5 anos em 5 meses. A expressão parecida com esta foi usada no governo Juscelino Kubitschek, da década de 50, para comparar o desenvolvimento econômico e social na época que ficou conhecida como “50 anos em 5”. Agora é o varejo quem empresta o termo para explicar a transformação digital que o setor está passando para se adequar em meio a Covid-19 e se conectar com os clientes. O recado do momento é claro: quem não vende através de plataformas digitais não atende a grande maioria dos consumidores, que está em casa usando seu smartphone para compras.
Quem reflete sobre esta transformação digital no varejo é Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo e consultor da BTR-Varese. Dentro do setor varejista, há uma série de impactos: lojas fechadas em crise e, por outro lado, lojas abertas consideradas essenciais aumentando as vendas. De uma forma ou de outra, a Covid-19 impacta todo o segmento. Os efeitos do isolamento social podem significar mudanças de comportamentos, de hábitos de consumo, estratégias e ajudam a entender o consumidor do futuro pós-Covid 19. Poucas certezas mas muita mão na massa e com fermento: é o varejo de 5 anos em 5 meses. Confira entrevista com Eduardo Terra!
1.Quais os impactos positivos e negativos para o varejo?
O grande impacto negativo para o varejo são as lojas fechadas. O varejo brasileiro, classificado como varejo restrito (formado por todas modalidades, exceto automóveis e construção) fatura R$ 1,4 trilhão. Somente 37% do total é considerado varejo essencial, que são supermercados, farmácias, pet shops, que estão abertos. Então, há um impacto negativo brutal de um varejo com 63% fechado já há algumas semanas e com uma previsão de mais tempo fechado. Provavelmente vamos ter 2/3 do varejo fechado por pelo menos, na minha visão, uns 2 meses. Na reabertura, nós não teremos uma normalidade, pois vai demorar para ter essa normalidade.
Já o impacto positivo, e que vai ser percebido depois, é a aceleração da digitalização. Temos falado que é uma transformação digital que levaria 5 anos e acontecerá em 5 meses. Por necessidade, as empresas estão mudando muito mais rápido do que mudariam normalmente. Isso é positivo. Há também um impacto positivo a curto prazo para alguns varejos essenciais, que em março venderam um pouco mais do que o esperado, mas em geral o impacto é negativo.
2.Falar em varejo é amplo. Há empresas vendendo e outras fechadas. Quais setores estão sendo mais impactados positivamente e negativamente? Qual a sua dica para eles?
O varejo é amplo. Então hoje do varejo total, um mercado de R$ 1,4 trilhão, 37% é o que chamamos de varejo essencial, que nesse grupo estão os supermercados, as farmácias, os pet shops, material de construção, que é o que está aberto, funcionando, que está menos impactado, que ainda se encontra dentro de uma normalidade. Os outros 63% é o que está muito impactado, que está fechado. E desses 63%, apenas os que tem venda online é que estão faturando. A dica para quem teve que fechar as portas é: preservação do caixa; cuidar da equipe, pois os funcionários ficam nesse momento bastante preocupados; e buscar alternativas de venda, que não é por que as lojas físicas estão fechadas que elas estão impedidas de vender. A venda direta tem sido uma alternativa, usando os colaboradores para vender, usando dos mais variados meios possíveis como WhatsApp, redes sociais, o e-commerce, enfim, a dica tem sido encontrar maneiras alternativas de vender os estoques que estão nas lojas utilizando os canais digitais.
3.Qual a representatividade do e-commerce no varejo brasileiro. Depois da Covid-19, qual projeção já pode ser feita a respeito do crescimento do e-commerce?
Na China, o e-commerce no varejo tem uma penetração que hoje chega a 30%, nos EUA 12%, na Inglaterra com 18% e o Brasil estava em 4,5%, antes da crise. A estimativa a respeito do crescimento é que o Brasil passe de 4,5% para 6% até o final do ano, com a aceleração que a crise está provocando.
4.A Transformação Digital ganhou mais relevância ainda. Em qual patamar o varejo brasileiro se encontra em relação ao tema?
Sim, a transformação digital ganha mais relevância. Estamos falando de 5 anos em 5 meses, por tudo que a crise está trazendo. Isso está relacionado aos canais, com a cultura, com o home office e com a velocidade que os projetos têm andado.
