marca Originals de Ipanema, além de uma filial outlet em Duque de Caxias. No início da tarde da última sexta-feira, um grupo de jovens já esperava a chegada de uma leva dos tênis Yeezy Boost — o que só aconteceria no sábado —, à loja da Zona Sul. Cada par do modelo assinado pelo rapper americano Kanye West custa R$ 1.200.
A Olympikus, que subiu de terceira para segunda maior marca de artigos esportivos no país em 2016, seguida da Adidas, vem ganhando espaço. Passou por uma completa reestruturação entre 2012 e 2014, focada em ganho de eficiência e produtividade, e com uma “revolução” na coleção de produtos, contou o diretor de Marketing Rafael Gouveia:
— Com a reestruturação e o portfólio de produtos mais alinhado às tendências de moda e com a demanda do consumidor, crescemos como marca de alto custo/benefício. São as que mais sobem num momento em que o consumidor precisa fazer uma compra mais racional.
A meta é chegar a líder do mercado. Para isso, investe R$ 15 milhões por ano em pesquisa e desenvolvimento.
— A Vulcabrás é uma companhia com distribuição em escala. É uma grande vantagem, colocando a Olympikus em 15 mil pontos de venda no país. O número de pares vendidos pela marca cresceu de 12,5 milhões em 2015 para 15 milhões no ano passado — analisa Gouveia.
A Nike não comentou.
Fonte: O Globo