Documento é exigido na maioria das compras, gerando incerteza sobre finalidade do uso
O Cadastro de Pessoas Físicas, o CPF, virou mania nacional. O documento tem sido solicitado pela maioria dos estabelecimentos sob os mais diversos argumentos, até mesmo nas compras em dinheiro. Isso quando não solicitam outros dados, como endereço, celular, e-mail. A prática incomoda e deixa o consumidor preocupado por não saber como serão usadas tais informações.
— Eu não dou meu CPF para qualquer um, a não ser que seja para troca de um produto — afirma a dona de casa Elizabeth Fátima Souza, que teme que seus dados sejam usados para fraude — Só compro onde acho confiável. Nunca tive problema, e espero não ter nunca.
Especialista em direito digital, a advogada Patrícia Peck acredita que o costume de pedir o CPF foi criado para que o comerciante pudesse saber quem é o seu cliente, o que está mais relacionado a uma prática de gestão de clientela, de fidelização, do que a um requisito legal.
Ricardo Morishita, diretor de Projetos e Pesquisas do Instituto Brasiliense de Direito Público, ressalta que a solicitação dos dados pessoais deve ser sensata, razoável, pertinente e demonstrar ser absolutamente necessária diante do negócio. E mais: deve ser preservado o exercício da liberdade.
— Existe uma questão de privacidade, de proteção de dados. Ao informar o número de documentos, a pessoa fica mais exposta a situações de risco.
Para a assessora jurídica da Fecomércio-SP, Ana Paula Locoselli, o CPF é uma garantia tanto para o lojista quanto para o consumidor, por causa das questões de fraude, roubo e uso indevido de dados. Segundo ela, não há irregularidade em o lojista pedir um documento nas compras a prazo desde que seja para consultar se o cliente está no cadastro negativo, se é a pessoa que está comprando ou se terá condições de pagar.
1. Para trocar um produto, preciso informar o CPF?
A garantia de troca, segundo Patrícia Peck, é dada pela nota fiscal de compra do produto, conforme o Código de Defesa do Consumidor. De acordo com a Fecomércio-RJ, para um parcelamento ou troca de mercadoria, no entanto, o comerciante pode solicitar os dados porque precisa ter o registro dessas transações por outras exigências, inclusive da Receita Federal. Em muitos estabelecimentos não é exigido o número do CPF, bastando o cliente manter a etiqueta de troca na mercadoria, lembra a assessora jurídica da Fecomércio SP, Ana Paula Locoselli.
2. Quando o CPF é obrigatório ou seu uso é facultativo
Especialistas e entidades do comércio são unânimes em afirmar que o consumidor só é obrigado a informar o CPF nas compras pela internet. O fornecimento deste ou de qualquer outro dado deve ser facultativo nas compras com cartão de crédito, débito e à vista. Se a compra for com cheque, o número do documento já está impresso no talão.
3. Risco de roubo ou clonagem: o que fazer?
Quanto mais dados do consumidor circulando, maior é o risco de fraude, seja se fazendo passar por aquela pessoa, abrindo contas em banco ou assumindo dívidas em nome do consumidor, afirma a especialista em direito digital, Patrícia Peck. Se o CPF foi usado indevidamente por alguém, o consumidor deve se queixar na empresa para qual forneceu o número do documento. Se não houver solução, o melhor é procurar um órgão de defesa do consumidor. No caso de roubo ou clonagem do CPF ou de outro documento, o primeiro passo é fazer um boletim de ocorrência. Desconfiou que há algo errado, faça verificações na Receita Federal, Serasa, SPC e associações comerciais.
4. Responsabilidade pelo uso e guarda dos dados
Tanto Patrícia Peck quanto Ricardo Morishita afirmam que, no momento em que um estabelecimento comercial coleta dados pessoais de um cliente, passa a ter a responsabilidade legal pela sua guarda segura, pois se torna depositário fiel das informações. Apesar de o Brasil não ter um marco legal de proteção de dados, o Código de Defesa do Consumidor prevê punições sobre as consequências do uso dessas informações. Se houver um vazamento de dados, o lojista responderá pelos danos causados, materiais e morais, diz Patrícia. A professora Maria Angélica Sargento não vê problemas em fornecer seus dados e nunca se preocupou com fraudes. Só teme as compras pela internet onde é obrigada a fornecer os dados.
5. CPF na nota também traz vantagens ao consumidor
Informar o CPF é facultativo no caso da nota ou do cupom fiscal, mas, se o consumidor quiser o registro, este pode servir para sorteios, créditos e restituição de parte dos impostos embutidos. Na Nota Carioca, explica a Fecomércio-RJ, emitida na aquisição de serviços na cidade do Rio de Janeiro, aquele que vinculou seu CPF à nota e se cadastrou no site do município pode concorrer a prêmios e ter direito a um crédito para abater do IPTU. Em São Paulo, os lojistas perguntam se o consumidor quer incluir o CPF na nota, o que dá direito a reduzir parte dos impostos. A advogada Amanda Bettim só concorda em fornecer seu CPF se for para incluir na Nota Carioca ou quando compra em uma loja em que está habituada e tem segurança para fornecer informações pessoais. Mesmo assim, teme que os dados sejam usados de forma indevida.
6. Generalização da cobrança beira o exagero
Ricardo Morishita diz que há um exagero por parte de algumas lojas, que acabam cobrando a documentação de qualquer cliente. Um exemplo foi o da estudante Júlia Nassar que, no último fim de semana, foi a Lojas Americanas do Shopping Praia da Costa, em Vila Vela (ES), comprar balas. Ao pagar em dinheiro, o atendente pediu que digitasse o CPF. Sem saber do que se tratava, pagou o produto e saiu da loja. A mãe da menina, a jornalista Letícia Nassar, disse que o funcionário nem olhou para ver com quem estava falando, no caso, uma criança de 12 anos. A Americanas informa que o cliente tem a opção de incluir seu CPF na nota fiscal para participar dos programas que incentivam a população a ajudar no controle da arrecadação.