Não se espante se um número desconhecido ligar e do outro lado da linha estiver um senhor simpático, com tom de voz sereno, questionando se você teve algum problema em um dos 801 restaurantes do Burger King no Brasil. Quem compra em alguma unidade da empresa recebe, no verso do cupom fiscal, um convite para descrever a experiência no ponto de venda. A empresa recebe cerca de 40 mil respostas por mês, entre reclamações, sugestões e elogios. Em troca, os participantes ganham um sanduíche Whopper, o carro-chefe da marca. Após uma seleção, o CEO do Burger King Brasil, Iuri Miranda, entra em contato com três consumidores insatisfeitos.
“Eu seleciono três que tiveram problemas. Ligo e me apresento. A princípio, não acreditam que é o CEO da empresa. Eu peço desculpas, entendo o que aconteceu e falo para retornarem”, diz. “Para se dar ao trabalho de entrar em contato é porque o cliente realmente está preocupado. É um feedback sincero”. Não seria insólito, inclusive, se Miranda o abordasse numa movimentada praça de alimentação de shopping center e perguntasse como foi o atendimento. Para o executivo, as relações interpessoais são fundamentais para identificar os anseios de clientes e funcionários. Isso é uma das marcas de sua bem-sucedida gestão.
Soteropolitano, de 50 anos e pai de dois filhos, Miranda é prova viva da transformação do Burger King no mercado de fast food do País. A companhia americana desembarcou aqui em novembro de 2004, mas só deslanchou a partir de 2010, quando iniciou o processo de abertura de uma subsidiária local, criada no ano seguinte com participação dividida entre o grupo Restaurant Brands International (RBI), franqueador master da rede, e a gestora de recursos Vinci Partners.
Quando assumiu a nova fase do negócio em 2011, o Burger King Brasil tinha 12 funcionários e ainda não operava restaurantes da marca homônima. Hoje, a empresa já controla mais de 700 estabelecimentos e emprega 17 mil pessoas. “A palavra que nós mais ouvíamos no início é ‘impossível’. Não existia um crescimento tão rápido na história”, diz Miranda. “O movimento do Burger King é de evolução contínua. É uma empresa que trabalha em silêncio, mas sempre está sedenta para trazer novidades para o consumidor”, afirma Cristina Souza, diretora-executiva da consultoria GS&Libbra.
Os avanços também podem ser vistos por meio da presença de mercado medida pela consultoria Euromonitor. Em 2014, o Burger King detinha apenas 1,4% da fatia do segmento de alimentação fora do lar e não figurava nem entre as quatro maiores redes, enquanto o McDonald’s deslanchava com 7,1% na liderança. A situação mudou. O Burger King apareceu, em 2018, com uma fatia de 3,1%, atrás apenas do McDonald’s, que viu sua parcela cair para 6,5%; e do Subway, com 4,1%. O setor de foodservice movimentou R$ 414,9 bilhões no País em 2018 — o segmento de fast food representou R$ 93,9 bilhões, 22,6% desse montante.
Com o ganho de reputação e de receita – seu faturamento foi de R$ 2,35 bilhões em 2018 –, a empresa resolveu apostar alto. Em dezembro de 2017, realizou uma oferta inicial de ações (IPO) na B3 que movimentou R$ 2,2 bilhões, com a ação cotada a R$ 18. Desde então, seus papéis se valorizaram 26,6%. Segundo Miranda, não há preocupação momentânea para a liberação de dividendos. “Somos uma empresa jovem. Podemos usar o dinheiro para reinvestir e abrir novas lojas”, comenta. Neste ano, a empresa deve manter o ritmo de abertura de restaurantes entre 90 e 100 unidades, incluindo operações de franqueados.
No primeiro trimestre de 2019, a receita líquida da empresa foi de R$ 665 milhões, avanço de 37,9% na comparação com igual período do ano anterior. Parte desse incremento acontece por conta da entrada em um novo modelo de negócios. O grupo viu potencial para desbravar o mercado de fast food de frango e rivalizar com a rede americana KFC. Com a marca Popeyes, que foi fundada em Nova Orleans, Louisiana, a empresa espera encontrar o tempero necessário para alçar voos mais altos. Foram oito aberturas de unidades em 2018. Neste ano, a estimativa da empresa é dobrar o número de inaugurações, terminando a temporada com, pelo menos, 24 pontos de venda. Em 10 anos, o projeto para a marca prevê a abertura de 300 unidades no País, que demandarão um investimento de R$ 1 bilhão. “O brasileiro consome cerca de 105 kg de proteína por ano, das quais 43 kg são de frango. É um mercado que cresce muito rápido, mas que ainda não tem uma cadeia de fast food sedimentada”, afirma Miranda.
