Nas últimas semanas, a publicação de dados conflitantes sobre o desempenho do varejo tem gerado dúvidas sobre a velocidade de retomada do consumo. Para traçar um cenário mais claro, o Valor ouviu associações, consultores e empresários, e eles afirmam que o processo de recuperação na demanda, apesar de paulatino, continua em andamento. Essa retomada, verificada após maio, se estendeu até o fim do ano, e não há sinais de nova retração nas vendas.
Varejistas afirmam que as vendas de duráveis e semiduráveis em dezembro foram mais fracas que novembro, mês do evento da “Black Friday”. Mas em dezembro houve leve crescimento sobre 2018.
A expansão na geração de empregos, ainda que vagarosa, somada à maior liberação de crédito e ao aumento nos prazos de pagamento entre 2018 e 2019 funcionam como incentivos à demanda.
As redes constataram que as cadeias que mantiveram o ambiente de loja com ações de incentivo à compra, como emissão de vouchers e brindes, e com táticas promocionais desde antes do Natal, têm tido uma recuperação mais acelerada após a “Black Friday”.
“Tudo indica que dezembro não foi excepcional, e como a inflação se acelerou após novembro, com alguns alimentos subindo, o ambiente acaba exigindo que o varejo busque ações para manter tráfego”, diz Fabio Bentes, economistachefe da CNC, a confederação do comércio, serviços e turismo.
O Carrefour destacou esse ponto em seu material ao mercado na quinta-feira. O comando da Hering disse, em conversa com analistas dias atrás, que redes que vendem “presentinhos”, de R$ 20 a R$ 30, têm tido um desempenho melhor. Com menor foco nesse segmento no fim de ano, a empresa teve queda de 5,2% nas vendas brutas no quarto trimestre.
“Passaremos a ter uma combatividade maior em preços nas próximas datas promocionais, como Dia das Mães e dos Namorados, com ações mais geradoras de fluxo”, disse a analistas Thiago Hering, diretor de negócios.
Segundo Sébastien Durchon, diretor financeiro do Carrefour, dono do Atacadão, houve uma “ressaca” no atacarejo pós “Black Friday”, com recuperação ao longo do mês. “Em geral [no varejo e atacado], preferimos não subir preços, mantendo a competitividade das lojas físicas”. O grupo fechou o quarto trimestre com alta de 11,5% nas vendas, no ano subiu 10,4% (o setor deve crescer 3%).
Para Henrique Mascarenhas, diretor da consultoria GfK Brasil, “não existe hoje aquela euforia como em janeiro de 2019, algo que não tinha bases estruturais para existir”. “Vemos uma consistência na recuperação, ainda que gradual, em algumas categorias. Nos bens duráveis, essa retomada é mais forte que a média do comércio.”
Varejistas que respondem por 80% das vendas do setor enviam dados mensais à consultoria. Em novembro, pesquisa da empresa indicou alta nas vendas de eletrônicos de 16% sobre 2018, e em dezembro, o índice deve ficar estável, na média do ano, 10% (em valor).
Segundo a Eletros, associação dos fabricantes de eletrônicos, a indústria cresceu quase 5% no ano passado, para pouco mais de 100 milhões de unidades fabricadas, de acordo com dados antecipados ao Valor. Até setembro, a alta era maior, de 7%. Perguntado sobre essa desaceleração, o presidente da entidade, José Jorge do Nascimento Júnior, nega que tenha havido um desaquecimento generalizado nos últimos meses de 2019.
“O que aconteceu é que os portáteis perderam vigor porque vinham numa aceleração acima da média, com alguns produtos indo muito bem. Isso se acomodou”, diz. “Mas ao se analisar a venda de TVs, com 80% do mercado de ‘linha marrom’, a alta foi de 3% em 2019, puxada pela venda de novembro e dezembro. E foi uma alta em cima de 2018, quando houve Copa do Mundo”. Após o evento, há estabilidade nas vendas.
Para 2019, era projetada alta de 5% a 10% — portanto, ficou no piso. Sobre isso, Nascimento diz que a estimativa de chegar a 10% foi feita no começo de 2019, quando havia um ambiente positivo após a troca de governo. “O fato de não atingir o índice de 10%, não quer dizer que foi um ano ou um fim de 2019 ruim. Nossa estimativa inicial é que era alta e foi se ajustando”, diz. “A Black Friday foi muito boa e o Natal manteve esse ritmo”.
Segundo ele, a alta de 5% em 2019 repete a taxa de expansão de 2018, ano do evento esportivo. Para 2020, a Eletros estima alta de 5% a 10%. “Em janeiro, as fábricas voltaram a operar — após férias de fim de ano, entre a primeira e segunda semana de janeiro — para atender a demanda do primeiro trimestre. Não há férias coletivas. Com estoques mais baixos no fim de 2019, é preciso retomar a produção.”
No comércio de alimentos, segundo redes ouvidas, dezembro foi um mês melhor que novembro. “Em dezembro, mesmo crescendo um dígito acima do ano passado, ainda é o melhor mês para o varejo alimentar. Vendemos 12% acima de novembro”, diz o diretor de uma rede com 34 supermercados.
Já o GPA — dono de Assaí, Extra e Pão de Açúcar — acumulava alta de 11% nas vendas brutas, e ao incluir o desempenho do quarto trimestre, a expansão desacelerou para 10,3%. Isso ocorre quando os últimos três meses do ano vêm abaixo do ritmo apurado no ano.
No Carrefour, a expansão até setembro atingia 10,8% e o índice subiu levemente para 11% ao se incluir os últimos três meses do ano, reflexo de certa aceleração no fim do ano — inflação de alguns alimentos, como carnes, também contribuiu para receita maior.
O Valor apurou que nas duas empresas dezembro foi mês mais forte que novembro. “Dezembro não pode mais ser analisado na forma como fazíamos anos atrás por causa da “Black Friday”. É preciso considerar que a venda de Natal começa em novembro, com o evento promocional. Então a análise de desempenho de fim de ano cada vez mais se baseia no último bimestre”, diz Mascarenhas.
Fonte: Valor Econômico