Em 1925, a loja de departamentos Sears abria a sua primeira unidade, na cidade americana de Chicago. Quase cem anos depois, em abril deste ano, a lendária varejista – que no auge chegou ao posto de maior dos Estados Unidos – anunciou que fechará as portas da operação, a última da rede em sua cidade de origem. Simbólico para a história da empresa, o movimento vem na esteira de uma série de fechamentos que reduziram em mais de 60% o tamanho da Sears. Em 2013, eram 2,5 mil pontos de venda, número que caiu para mil e que deve chegar, ao final deste ano, a 900.
A situação grave da companhia não é exceção no setor e, nem de longe, a mais dramática. No ano passado, redes tradicionais do comércio americano tiveram a falência decretada, fecharam números recordes de lojas e se desdobraram para entender e se adaptar à nova realidade. É o efeito Amazon, como está sendo chamado o crescimento das vendas virtuais.
A rede de eletrônicos RadioShack, por exemplo, fechou mais de mil lojas no ano passado, ficando com apenas 70. A Payless, 700 e a JCPenney, outras 138. Mais recentemente, a varejista de brinquedos Toys ‘R’ Us se somou ao grupo, ao divulgar, em 15 de março, o encerramento de todas as suas 735 lojas nos Estados Unidos e na Europa, junto com o pedido de falência. Na ocasião, Dave Brandon, CEO da empresa, lamentou a situação. “Estou muito desapontado com o resultado, mas não temos condições financeiras para continuar operando”, disse ele. Os exemplos são recortes de um cenário sem precedentes no varejo americano e evidenciam mudanças estruturais no setor, desencadeadas pelo crescimento do e-commerce e pelo novo comportamento do cliente.
A Amazon, por exemplo, ganha cada vez mais capilaridade entre os consumidores. Pesquisa da consultoria PwC, com 22 mil pessoas em 27 países, mostra que 59% dos entrevistados já compram na Amazon, dos quais 27% consomem menos nas lojas em decorrência disso. “Observamos uma tendência clara de queda das compras no varejo físico e aumento do consumo via smartphones”, afirma Ricardo Neves, sócio da PwC. Levantamento da consultoria americana Coresight Research mostra que as grandes cadeias de varejo do país fecharam quase 7 mil pontos de venda em 2017, número que superou o montante registrado na crise financeira de 2008. Para este ano, pelo menos outras 1,4 mil lojas devem encerrar as atividades na região.
As vendas virtuais, principal elemento da nova configuração do setor, têm crescido em um ritmo superior ao das lojas físicas nos principais mercados do mundo, aumentando sua penetração no total de vendas. Nos Estados Unidos a participação já é de 12%, na Inglaterra de 15%, na Coreia do Sul de 18% e na China de 20%, segundo a empresa de pesquisa de mercado Ebit. No Brasil, a fatia é de apenas 4%, mas o setor vem avançando, anualmente, a taxas elevadas. Em 2017, a alta foi de 8%, frente a uma expansão de 2% do varejo físico. Além do impacto do comércio eletrônico, há uma saturação de lojas no mercado americano. “A proporção de metros quadrados de shoppings por habitantes é cinco vezes maior nos Estados Unidos do que no Brasil”, afirma José Galló, presidente da Lojas Renner. “Vejo o processo [de fechamento de lojas] como uma normalização do mercado, além de uma consequência das mudanças no comportamento dos consumidores.”
No Brasil, o cenário é distinto e a crise econômica dificulta uma leitura mais clara da situação. Desde 2015, foram fechadas 225 mil lojas no País, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), mas, em grande parte, em decorrência da recessão. O momento, agora, é de retomada. A Renner, por exemplo, projeta a abertura de 70 lojas neste ano, o mesmo número de inaugurações do ano passado. Outras redes, como C&A, Carrefour e Grupo Pão de Açúcar também estão em expansão. Mesmo assim, todas estão atentas as mudanças do setor e já estão testando novos conceitos, como o chamado “Clique e Retire”, que permite que o consumidor compre no e-commerce e retire o produto em um ponto físico. “A loja continuará tendo uma função relevante, a questão é que esse papel está mudando”, diz Paulo Correa, presidente da C&A no Brasil. “A partir de agora, o cliente terá de ter um argumento muito forte para ir à loja.”
Nesse sentido, a partir de agosto, o Carrefour começará a testar, em algumas unidades do modelo Express no Brasil, um sistema que permite que o consumidor escaneie os produtos pelo smartphone, pague diretamente no aplicativo e saia da loja sem passar por nenhum caixa. A Amazon Go, loja modelo da varejista nos Estados Unidos, oferece uma solução semelhante. “O Carrefour tem muito claro sua agenda de transformação digital e o que vai atacar primeiro”, diz Paula Cardoso, diretora de transformação digital do grupo no Brasil. Global-mente, a varejista lançou, no início deste ano, um plano de cinco anos para a transformação e reorganização da rede. O projeto prevê investimento de € 2,8 bilhões em tecnologia e na integração dos canais, além do fechamento de 273 lojas na Europa.
A Via Varejo, do grupo GPA e dona do Pontofrio e Casas Bahia, lançou no início do ano uma loja 100% digital, que incorpora aspectos típicos do e-commerce. Entre eles, uma ferramenta de medição de fluxo e conversão de vendas e um mapa de calor, que identifica a jornada do consumidor, além do uso da realidade aumentada para a venda de móveis. “A loja física precisa responder às novas demandas”, afirma Marcelo Nogueira, diretor de modelo de vendas da Via Varejo. Apesar dos desafios globais e da tendência de encolhimento do setor nos mercados mais maduros, o consenso entre empresários e especialistas no Brasil é de que há espaço para a expansão das lojas no País. Mas o momento é de transição.
Fonte: IstoÉ