Por Adriana Mattos | O varejo brasileiro deve voltar para a fase de “voo de galinha” nos investimentos em 2023, ao não conseguir retomar, de forma mais consistente, um aumento nos desembolsos em estrutura (como lojas e depósitos) por conta da necessidade de proteger caixa.
Grandes cadeias como Casas Bahia e Riachuelo estão reduzindo desembolsos neste ano, o Assaí estuda uma revisão na soma prevista, como noticiou ontem o Valor, e Magazine Luiza e Renner esperam manutenção sobre 2022. Há cadeias reduzindo projeção de aberturas de unidades para o ano.
A necessidade de preservar recursos, em cenário de custo de capital caro, somada às necessidades de certas redes cumprirem pagamentos e respeitarem limites de alavancagem em contratos com bancos, afetam os planos de desembolsos.
Ainda pesa o fato de as varejistas terem sido tragadas para a crise da Americanas, com a decisão de bancos de reduzirem linhas de financiamento após janeiro, por conta do aumento da percepção de risco do setor. Mesmo grandes redes falam em “seca” de crédito ou em liberação de linhas em bancos a taxas de juros de 18% a 20% ao ano.
“Como se não bastasse a demanda ainda retomando devagar, a mudança de comportamento do consumidor depois de 2020, e a escalada dos juros, tivemos o baque da Americanas no meio do caminho. É, de novo, o ano de fazer mais com menos em pró da preservação de caixa”, disse Eugênio Foganholo, sócio da consultoria Mixxer.
Empresas varejistas já haviam enfrentado cenário conturbado na recessão de 2015, no governo de Dilma Rousseff. Na época, recursos foram congelados e projetos retomados após 2018 e 2019, quando então veio a pandemia em 2020, levando as redes a voltar a congelar ou reduzir investimentos.
Levantamento do Valor, com base nos balanços de 2022 e em informações das teleconferências das redes com o mercado, mostram redução de investimentos ou, na melhor das hipóteses, manutenção nos mesmos patamares do ano passado, mas com foco maior nos gastos em tecnologia. Isso porque, neste momento, é preciso preservar avanços no digital, e uma paralisação de investimentos na área pode sair mais caro no futuro.
Nenhuma das dez redes analisadas, que fazem parte da carteira do Ibovespa, projetou aumento de investimentos em 2023. Oito das dez cadeias (descontando aquelas que não publicaram os dados todos os anos) investiram R$ 9,54 bilhões em 2022, 1,8% acima de 2021, segundo release de resultados anual. Em 2020, ano da crise sanitária, foram R$ 4,9 bilhões. A soma considera o Capex, logo, investimento em bens de capital, como ativos fixos, e não inclui aquisições.
Há redes que reforçaram a investidores, recentemente, a posição de não rever os planos traçados meses atrás, antes da deterioração vista em 2023. O GPA (dono do Pão de Açúcar), por exemplo, diz que acompanha o cenário, mas mantém os planos anunciados desde 2022 – projeta 300 aberturas até 2024 – porque deve focar gastos nos supermercados de vizinhança, de maturação mais rápida e desembolso menor por unidade.
Mesmo com crescimento anual em vendas acima de 30%, o atacadista Assaí informou, na terça-feira, a possibilidade de revisão de investimentos em 2023 e 2024, e de venda de ativos por conta do aumento do custo do capital, após a escalada na taxa Selic.
A Via, dona da Casas Bahia, que não teve crescimento de receita em 2022, pretende investir menos neste neste do que ano passado e em 2021, por conta da projeção de menos inaugurações, mas mantendo gastos em tecnologia.
Devem ser abertas 5 a 10 lojas neste ano (foram 63 no ano passado). “Neste ano caberia entre 60 e 80 lojas […]. Obviamente, com todo esse contexto, com taxa de juros pressionando e a dúvida em relação ao consumo, nós mudamos o plano. Mas a gente está com a máquina pronta se o cenário melhorar”, disse em março, o então CEO da Via, Roberto Fulcherberguer.
Questionado por analistas sobre investimentos em logística, o executivo disse que não via necessidade de desembolsos porque a operação já tem um espaço pronto para crescer sem precisar alocar mais recursos na área agora.
Esse entendimento de que, pela demanda mais fraca, há ociosidade a ser ocupada no varejo, reforça a percepção de que não é preciso acelerar desembolsos.
O presidente do Magazine Luiza, Frederico Trajano, disse a analistas em março que, do ponto de vista de abertura de lojas e centros de distribuição, há uma “ociosidade de 30 dias [a] menos de estoque, e não há tanta necessidade de fazer investimentos significativos em Capex”, afirmou. “O juro está muito alto também, qualquer investimento com retorno é mais a longo prazo, e a gente está priorizando aquilo que dá retorno mais a curto prazo nesse momento”.
A companhia planeja manter os investimentos de 2023 em linha com 2022 (que foi 40% abaixo de 2021), e o foco não é abertura de lojas no ano. Trajano afirma que o grupo manteve “um conservadorismo em investimento de Capex”, e que ele é basicamente todo em tecnologia, pela visão de futuro do Magalu como plataforma digital.
Em moda, a Guararapes, dona da Riachuelo, projeta R$ 900 milhões em desembolsos no biênio 2023 e 2024, segundo relatório da agência Fitch, de março – média anual abaixo dos quase R$ 590 milhões investidos em 2022.
Marisa e C&A também são apontadas por analistas como mais conservadoras nos desembolsos de 2022, após recentes declarações dos comandos das empresas que defendem maior proteção de caixa em 2023.
Para a Fitch, a pressão sobre o caixa da Riachuelo devem perder força em 2023 e 2024, em parte, pelo efeito da decisão de reduzir os investimentos. Procurada, a rede não se manifestou.
O nível de investimentos de uma empresa tem efeito direto no fluxo de caixa livre. Isso ocorre porque, para se chegar na linha do fluxo de caixa livre, tem que se descontar a variação no capital de giro (inclui contas a receber, estoque e fornecedores, por exemplo) e o Capex. Se uma empresa investe mais, e o capital de giro se deteriora – e isso pode ocorrer em anos de fraca demanda – o fluxo de caixa livre piora. Isso até pode ocorrer em períodos curtos ou sazonais, mas no longo prazo, não é sustentável.
Fonte: Valor Econômico