TRANSFORMAÇÃO DIGITAL No início de 2018, a empresa firmou uma parceria com o aplicativo de entregas Uber Eats. Hoje, já entrega pedidos a partir de mais de 170 unidades. Uma primeira unidade da bandeira Popeyes também começou a despachar suas opções de frango em junho. “Fora do Brasil, 60% das pessoas utilizam os apps das redes e não os aplicativos terceiros, como Uber Eats e iFood. No Brasil, isso ainda é diferente”, diz Cristina, da GS&Libbra. A empresa, no entanto, ainda está atrás do McDonald’s, seu principal rival, quando o assunto é totens com autoatendimento e mesas interativas com jogos para o acolhimento do público familiar. “Os fast foods antigamente eram muito espartanos, voltados para um consumo prático e funcional. A transformação digital nos pontos de venda é uma etapa crucial para essas redes”, diz Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail.
“O maior desafio para o varejo hoje é o alto nível de desemprego dos brasileiros”
À frente do Burger King Brasil desde 2011, Iuri Miranda acredita que a valorização dos funcionários é a receita para o sucesso da empresa. O executivo falou a DINHEIRO sobre novas tendências de consumo, tecnologia e projeções para o futuro.
O McDonald’s tem investido muito em inovação. Em boa parte das lojas já existem totens de autoatendimento e mesas interativas com jogos para crianças. O que já tem sido feito no Burger King?
A marca Burger King se posiciona de maneira jovem, irreverente e inovadora. E fala com vários públicos diferentes. A tecnologia também está dentro disso. Quando você entra numa loja poderá ver um cartaz com um QR Code para que possa escanear o seu pedido. Desenvolvemos um sistema integrado que permite com que você faça o pedido, por meio de um app. Ele vai para uma nuvem e eu só começo a produzir quando você chegar ao restaurante. Naquele momento o seu pedido automaticamente vai para a cozinha e nós começamos a preparar seu lanche. Isso é tecnologia. O nosso aplicativo já tem mais de 12 milhões de downloads. Estamos na vanguarda dos cupons digitais. Temos um sistema de delivery completamente integrado também. Temos Wi-Fi disponível nas lojas. Alguns restaurantes já tem totens de autoatendimento. Então, sim, nós estamos bastante avançados em tecnologia e inovação também. O que não queremos é que o cliente, por interfaces diferentes, tenha experiências diferentes na qualidade do produto.
O Burger King iniciou o serviço de delivery no ano passado, em parceria com a Uber Eats. Hoje, qual é a avaliação da empresa?
Existem pesquisas que dizem que as pessoas aceitam que a qualidade de um produto por delivery seja inferior à do restaurante. Mas não aceitamos essa perda de qualidade. Trabalhamos mais de um ano em busca de formas para oferecer um produto exatamente igual ao produto do restaurante. Trabalhamos em um sistema de integração para não ter demora na transmissão de informação e na qualidade das embalagens… Não importa qual é o canal que você vai interagir com o público, mas o produto será da qualidade Burger King. É uma venda majoritariamente incremental. Existem áreas que ainda não estão cobertas por um restaurante Burger King e que nós acabamos usando o delivery como um braço adicional para chegar a elas. Notamos que, em algumas regiões, as pessoas preferem o delivery por questão de segurança assim como por causa da comodidade. Hoje, os aplicativos de entrega estão muito mais eficientes. Nós conseguimos fazer o tracking do tempo para a conclusão de todas as fases, do pedido à entrega e à avaliação. Essa visibilidade nos ajuda a mantermos a qualidade do produto. Já estamos chegando a cerca de 170 restaurantes com delivery, em vários estados do Brasil.
Temos vistos constantes quedas nos índices de confiança do consumidor em 2019? A economia não está crescendo como se imaginava no ano passado. Qual é a sua avaliação?
O maior desafio para o varejo hoje é o alto nível de desemprego. As pessoas não enxergarem uma chance de emprego afeta diretamente a confiança do consumidor. Nós já vivemos essa situação no Burger King em outros anos e conseguimos crescer, inclusive acima da inflação. Eu acredito que o País tem um potencial de consumo muito grande e que, de certa forma, isso ficou reprimido durante algum tempo por toda a situação econômica que o país atravessou. Somos um país com mais de 200 milhões de habitantes ávidos por consumo, com necessidade de consumo. O que é necessário é criar empregos para que as pessoas possam assumir seus compromissos.
Fonte: IstoÉ Dinheiro