5.Já é possível prever algum tipo de mudança de comportamento do consumidor pós-Covid? Quais setores devem ganhar notoriedade? Já tem alguma classificação para este consumidor?
É muito cedo para dizer. São ensaios que estamos fazendo em relação a isso, mas o consumidor pós-Covid vai buscar uma maior racionalidade de gastos, uma valorização de experiências e de família, valorização muito maior de saúde, de cuidado e de bem estar. Passamos por uma freada de arrumação e deve existir uma diminuição daquele consumo excessivo. A jornada tende a ser menos física e mais digital, já que os hábitos durante a Covid-19 ficaram digitais. Mas são ensaios, por enquanto.
6.Existe projeção de quando as lojas devem reabrir? E qual a projeção econômica para o varejo e suas particularidades?
Em relação a projeção de reabertura, quem disser que tem essa data, não tem. São ensaios, eu acredito que qualquer data antes de 30 de abril é muito difícil. Nós ainda não chegamos nos picos, mas a partir de 30 de abril devemos ter por cidade, por estado, por região, o início desse processo começando no que chamamos de varejo não-essencial.
7.Mesmo com o crescimento do e-commerce, sempre se falou sobre a valorização da loja física e das experiências de consumo. Esta tendência deve sofrer alguma mudança?
Não, as tendências continuam. O que acontece que ela só potencializou o novo papel da loja física, que não é somente de vender, e sim de ser um ponto de captura de clientes e de experiência do consumidor com a marca, de retirada, de troca. A loja deixa de ser cada vez menos um canal único físico de venda para ser um dos elementos do que chamamos de omnicanalidade.
8.Qual o seu conselho, no momento atual, para os líderes de empresas?
Meu grande conselho para os lideres é: muita racionalidade. Tudo o que estamos passando tira muito da nossa racionalidade, mexe muito com nossas emoções e precisamos da racionalidade para a tomada das corretas decisões. Minha primeira dica tem sido essa, trazer o time para junto, pois é o momento que precisamos das pessoas. Fazer exercícios constantes para decisões, pois a incerteza é a palavra que mais se usa, a cada dois ou três dias o cenário tem mudado. Temos que ter esse exercício de olhar o cenário, tomar decisão, olhar o cenário, tomar decisão… É fundamental conduzir dessa maneira.
9.Quais líderes de empresa têm se destacado?
São aqueles que têm se mantido equilibrados, racionais, mas que têm tido protagonismo, que não estão escondidos. A liderança nesse momento demanda que a gente apareça, dê segurança para os liderados, mostre luz, mostre que vai passar, tome as decisões duras. Mas também que de uma certa forma acolha quem está conosco e possa conduzir as pessoas, pois quando vivemos uma guerra, e estamos vivendo uma guerra, o grande desafio de um líder em uma guerra é conduzir seus liderados durante o processo com o menor número de baixas possível.
10.Quais as principais habilidades que têm se mostrado importantes para superar este momento desafiador?
A resiliência, que sempre falamos, que é resistir, mas com a flexibilidade. A capacidade de achar alternativas, de ser criativo. A capacidade de engajar as pessoas naquilo que entendemos que é o caminho. Então, as competências hoje nunca se mostraram tão corretas.
11.Quais erros e acertos você tem observado?
Em relação aos erros e acertos, acho que ainda é cedo para falar. Mas o erro acredito que é querer ter certezas e verdades em um cenário de muita incerteza. Acho que ninguém sabe nada. Temos hipóteses, temos ideias. Quando vivemos em um cenário de incertezas não podemos sair afirmando nada. Então acho que esse é o primeiro erro que as pessoas cometeram. Em relação aos acertos, é racionalidade, conservadorismo, positivismo.
12.Como você analisa a prorrogação da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) no Brasil para janeiro de 2021 e sanções a partir de agosto de 2021? A lei entraria em vigor em agosto de 2020.
A prorrogação da LGPD é necessária porque as agendas estão todas alteradas. Toda vez que há um episódio agudo de calamidade pública, de guerra, é necessário que a agenda ordinária (a agenda normal) tenha um adiamento. Concordo que o adiamento não poderia ser mais longo do que foi, mas eu acho que ele foi da maneira correta.
Fonte: Break