Depois de anos armazenando dados dos clientes inscritos nos programas de fidelidade, o varejo e as plataformas de comércio eletrônico começam a tirar proveito desse arsenal de números para ampliar as vendas. As milhões de transações já realizadas são convertidas em perfis de comportamento com a ajuda de ferramentas de inteligência artificial (baseadas em complexos algoritmos). Com base nessa matemática, é possível descobrir o que o consumidor quer ou qual o seu estilo de vida. Grupo Pão de Açúcar, Raia Drogasil e Mercado Livre estão entre as empresas que já adotaram essas ferramentas.
Ao fazer a oferta de acordo com o perfil do consumidor, a chance de concretizar a venda é maior. Algumas empresas também abrem os dados aos fornecedores, que, sabendo quem vai comprar seu produto, podem dar descontos específicos a cada grupo de clientes. No exterior, esse tipo de ferramenta é usada ainda para melhorar a gestão do estoque, o que significa, para os varejistas, um uso mais eficiente do capital de giro.
— Ao fazer uma oferta direcionada, a chance de venda é maior. Além disso, você atrai o cliente para o ponto de vendas e pode apresentar produtos relacionados, elevando o tíquete médio. Do lado do fornecedor, ele passa a fazer o uso compartilhado desses dados para planejar melhor os descontos que vai dar. É uma estratégia de ganha ganha — avaliou Ana Paula Tozzi, presidente da AGR Consultores.
Um dos principais casos de uso de dados de programas de fidelidade aliado à inteligência artificial é o do Grupo Pão de Açúcar. Há pouco mais de um mês, a empresa lançou os aplicativos do Pão de Açúcar Mais, com 17 anos de existência, e Clube Extra, criado há três anos. Segundo Renato Camargo, responsável pelos programas de fidelidade do grupo, a análise das informações de mais de 13 milhões de clientes cadastrados permite segmentar a oferta de descontos:
— Não usávamos da forma adequada a nossa base de dados. Agora, com os algoritmos, vimos o jeito que o cliente compra. Sabemos que ele quer algo de volta, que é um desconto. Deixamos de fazer isso de forma massiva para chegar ao consumidor de maneira mais exclusiva.
MECANISMO AGILIZA RESPOSTA
Esses dados foram abertos aos fabricantes, que começaram a fazer ofertas diretas ao cliente por meio do aplicativo. São três categorias de descontos. Uma válida para todos os clientes cadastrados no plano de fidelidade; outra tem produtos que o cliente já comprou; e uma terceira é relacionada aos seus hábitos. Por exemplo, se ele já comprou carvão e cerveja, a análise dos dados entende que ele costuma fazer churrascos, e aí vai fazer uma oferta de carne. O aplicativo já soma mais de dois milhões de downloads, o que mostra que a adesão, tanto por parte dos clientes como dos fornecedores, foi grande — a expectativa era atingir esse número só no fim deste ano.
No Mercado Livre, os dados de buscas são coletados e analisados, para depois serem transformados em ofertas aos clientes. Um programa de fidelidade também foi criado para entender melhor esse usuário e fazer com que ele compre e venda mais itens no market- place (em que são comercializados produtos de diferentes vendedores).
— Isso não seria possível sem o analytics. Tudo que fazemos é com base nesses estudos e dados cruzados. Diariamente, é uma avalanche de visitas. Só conseguimos dar uma resposta rapidamente devido a essas ferramentas — afirmou Daniel Ferian de Aguiar, gerente de Marketing e Vendas da empresa, que tem 191 milhões de usuários cadastrados na América Latina.
Também com base na análise de dados, o marketplace iniciou no Brasil um projeto-piloto para dar crédito aos vendedores de pequeno porte, fazendo a ponte para uma instituição financeira parceira. Isso é possível porque a plataforma conhece a real capacidade de venda de todos esses clientes e, com isso, minimiza o risco da operação. São dados aos quais um banco não tem acesso.
Francisco Donato, da consultoria Brasil/CT, conta que as varejistas estão buscando descobrir o valor desses dados para ofertar conteúdo aos clientes.
— A mensagem que chega tem que interessar, não só na questão do preço. Tem que ser coerente com os hábitos daquela pessoa. Com essa automação, é possível ampliar a taxa de conversão — disse Donato, se referindo à taxa que mede o quanto das visitas a um site se transforma em vendas. No Brasil, ela não chega a 2%.
MAIS VENDAS E MAIS RECOMPRA
Quem já conseguiu elevar as vendas com base nessa estratégia foi o Wine.com.br, site especializado na venda de vinhos. A loja de comércio eletrônico contratou uma empresa para interpretar o comportamento de seus clientes. Se a navegação indicava que esse consumidor havia visitado constantemente sites relacionados a um programa romântico, era enviada uma mensagem que incluía não só uma mensagem com uma promoção de vinho, mas uma referência a algo a dois.
— A nossa comunicação passou a tratar esse cliente pelo nome, a usar uma linguagem mais de rede social e a ser atrelada ao que ele vem buscando. Isso ajudou a aumentar não só as nossas vendas, com uma taxa de conversão que chega a 10%, mas a recompra, que é o cliente que volta ao site — explicou Renata Marques, supervisora de marketing do Wine.com.br.
A empresa contratada para fazer a leitura do comportamento do cliente com base em sua navegação foi a Social Minder, que faz o mesmo para marcas como a Animale.
— Não adianta só fazer a oferta. É preciso personalizá-la, por isso é importante interpretar esses dados — explicou Ricardo Rodrigues, fundador da start-up.
Fonte: O Globo