Por Adriana Mattos | Com o governo jogando a toalha em relação ao ajuste fiscal no próximo ano, e juros futuros atingindo novas altas, o mercado volta a rever para baixo as expectativas de crescimento dos segmentos ligados a crédito, como bens de consumo duráveis (eletrônicos, itens de tecnologia, materiais de construção) e semiduráveis (vestuário, calçados).
Tratam-se de setores muito dependentes dos altos e baixos da taxa básica de juros, e as incertezas, agora maiores, sobre as contas públicas pressionam mais as taxas no longo prazo, o que piora o humor do mercado em relação às empresas que atendem à demanda doméstica.
O fato de o governo ter diminuido a velocidade do ajuste fiscal pode levar o Comitê de Política Monetária (Copom) a reduzir o seu ritmo de queda da Selic no Brasil.
Esse ambiente tomou conta na segunda-feira das conversas de gestores com papéis em empresas de consumo, mesmo aqueles negócios mais resilientes e não tão dependentes de crédito, como atacarejo alimentar e farmácias.
E um sinal disso esteve no preço das ações do setor na segunda, com o Icon, o Índice de Consumo, com ações de varejistas, indústrias de consumo e construtoras, caindo 1%, o dobro do Ibovespa no pregão do dia (0,49%).
Ontem, a equipe econômica apresentou o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) e o governo decidiu alterar o objetivo fiscal para 2025, atrasando a projeção de superávit. A meta saiu de um superavit primário de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para um déficit zero – a mesma meta deste ano.
Juros de longo prazo mais altos impactam as previsões para a economia num momento em que as redes de varejo de bens duráveis e semiduráveis sinalizavam uma retomada um pouco mais consistente nas vendas.
Esse movimento de recuperação não veio em 2023 de forma consistente em moda e eletrônicos, por exemplo, mas nas últimas semanas as empresas sinalizaram algum otimismo olhando a partir do segundo semestre de 2024.
Isso ocorria pela possibilidade de novos recuos na taxa básica de juros, afirmavam as companhias nas teleconferências de resultados do quarto trimestre de 2023. As conversas de executivos de varejistas e indústrias com o mercado aconteceu nas últimas semanas, antes do anúncio de adiamento no ajuste fiscal ontem.
Além disso, havia o efeito de melhoras nas vendas em janeiro e fevereiro, acima das projeções de analistas, conforme informou o IBGE, o que trouxe perspectivas mais animadoras
Gestores ouvidos ontem ainda acreditam que deve ocorrer uma recuperação no consumo das famílias em 2024, frente ao ano anterior, mas eles avaliam que haveria visibilidade muito maior dessa retomada se houvesse clareza no recuo dos juros e de uma política fiscal mais responsável.
“E também não ajuda em nada essa ‘esticada’ das taxas dos Treasuries [nos EUA], com o aumento do ceticismo sobre os cortes de juros lá fora”, disse o sócio de uma gestora. “Não dá para manter qualquer previsão um pouco mais animadora para as papéis ligados a consumo aqui”.
O Magazine Luiza, varejista de bens duráveis, teve a segunda maior queda da bolsa na segunda-feira, com recuo de 7,8%. Entre os papéis de varejo, em segundo lugar apareceu a C&A com queda de 8,6% e Centauro (-8,09%). Em seguida, entre as perdas, esteve a Casas Bahia, com demanda dependente de crédito, com queda de 3,64%.
Varejistas de moda também sentiram o mau humor do mercado, mas de forma menos considerável. Apareceram num segundo escalão de papéis em baixa na segunda-feira as ações de Lojas Renner, Soma, Arezzo e Riachuelo, caindo na faixa de 3,3% a 1,25%.
Ocorre que, apesar de sentirem esse efeito dos juros elevados por mais tempo, já que também operam com crédito ao consumidor, tratam-se de operações com venda de produtos com menor tíquete de compra, logo, acabam sendo menos afetados pelas taxas elevadas.
Além disso, há uma certa proteção no varejo de moda voltado a classes de maior renda, que acaba sendo menos impactado por políticas restritivas de créditos e juros mais altos na ponta.
Nesse grupo estão varejistas como Arezzo e Vivara, e empresas de shopping centers de capital aberto para classe A, que são a maioria dos papéis em bolsa hoje — nessa lista estão Iguatemi, JHSF e Multiplan (esta também mais voltado à classe B).
A cautela dos shopping centers
Nesse momento de indefinição maior no mercado, mais arisco ao risco, analistas do segmento de shopping centers publicaram relatório em que acreditam que a estratégia de expansão dos empreendimentos — no lugar de construir shoppings a partir do zero — pode, efetivamente, se mostrar mais acertada nos próximos anos.
As empresas do setor já vinham nessa linha há algum tempo, por conta do aumento no custo do capital após 2021, mas a sinalização de juros altos por mais tempo pode tornar bem-vinda a política mais cautelosa.
Segundo relatório da equipe de analistas do Citi, encaminhado ontem a clientes, “as expansões são melhores que os greenfields [projetos construídos do zero]”, escreveram eles.
A análise se baseia em cálculo da expansão de empreendimento visitado pelos analistas, o Park Shopping Barigui, da Multiplan, em que o retorno sobre a expansão deve ficar acima de últimos projetos construídos no setor.
A Abrasce, associação do setor, não vê espaço de retomada no anúncio de projetos grenfields no curto prazo. Para a entidade, a expectativa é que os anúncios voltem a ocorrer em volumes mais representativos após 2026.
Fonte: Valor Econômico