“A concentração do mercado em grandes redes é um fenómeno recente que tem início a partir da década de 90, alterando totalmente a relação de poder entre lojistas e fabricantes” (Sant’anna, 2013). Se até há duas décadas atrás havia maior procura por parte dos canais de distribuição do que oferta por parte das marcas – resultando num elevado poder negocial por partes dos últimos – com o aumento da concorrência e com a crescente noção da elevada influência que os canais de distribuição têm nos padrões de consumo, a lógica da interação alterou-se substancialmente.
Não é novidade nenhuma que quando os pontos de venda destacam um dado produto ou este está eficientemente exposto há uma tendência clara para o aumento de vendas. Contudo, também é sabido que as marcas têm consciência desse facto o que faz com que, com o aumento da concorrência, as tradicionais técnicas de promoção e merchandising nem sempre sejam suficientes para despertar o interesse do consumidor. Afinal de contas, qual o efeito diferenciador quando todas as marcas optam por fazer o mesmo?
Tendo em mente o facto do consumidor final tomar cerca de 70% das suas decisões no ponto de venda (Barreto, 2014), surge, por parte da marca, a necessidade de ter profissionais autónomos ao departamento de Marketing e de Vendas, capazes de mediar relações problemáticas entre ambos os departamentos e de apostar numa interação mais eficaz com os canais de distribuição. Ao coordenar e implementar planos de Marketing por canal de distribuição, estes profissionais estarão a preocupar-se não apenas com aquilo que a marca pode retirar com a sua presença num determinado ponto de venda, mas também com aquilo que os pontos de venda terão a ganhar com a presença dos seus produtos nos seus espaços. Trata-se de procurar oportunidades de negócio numa dinâmica win-win – função típica de um profissional de Trade Marketing.
Ainda que Trade Marketing esteja muitas vezes associado ao merchandising, por se tratar de uma forte ferramenta de Marketing no ponto de venda, esta é apenas uma face visível da função de um Trade Marketeer. Segundo Kotler e Armstrong (1993), “Trade Marketing pode ser entendido como o planeamento e controlo das ações de venda e de mercado e dos benefícios oferecidos ao consumidor final (marketing), por meio da verificação das relações de vendas estabelecidas com os canais de distribuição (trade)”. Outros autores, de uma forma mais difusa, falam da necessidade de domínio do ponto de venda. Deste modo, entende-se que a detenção de uma boa relação entre a marca e o canal de distribuição é uma ferramenta essencial ao aumento da performance de vendas no canal. A lealdade é, assim, algo que a marca não deve descurar. Se quando é tomada a decisão estratégica de vender produtos num novo canal de distribuição, a marca procura, por um lado, atingir um maior número de consumidores, por outro lado, existe o risco de alienar o canal de distribuição anterior que responde com boicotes ao produto vendido.
Com a melhoria das tecnologias de informação, surge uma era em que o comércio eletrónico é uma realidade inegável que tende a ganhar cada vez maior importância. Trazendo benefícios económicos tanto para marcas – que diminuem custos diversos, podendo apresentar preços organicamente mais competitivos – como para os consumidores – que, para além da comodidade, frequentemente têm oportunidade de comprar a preços mais baixos – também aqui a lealdade tem um papel importante e a forma como as marcas se posicionam neste quesito tem impacto significativo na performance dos canais.
Uma decisão que algumas marcas tomam ao nível da presença digital vai no sentido de procederem à venda dos seus produtos em websites próprios. Essa decisão é aceitável se uma marca tiver uma dimensão significativa que impeça os retalhistas de boicotar a sua presença nas suas lojas – como é, por exemplo, o caso da NIKE – ou se a presença em canais de distribuição não for forte ou bem estabelecida. Porém, a maioria das marcas encontra-se num patamar em que o choque com os canais de distribuição não é, simplesmente, aceitável.
Vários retalhistas, cientes da importância do comércio eletrónico, construíram websites onde vendem os seus produtos. Pelo facto de dispensarem a contratação de funcionários e aluguer de espaço físico e os stocks serem centralizados, o preço médio dos produtos tende a baixar, beneficiando o consumidor que também economiza tempo pelo facto de evitar a deslocação a uma loja física. “Rapidamente, a desconfiança do consumidor vai dando lugar ao hábito cada vez mais comum de comprar sem sair de casa” (Sant’anna, 2013).
Para o Trade Marketing Digital, mais do que cativar os consumidores para este tipo de canal, o grande desafio passa por apostar na fidelização do consumidor evitando que este retorne aos pontos de venda tradicionais. Este é um aspeto que une tanto as marcas como os retalhistas. Uma parceria entre ambos possibilita uma melhoria em aspetos relacionados com a entrega do produto e serviços pós-compra no caso de cooperação.
Não tendo, muitas vezes, a hipótese de vender através do seu próprio website, muitas marcas optam por lutar pela presença efetiva e destacada nas lojas virtuais dos retalhistas habituais – tal como o fazem no meio tradicional – aceitando que o comércio eletrónico é uma realidade que veio para ficar. Mas, quando uma determinada marca não tem dimensão orgânica para forçar a sua presença destacada nas lojas virtuais dos retalhistas, como pode atuar? Não existindo uma técnica considerada mais adequada, tudo depende da indústria em que a marca está presente, uma vez que cada uma tem as suas próprias dinâmicas, e dos objetivos que esta pretende alcançar. A capacidade de entender a indústria é uma qualidade indispensável a qualquer profissional e, neste caso, também ao Trade Marketeer.
