Mulheres solteiras, que adotam seus filhos e que têm seu próprio negócio para sustentar a família
Por Ricardo Lessa
Para suas campanhas sobre o Dia das Mães, grandes varejistas abandonaram de vez neste ano o clichê da mãe que arruma a casa, cuida dos filhos e põe a mesa do jantar, à espera do marido. Procuraram para seus comerciais mães solteiras, mães de filhos adotados e mães que precisam mais de trabalho do que de presentes.
É um perfil mais próximo do perfil da mãe brasileira traçado pelas estatísticas. O número de lares brasileiros sustentados por mulheres vem crescendo. Em 1995 era 25% do total, e em 2018, 45%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Um contingente que aumentou muito durante a pandemia. No pior momento, 23,6 milhões de mulheres perderam o trabalho em 2020 na América Latina e no Caribe, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e não o recuperaram até o final do ano passado.
Márcia Maria de Jesus, que participa de campanha da Casas Bahia, tem seu próprio negócio e sustenta a família — Foto: Silvia Zamboni/Valor
Empreendedoras não por opção mas por falta de opção, diz uma delas. Márcia Maria de Jesus, mãe de Valentina, de 8 anos, é cabeleireira, especializada em fios crespos e cacheados. Começou há dois anos a vender roupas de banho e cama com estampas de crianças negras.
Márcia foi selecionada para fazer parte da campanha da Casas Bahia, rede de lojas da Via, deste ano – “Compre de uma mãe”. O comercial exibe mães-empreendedoras que vendem seus produtos pela plataforma de comércio eletrônico da empresa. “Não dá para olhar os números das estatísticas e não fazer nada”, diz Sandra Borges, mãe de três meninos e chefe de operações de atendimento na agência VMLY&R, responsável pela campanha. “A mãe fica feliz quando ganha presente, mas também quando vende”, diz Ilca Sierra, diretora executiva de experiência do cliente e marketing da Via.
A concorrente Magazine Luiza levanta a questão da “mãe patroa”. Escalou a mãe de sua garota propaganda Anitta, Dona Miriam, para conversar no comercial sobre quem é a patroa; a cantora ou sua mãe, que seria a patroa da patroa. “Nossa intenção foi criar uma campanha conectada com os principais assuntos do momento”, observa Daniel Schiavon, diretor de criação da agência Ogilvy Brasil.
Dentre as fabricantes de alimentos, a Sadia é outro exemplo. A agência Africa traz o tema “Família sem receita” para o comercial da Sadia do Dia das Mães, em que a mãe tem filhos adotados.
O popular e suave xingamento “Filho da Mãe!” é tema do comercial do Submarino, integrante da plataforma eletrônica das Americanas. Ele é dirigido ao filho que dá uma tradicional panela para sua mãe, enquanto compra um smartphone para si mesmo.
No filme, produzido pela Avocado, o ator Rafael Portugal, que faz o papel do funcionário do Submarino que separa os produtos em um armazém, mostra-se decepcionado, troca os presentes no depósito e manda o smartphone para a mãe e a panela para o filho, com livros de receita. “Vou trocar, não interessa!”.
Participar da campanha da Casas Bahia “é uma grande oportunidade”, diz Márcia, “um divisor de águas para mim e para meu negócio. Já aumentei em 40% minhas vendas e estou esperando o Dia das Mães. Acho que vai ser um grande sucesso.” As vendas on-line viraram sua principal fonte de receita, ultrapassando o que ganha como cabeleireira. Filha de um motorista de caminhão e de uma empregada doméstica, ela conta que não lembra de um presente que tenha dado no Dia das Mães quando criança – “era tudo muito difícil financeiramente”, diz.
Depois de algum esforço, recorda que quando tinha mais de 30 anos deu para mãe um casaco vermelho. “Ela usou o casaco durante muito tempo, ela era difícil de presentear. Mas nos deixou valores importantes, para mim e meus dois irmãos, como honestidade, respeito aos outros”.
Márcia acha que atualmente há mais oportunidades do que na sua infância e pode dar uma melhor condição a sua filha. Conta que a criou a marca Pretapretin com desenhos próprios para seus estampados por demanda de Valentina.
“Ela me perguntava porque não via bonecas e desenhos animados parecidos com ela”, recorda Márcia. A empreendedora conta com tristeza que um dia sua filha chegou da escola reclamando que uma atendente tinha dito na hora do lanche que ela estava com “cabelo de fuá” (bagunçado).
Márcia passou a vender seus produtos na Feira Preta, evento que este ano foi incluído na plataforma on-line da Casas Bahia. Ela se entusiasma com a possibilidade de levar seu produto a outros Estados. “Aqui mesmo no bairro onde moro, Tatuapé, as pessoas não compram”, comenta e explica que a maioria dos moradores é branca.
“Nós representamos o país, de certa maneira”, observa Sierra. “As Casas Bahia estão em todos os cantos do Brasil e nosso público é popular”. Segundo ela, a campanha cai como uma luva na estratégia da empresa no tocante à diversidade.
Fonte: Valor Econômico