Por Rodrigo Loureiro
Assim que assumiu o comando da Marisa, em fevereiro deste ano, o executivo João Pinheiro Nogueira Batista desenhou uma estratégia de recuperação da rede varejista de moda. O plano do ex-diretor financeiro da Petrobras, que também esteve à frente de empresas como Suzano e Swiss Re, passava pela reestruturação do negócio que atravessa um momento delicado em suas finanças.
“Esse processo de reversão de expectativas demanda tempo e capacidade de execução”, diz Batista em entrevista exclusiva ao NeoFeed. “Estamos encerrando essa primeira etapa dentro do cronograma e investimento menos do que planejamos. Isso dá mais credibilidade para os próximos passos.”
Na segunda-feira, 17 de julho, a Marisa deu, oficialmente, um passo nessa direção ao concluir a operação de fechamento de 88 lojas – quatro a menos do que o plano inicialmente traçado. Foram 59 lojas de rua e 29 dentro de shoppings centers. O custo para o fechamento foi de R$ 44,5 milhões, valor que é 16% menor do que o calculado previamente.
No fato relevante, a Marisa informa que o processo vai resultar em potencial captura Ebitda de cerca de R$ 40 milhões em 2023 e de R$ 60 milhões a partir de 2024. A varejista também reforçou que a ação vai viabilizar uma geração extra de caixa da ordem de R$ 35 milhões ao ano. E espera adicionar mais R$ 10 milhões com a otimização de serviços de terceiros e outras despesas.
A Marisa detalhou no documento entregue à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o processo de renegociação de dívidas com fornecedores. Nesse ponto, a empresa diz que “já atingiu a expressiva marca de aproximadamente 90% do total de fornecedores e 97% do total da dívida com nossos parceiros de revenda”. Em relação aos aluguéis, a rede varejista informou que ultrapassou a marca de 80% de novos acordos com os proprietários.
O fechamento das lojas, que havia sido antecipado em março pelo NeoFeed, é apenas um dos pilares da reestruturação que Batista pretende colocar em prática na Marisa. Uma mudança na operação do Mbank, o braço financeiro do negócio, e o enxugamento de custos operacionais também estão em pauta.
Na entrevista abaixo, o CEO da Marisa conta os detalhes sobre o fechamento das lojas, os planos para reformular o Mbank e o ajuste financeiro realizado para reequilibrar a companhia.
Como se deu o processo de fechamento de lojas?
Fizemos uma análise e vimos que elas geravam caixa negativo. Esse exercício, por si só, já pode fazer com que o Ebitda cresça de R$ 60 milhões a R$ 70 milhões por ano. Mas para fazer isso a gente precisava investir. Vamos continuar com um parque com 246 lojas em todos os estados. O que acontece é que, às vezes, havia mais de uma loja na mesma cidade e fomos fazendo essa otimização.
Por que o número de fechamentos foi reduzido?
Vimos que era possível fazer um investimento de melhoria e renegociar aluguéis para que algumas lojas voltassem para o positivo.
A Marisa pode fechar novas lojas no futuro?
Pode, mas vai ser pontual. Não acredito que seja algo que atinja a empresa de forma significativa. Acreditamos que o cenário poderá mudar em algumas lojas. Mas pode ser que a gente não verifique isso na prática e considere o fechamento. Não vamos ficar presos a nenhum outro critério que não a racionalidade econômica e mercadológica.
“Não vamos ficar presos a nenhum outro critério que não a racionalidade econômica e mercadológica”
Como gerar caixa e recuperar a empresa com menos lojas?
Não estamos fechando uma loja porque ela está dando prejuízo ou não. O critério era margem de contribuição e geração de caixa. O que paga a dívida não é a margem bruta de venda, mas a geração de caixa.
Há quanto tempo as lojas que foram fechadas eram um problema para a rede?
As lojas que fechamos geravam Ebitda negativo. Elas consumiam caixa. E faziam isso de forma sistemática nos últimos cinco anos. Outras tinham indicador negativo em um ou outro ano. A gente avaliou a possibilidade de manter algumas dessas abertas, mas as que tinham resultados sistemáticos optamos por fechar.
Das lojas fechadas, alguma delas pertence à família Goldfarb? Quantas?
