Ao longo de oito meses, entre o fim de 2016 e o início de 2017, uma rede francesa de livrarias usou as imagens captadas pelas câmeras do circuito interno de uma de suas unidades parisienses para alimentar um software que examina os movimentos e as expressões faciais dos consumidores, tentando identificar emoções como surpresa, insatisfação, confusão ou hesitação. Quando um cliente percorria toda a extensão de um corredor da loja e então voltava com o cenho fechado, o software emitia discretamente um alerta para um vendedor, que se prontificava a auxiliar o freguês. As vendas aumentaram 10%.
Por ora, a rede de livrarias prefere não ser identificada. Outros clientes da Angus.ai, startup que está por trás da tecnologia, vêm testando o recurso em estabelecimentos fechados para o público em geral. A operadora aeroportuária Aéroports de Paris, o conglomerado de artigos de luxo LVMH e a rede de hipermercados Carrefour estão entre os clientes da empresa. Em testes realizados numa loja da rede Mothercare, em Tallinn, capital da Estônia, um software desenvolvido pela Realeyes, outra startup, mostrou que os clientes que entravam no estabelecimento sorrindo compravam três vezes mais que os outros.
Os algoritmos utilizados na análise de imagens geradas por câmeras de vídeo são ferramentas relativamente simples, que oferecem grande volume de informações. Atualmente, porém, os varejistas dispõem de métodos muito mais sofisticados para escarafunchar as emoções dos consumidores.
As câmeras térmicas, que captam luz infravermelha, permitem detectar o ritmo do batimento cardíaco dos clientes. Com as redes sem fio, é possível capturar os dados gerados pelos acelerômetros que equipam os smartphones das pessoas e, assim, identificar sinais de que um consumidor se interessou por determinado produto (sua movimentação geralmente se interrompe) ou ficou assustado com os preços (o sujeito levanta o aparelho repetidas vezes para ver se encontra produtos mais baratos na internet).
Para obter insights ainda mais aprofundados, alguns varejistas chegam a pedir que seus clientes usem kits especiais, em troca de descontos ou outras recompensas. Com “galvanômetros” portáteis fixados no corpo da pessoa, por exemplo, é possível medir o nível de umidade e resistência elétrica em sua mão e, assim, aferir o grau de excitação em que ela se encontra.
Com esses recursos, os varejistas cuja operação se concentra em lojas físicas talvez consigam reduzir a vantagem que a análise dos dados gerados pelas compras efetuadas na internet oferece às lojas online. Está em curso uma disputa entre startups de tecnologia, que tentam identificar a melhor maneira de coletar e usar os dados sobre as emoções dos consumidores, com o intuito de aprimorar embalagens, displays, música ambiente ou mesmo o conteúdo de mensagens publicitárias e o momento em que elas são veiculadas, informa Rana June, diretora executiva da nova-iorquina Lightwave. A empresa mede emoções para varejistas, shopping centers e fabricantes de bens de consumo, como PepsiCo, Procter & Gamble e Unilever.
Nem todos parecem se impressionar com a coisa. Alguns veem esses métodos com desconforto. A gigante de pesquisas de mercado Nielsen por ora considera “vanguardista” demais a utilização de recursos tecnológicos para identificar as emoções dos consumidores, diz Ricardo Gutiérrez, diretor de insights sobre consumidores da Nielsen Colômbia, em Bogotá.
O fato, porém, é que se trata de abordagem muito mais barata que a realização de entrevistas. A Nielsen cobra cerca de US$ 10 mil para entrevistar 25 consumidores e sondar suas opiniões sobre três produtos. Os serviços da Angus.ai custam apenas € 59 (US$ 66) por mês, por câmera de vídeo.
Por aproximadamente US$ 15 mil, a iMotions, de Copenhague, fornece uma touca para detecção de atividade cerebral, um headset para monitoramento ocular, que registra quando um objeto atraente provoca a dilatação das pupilas da pessoa, e um galvanômetro. Entre os cerca de 150 clientes da iMotions estão Mondelez International, Nestlé e Unilever.
Além disso, as pesquisas de mercado convencionais podem geram conclusões equivocadas. Os entrevistados geralmente “editam” suas respostas para parecerem racionais, ao passo que muitas compras são impulsionadas por emoções subconscientes. O fundamental é monitorar as coisas inconscientes que os consumidores fazem, diz Jeff Hershey, da VideoMining, empresa da Pensilvânia cujo software também analisa as imagens capturadas por câmeras de circuito interno.
E as pesquisas com frequência fazem as perguntas erradas, como, por exemplo, se a pessoa gosta muito ou pouco de determinado produto, quando o que realmente importa é saber se o produto faz com que ela se sinta atraente, observa Simon Harrop, da consultoria britânica BrandSense.
A ideia de que algumas pessoas vão às compras quando se sentem deprimidas é um exemplo clássico do componente emocional presente no comportamento dos consumidores. Os comerciantes que conseguirem encontrar um método certeiro para identificar fregueses tristonhos podem se dar bem.
Fonte: Estadão