Desenvolver ecossistemas exige uma imensa transformação cultural e uma mudança de papel, mas é um caminho essencial para o futuro do varejo
A disputa pelo consumidor sempre foi travada entre empresas, que tentavam oferecer os melhores produtos, preços, condição de pagamento e localização. No mundo pós Covid-19, é preciso olhar a concorrência com outro prisma: uma disputa entre ecossistemas de negócios que oferecem soluções completas para os clientes e, com base na análise dos dados coletados em todas as interações, desenvolvem relacionamentos cada vez mais personalizados.
A agenda de criação de ecossistemas não é para poucos, mas terá a participação de todos. Seja como desenvolvedor do ecossistema ou como empresa integrada a ele, todo varejista precisa se posicionar. Para falar sobre as lições chinesas no desenvolvimento de ecossistemas, o Seminário Digital “China pós Covid-19: o papel da Inovação e Ecossistemas”, realizado pela BTR-Varese nos dias 21 e 22 de agosto, realizou um debate de alto nível com alguns dos mais importantes players do varejo brasileiro.
“Para ser um ecossistema é preciso ter uma visão muito ampla e sistêmica de toda a cadeia do varejo. Só empresas com muita escala conseguem fazer isso”, analisa Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza. “Em um ecossistema, estamos falando em conexões entre milhões de consumidores e milhares de sellers e parceiros de negócios”, explica.
O Magazine Luiza é um dos grandes cases brasileiros em transformação digital e tem e posicionado como um ecossistema de negócios. Para isso, adquiriu nos últimos anos uma série de empresas para trazer competências complementares e transações mais recorrentes. “Um ecossistema precisa de escala e dados, e em setores de baixa frequência de compra você tem menos vantagem. Por isso aquisições como Netshoes, Estante Virtual e Época Cosméticos”, diz Trajano.
A partir daí, é preciso colocar camadas de serviços de pagamento, financeiros, marketing, logísticos e de mídia, entre outros. “Tudo o que fizemos para digitalizar o Magalu temos que disponibilizar também para o seller. Só assim conseguimos ter os elementos necessários para uma visão integral dos consumidores”, conta.
Nesse processo, o mais importante não é a tecnologia, e sim a cultura. “É menos difícil sair do analógico para o digital do que ir para o ecossistema, pois é uma imensa mudança cultural. Ser um ecossistema tem menos a ver com vender do que em fazer o match entre parceiros e clientes, e isso exige uma série de novas habilidades”, explica o executivo. “Por isso essa é uma jornada muito difícil e complexa”, acrescenta.
Ecossistema com sabor brasileiro
Para Hector Nuñez, presidente do Conselho da Lojas Marisa, o exemplo dos ecossistemas chineses não pode ser replicado no Brasil, mas é uma imensa inspiração. “A realidade do nosso país é muito diferente, pois somos um mercado de varejistas especializados e um país de experiências. O que podemos ambicionar é sermos os pioneiros em agregar a experiência das lojas físicas aos ecossistemas, criando uma solução com a cara do nosso varejo”, avalia.
Na análise de Jorge Faiçal, CEO do Multivarejo (GPA), existem diversas oportunidades nesse varejo brasileiro de players especializados. “Cada um deles precisa ter em mente qual é seu core, seu centro de gravidade. Vamos desenvolver um modelo que é um híbrido do melhor da China, dos Estados Unidos e da Europa. Esse é um mercado que ainda está no início e, por isso, as oportunidades estão abertas”, afirma.
Os shopping centers poderão ser importantes na construção dos ecossistemas brasileiros. “Esse sempre foi um negócio muito analógico e só mais recentemente estamos enxergando outras fortalezas, percebendo que, com o uso dos dados, é possível agregar outros serviços, como o delivery”, conta Ruy Kameyama, CEO da BRMalls.
Em um setor com uma recorrência alta (o cliente vai em média 7 a 8 vezes por mês a um shopping), com alta taxa de conversão (em 63% das visitas há uma compra) e duração média de 1h40 para cada visita, o shopping center pode ocupar uma posição importante no relacionamento com os consumidores. “Vamos usar nossos malls como hubs de distribuição, levando produtos e serviços aos clientes. Ao mesmo tempo, eles virão até nós, e compartilhando com os lojistas e parceiros a inteligência dos dados que coletamos sobre os clientes, seremos todos mais relevantes no dia a dia do consumidor”, acredita.
A hora é agora
Na opinião de Hector Nuñez, os grandes ecossistemas irão se fortalecer no Brasil e trazer o varejo a reboque. “O pequeno e o médio que está começando ou ainda nem começou a se digitalizar vai ter que correr muito. Esse movimento vai ajudar o varejo a ter uma nova fase de crescimento nesses próximos três a cinco anos, lado a lado com os shoppings, que mudarão de função e posicionamento”, analisa.
Para Faiçal, do GPA, essa será uma transformação muito acelerada. “Vamos ter muita evolução, com serviços financeiros e colaboração. Vai haver uma grande corrida do ouro, mas quem não tiver uma proposta de valor coerente, focada no consumidor, vai ficar pelo caminho. A construção do novo varejo precisa ser feita a partir da perspectiva do cliente. Quem tiver a melhor proposta vai sair ganhando”, finaliza.
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