Você sabe quanto custa sua roupa? De onde ela veio? Quem a costurou? Por que ela tem aquele valor e para onde foi o dinheiro gasto com ela? Perguntas sobre transparência são cada vez mais frequentes entre os consumidores de moda. Pense, por exemplo, em como você mudou seus hábitos alimentares após descobrir os benefícios – para você e para o mundo – de comer alimentos orgânicos, cultivados por produtores locais. Na moda, ocorre algo parecido.
Depois do desabamento do Edifício Rana Plaza, em Bangladesh, em 2013, em que milhares de funcionários trabalhavam em condições bastantes precárias para empresas fornecedoras de roupas e tecidos, falar de transparência na moda se tornou sinônimo de confiança. No episódio, morreram 1 110 pessoas. Acontece que as vítimas produziam para marcas como Benetton, Mango, Primark e Walmart e recebiam apenas uma mínima fração do preço final cobrado pelo produto, além de estarem submetidas a uma estrutura de produção desumana. A revolta foi geral e consumidores do mundo todo passaram a exigir a divulgação da lista de fornecedores das labels de quem consumiam.
“O problema é que a cadeia de fornecimento na moda é muito complexa e difícil de ser rastreada do começo ao fim”, explica Eloisa Artuso, coordenadora da área de educação do Fashion Revolution, um órgão que pede por mudanças na área, criado após a queda do Rana Plaza. “E a rastreabilidade é apenas um passo dentro da política de transparência”, diz Artuso. “Quanto mais públicas as ações de uma marca, mais fácil a garantia de melhorias.”
E melhorias reais nesse sentido envolvem outros fatores. “Remunerar de forma justa quem está envolvido nos processos de produção, pagar os impostos e assinar a carteira dos funcionários são medidas essenciais”, afirma Bárbara Mattivy, uma das sócias e fundadora da Insecta Shoes, marca de sapatos 100% comprometida com as causas ambientais e sociais.
Em novembro de 2017, a label decidiu subverter a Black Friday e lançou sua Green Friday. A ideia era trocar os descontos pela abertura das planilhas de custo – um detalhamento completo sobre como o preço final de cada sapato é determinado. “A maioria das críticas que recebemos é sobre nossos preços.Dizem que não são acessíveis. Porém eles são construídos de forma muito justa, com uma matemática por trás, e ainda não temos como mudar isso.” A solução foi explicar essa equação e mostrar o quanto era pago pela mão de obra e revelando a margem de lucro. Deu certo, o vídeo viralizou e os consumidores se sentiram respeitados.
Na mesma época, a Básico.com também decidiu fazer diferente. Em vez de abater o preço drasticamente, a saída foi detalhar os custos de produção – desde a fiação do algodão até o produto final – e oferecer três valores diferentes para o consumidor. “Precisávamos muito falar sobre custo, percepção de valor”, diz Dedé Bevilacqua, fundadora do e-commerce. “Temos muita dificuldade em dar descontos porque temos uma receita muito enxuta. Então achamos que era uma boa oportunidade para abordar o tema.”
“A maioria das críticas que recebemos é sobre nossos preços. Dizem que não são acessíveis. Porém eles são construídos de forma muito justa, com uma matemática por trás, e ainda não temos como mudar isso” – Barbara Mattivy
Para uma indústria que cresceu acostumada a acordos de cavalheiros, contratos secretos e meios de produção escusos e sem fiscalização, noções de transparência são difíceis de engolir. Principalmente para empresas grandes e com estruturas gigantes nos seus bastidores. Entre elas, é comum a sensação de que a divulgação de tais informações diminui sua vantagem competitiva ou expõe margens de lucro muito elevadas. Mas não existe nenhum registro de marca que tenha se prejudicado por ser transparente demais.
Algo que marcas menores e com tratamento direto com o consumidor não demoraram a perceber. A Ahlma, de André Carvalhal, faz questão de dizer de onde vêm os materiais de suas roupas. Nos recebidos, é possível conferir os custos detalhados da peça adquirida e também quanto de lucro a empresa leva. “É um jeito de comunicar seus valores enquanto marca e ajudar os agentes envolvidos no processo.” No site da Honest By, a grife do belga Bruno Pieters, é possível descobrir até o valor unitário de um botão.
Renata Buzzo e Neriage, de Rafaella Caniello, duas labels de sob-medida nacionais, também aproveitam a proximidade com as clientes para explicar detalhes e divulgar os valores e custos de suas roupas. “É algo que só consigo fazer porque tenho o controle total dos processos da marca”, explica Caniello.
Segundo a estilista, ficar grande demais pode significar perder a autonomia de quanto ela paga para cada costureira ou profissional envolvido na confecção das peças. Receio dividido também por Buzzo. “Permanecer uma marca pequena é uma maneira de sobreviver sem perder a consciência”, diz ela.
A empresária Francisca Vieira, da marca Natural Cotton Color, tem conseguido levar uma iniciativa sustentável em todos os sentidos ao mercado internacional. As peças da marca, feitas exclusivamente com algodão orgânico da Paraíba, são exportadas para mais de dez países.
Em 2016, Francisca e sua grife se tornaram a primeira marca brasileira selecionada para o salão de inovação francês Maison d’Exceptions. Entre outros feitos, pagam o melhor preço pelo quilo do algodão ao agricultor, segundo dados da Embrapa. “Tudo começa no trabalhador, no ser humano. Se ele não for bem pago, não há como falar de transparência”, resume.
Fonte: JPNews