Sim, várias. Não sei precisar quantas.
Sua gestão vem sendo marcada por um esforço na recuperação contábil da Marisa. Faltou fazer isso anteriormente?
Sem dúvida. Era uma empresa com foco excessivo na geração da margem bruta, como se a geração na área comercial fosse o único indicador importante. Só que o importante é olhar para disciplina financeira. Fazer margem, mas gerando caixa. A Marisa queimou caixa ao longo dos últimos cinco anos. É importante ter margem bruta de venda, mas é preciso organizar a parte de custo para que seja uma empresa sustentável.
“A Marisa queimou caixa ao longo dos últimos cinco anos. É importante ter margem bruta de venda, mas é preciso organizar a parte de custo para que seja uma empresa sustentável”
O canal digital pode ser uma solução para a Marisa?
Muitas empresas investiram muito no canal digital e depois se atrapalharam do ponto de vista de capital de giro. Graças a Deus, a Marisa não tinha colocado tanto o pé no acelerador. Mas não adianta fugir do fato de que você precisa montar um sistema sustentável de convivência de loja física com o canal digital. Precisa descobrir qual o modelo ótimo para operar no futuro.
As vendas digitais podem representar a maior parte do faturamento da Marisa no futuro?
Eu confesso que não vejo, quando olho para a Marisa, uma empresa que pode ser exclusivamente digital. A Marisa precisa continuar oferecendo ao cliente a experiência da compra física. Mas isso não quer dizer que você não possa adicionar velocidade de otimização. A gente precisa descobrir como ajustar essa receita.
Com o fechamento dessas lojas, as contas estão controladas ou os processos de renegociação de aluguéis continuam?
As contas estão basicamente em dia. Como estávamos sem acesso a dinheiro novo dos bancos, tivemos que fazer financiamento de todo o processo com a geração do caixa da companhia. Mas isso não era suficiente. Então teve uma renegociação dos aluguéis e com fornecedores.
“Como estávamos sem acesso a dinheiro novo dos bancos, tivemos que fazer financiamento de todo o processo com a geração do caixa da companhia”
O que vocês estão pedindo nessas negociações?
Cada caso é um caso. Em muitos deles pedimos simplesmente a redução do aluguel e o parcelamento do saldo em aberto.
Em relação ao MBank, qual é o futuro desse braço da operação?
O serviço financeiro do varejista tem de ser exclusivamente para financiar o cliente nas compras e o fornecedor. O empréstimo para pessoa física, deixa para o Itaú e para o Bradesco porque não temos a menor condição de competir. Vamos ter de reforçar o banco para que ele seja um alavancador do negócio principal.
Alguns rumores de mercado apontaram que não estava descartada a possibilidade de a Marisa ser vendida. Essa possibilidade existe?
No momento não existe. Até porque não dá para falar em vender alguma coisa cujo valor não está recuperado, está em processo de recuperação. Eu acredito firmemente na capacidade da empresa de se recuperar e ser uma consolidadora no setor.
A nova portaria do governo federal continua a isentar as compras internacionais abaixo de US$ 50, o que beneficia empresas como a Shein. Você tem sido um crítico dessa regulamentação. O que diz a respeito da nova portaria?
É o que eu já tenho dito várias vezes. Em qualquer lugar do mundo, independentemente de qualquer concepção ideológica, você precisa ter condições de competição isonômicas. Você não pode privilegiar um player ou um segmento. O que o setor pede é isonomia tributária e condições de competição. Acreditamos que o governo vai fazer sua parte neste processo.
“Eu acredito firmemente na capacidade da empresa de se recuperar e ser uma consolidadora no setor”
Como o governo vai fazer a parte dele?
Estabelecendo isonomia tributária. Falta determinar a alíquota remanescente que vai ser cobrada dos produtos importados para criar isonomia tributária com os produtos produzidos localmente.
Falta mais ação de órgãos da indústria, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)?
Eu confesso que não vi a Fiesp se manifestar ainda. Mas as demais associações de classe estão trabalhando neste assunto e o ministro da Fazenda [Fernando Haddad], na reunião que eu participei, disse que iria restabelecer a isonomia tributária. Não tem por que eu não acreditar na palavra do ministro da Fazenda.
Fonte: Neofeed