As ocasionais promoções e descontos são algumas das formas mais usuais de oferecer a uma marca destaque temporário no espaço virtual do retalhista que, tal como acontece nos canais tradicionais, exerce pressão para que as marcas façam promoções, de preferência exclusivas, nos seus canais. Mas, além do consumidor já esperar este tipo de iniciativas – não as valorizando tanto como se ocorressem nos canais ditos tradicionais – a verdade é que o risco de erosão de margens e entrada em guerras de preços pode tornar-se insustentável se não forem utilizadas estratégias bastante cuidadas. Adicionalmente, o consumidor tem, na internet, acesso a informação variada que lhe permite comparar em tempo real os preços dos produtos em diferentes lojas (sejam elas tradicionais ou virtuais). O merchandising, que é instrumento bastante visível do Trade Marketing em canais tradicionais, é substituído por descrições e fotos apelativas do produto que estimulem a intenção de compra.
O desenho de sistemas de shop-in-shop online permite ao utilizador/consumidor ter a experiência de loja da marca, no interior do website do retalhista. Em Portugal, esta é uma realidade que está a ser adotada por diversas marcas tecnológicas e respetivos retalhistas. Por exemplo, no dia 7 de dezembro de 2015, a FNAC, através da sua newsletter, divulgou a abertura espaço CANON, no interior do seu site online www.fnac.pt.
Esta parceria entre a versão online da FNAC e a conhecida marca de equipamentos digitais CANON é um exemplo perfeito de um estabelecimento de uma parceria de longo-prazo entre retalhista e marca, através do sistema shop-in-shop online. Seguindo a mesma linha de abordagem, também a Microsoft recorre a este tipo de parcerias com este canal retalhista. Além de facilitar a consulta de produtos de uma determinada marca, poupando tempo ao consumidor, este pode aproveitar as frequentes promoções associadas a estas iniciativas. Atenta aos desenvolvimentos por parte do principal retalhista concorrente, também a Worten online (www.worten.pt) começa a permitir a criação de sistemas shop-in-shop na sua página.
A venda de determinados produtos exclusivamente nas lojas virtuais dos retalhistas é algo que também serve para catalisar a relação entre a marca e o canal. A LG e a SAMSUNG são dois exemplos de marcas que, conjugando promoções com produtos exclusivos em determinados canais online, conseguem maximizar as suas receitas em determinados produtos. Para o retalhista escolhido, os benefícios são evidentes: aumento das vendas de um determinado tipo de produto e diminuição dos custos logísticos.
Trade Marketing Digital, tal como a sua contraparte nos canais de distribuição tradicionais, tem de ter em conta as necessidades e comportamentos do consumidor. Assim, a importância dada a estudos de mercado que tenham o consumidor como enfoque não deve ser, evidentemente, descurada. Perceber os seus hábitos de consumo na Internet poderá dar insights bastante úteis na implementação de uma estratégia de Trade Marketing Digital.
Por fim, é impossível referir as dinâmicas do comércio eletrónico sem mencionar a comunicação publicitária digital. Sendo uma ferramenta principalmente associada ao Marketing, a verdade é que a comunicação é importante para valorizar a marca aos olhos dos canais de distribuição. E, porque o cliente/consumidor digital não tem as mesmas características do consumidor em meio real, é importante que as marcas procurem ganhar notoriedade junto de quem potencialmente compra os seus produtos. A presença adequada nas redes sociais, associada a uma adequada (e devidamente segmentada) publicidade e a uma otimização do website para efeitos de motor de busca, permite dar a conhecer os produtos da marca tanto a consumidores como a possíveis distribuidores. Do ponto de vista do Trade Marketing, não só é importante que haja uma consistência entre a comunicação publicitária digital e a presença da marca no website do retalhista, como também a partilha publicitária entre retalhista e marca pode gerar as situações win-win desejadas.
Concluindo, o consumidor atual caracteriza-se por ser mais informado. Assim, a forma como este procede à compra de produtos ou serviços sofreu diversas alterações ao longo das últimas décadas. Paralelamente, com o aumento da concorrência, também o paradigma da relação entre marcas e canais de distribuição se alterou, com este último a deter a vantagem na relação comercial. A somar a estas mudanças, a emergência do comércio eletrónico alterou a forma como diversas indústrias abordam o seu mercado. Com o Digital a ganhar paulatinamente terreno aos canais tradicionais, ao mesmo tempo que emergem novas técnicas aplicáveis a este novo paradigma, os profissionais de Trade Marketing têm condições para se imporem como agentes indispensáveis quer na mediação entre o departamento de Marketing e de Vendas quer nas relações da marca com os canais de distribuição, tendo sempre em mente o consumidor final. Quando este papel é bem executado, a performance da marca nos indicadores-chave será efetivamente superior.
Fonte: LinkedIn