Por Isabel Butcher | Vale a pena bares ou restaurantes terem o seu próprio aplicativo? Qual seria a sua função? Qual a estratégia por trás desse app? Manutenção ou expansão da base de clientes? Aumento do tíquete médio? Não bastaria ficar somente com os de delivery, inserindo um intermediário no contato com o cliente e, no máximo, montar uma página no Instagram? São muitas as perguntas que donos de estabelecimentos fazem na hora de decidir onde investir tempo e dinheiro e como elaborar a estratégia para conquistar mais clientes, aumentar a frequência no local físico, ter mais delivery, gerar mais receita e lucro. Mas uma coisa é certa: é preciso fazer algo. O setor está em crise – ainda por influência das restrições durante a pandemia – e a conta simplesmente não fecha. Mesmo com uma certa recuperação do setor, muitos estão endividados, sofrem com a inflação, insumos, aluguel, mão de obra e a dificuldade de repassar esses custos altos para os clientes. De acordo com a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), o Brasil possui uma estimativa de 1,2 milhão de empresas de alimentos e bebidas. Dessas, 500 mil seriam MEI. E há quem diga que uma das soluções é continuar investindo em transformação digital.
Para tentar responder a esses questionamentos, Mobile Time conversou com estabelecimentos do setor de alimentos que possuem aplicativos – Domino’s, Habib’s, Giraffas e ZAMP, máster franqueada do Burger King e Popeyes –, além da Abrasel para entender os motivos por trás de se ter um app para chamar de seu. E se, as empresas optaram por ter um aplicativo, pelo menos dois motivos são consenso: comunicação com o cliente e fidelização. A ideia é usar a ferramenta para não somente conquistar novos consumidores, mas manter a clientela já habitual.
Mas antes de entrar nas estratégias dos apps, vamos fazer uma rápida contextualização a partir de um estudo apresentado no final de fevereiro pela Abrasel.
Pesquisa
Levantamento mostra que o setor de alimentação ainda não se recuperou do efeito devastador que a pandemia de Covid-19 causou. A pesquisa ouviu 1.477 empresas de todo o País e aponta que quase um quarto delas (23%) registraram prejuízo em janeiro deste ano, um crescimento de 4 pontos percentuais em relação ao resultado de dezembro. Outros 43% trabalharam com lucro (queda de 4 pps) e 34% ficaram estáveis.
O estudo mostra ainda que 66% dos estabelecimentos tinham empréstimos bancários contratados em janeiro. Aqueles que tomaram crédito no Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) apresentaram taxa de inadimplência de 13%, acima da média do programa, que é de 5,2%. Fora do Pronampe, a inadimplência atinge 21% dos tomadores.
A inflação é responsável por corroer o lucro de 52% dos entrevistados. Os empresários alegam que não é possível reajustar os preços conforme a inflação avança, afinal, os clientes também estão sofrendo do mesmo mal. Já os que aumentaram seguindo a média do período representam 38%, e 10% disseram que passaram a cobrar acima do índice.
Saída da crise
“Este setor sofreu demais na pandemia. Houve impedimento de trabalhar, e, depois, com a reabertura, tudo estava reduzido e o restaurante passou a operar no prejuízo”, explica Célio Salles, consultor da Abrasel. “Atualmente, o setor sofre com a inflação, insumos caros, aluguel, mão de obra e dificuldade de repassar esses custos para o seu cliente. Mesmo tendo recuperado em faturamento, o setor não se recuperou da rentabilidade, o que o deixou fragilizado”, complementa.
Salles acredita que a transformação digital forçada durante a pandemia poderia se estender por mais tempo. O investimento em tecnologia é importante para que os estabelecimentos voltem a crescer. “Com a pandemia, houve uma necessidade de se fazer vendas por canais digitais. No restaurante, o principal é o delivery, mas tem também o drive thru e a retirada na loja. A tecnologia pode ajudar o estabelecimento a capturar novos clientes, aumentar o tíquete médio das vendas, incrementar a produtividade e reduzir mão de obra. Ela pode gerar oportunidades porque diminui os custos e aumenta a produtividade”, explica.
As grandes redes se atentaram para o uso da tecnologia há mais tempo e desenvolveram aplicativos para, justamente, fazer na prática o que Salles orienta. Em geral, o estímulo é por meio de cupons de descontos distribuídos nos apps.
Burger King, Domino’s, Giraffas e Habib’s possuem equipes de TI para desenvolverem internamente seus apps. No entanto, é possível ter um app próprio, produzido por uma empresa terceira, com funcionalidades básicas – como cuponagem, cardápio digital –, que se encaixe em um orçamento menos robusto. Ou seja, há diferentes soluções para diferentes tipos de restaurantes e bares.
“Acho complicado e cara um restaurante fazer um app taylor made. Não vale porque demanda muita energia. Tem que atualizar plugin, bibliotecas, certificados de Google Play e App Store. É pesado”, explica Vini Malavolta, diretor de produto da Moonwalk, desenvolvedora de aplicativos com foco no setor de comidas e bebidas. “Acreditamos que investimento em fidelização de clientes através de um app vale a pena como ferramenta para contornar a crise, pois age nos dois segmentos: fidelizando clientes atuais e servindo como incentivo para novos clientes”, completa.
Os aplicativos
O app do Burger King foi lançado em 2016, como um dos investimentos em inovação naquele ano. Seu objetivo é proporcionar facilidade, benefícios e informações sobre o cardápio, lançamentos e restaurantes próprios, além de apresentar promoções e ofertas por meio de cupons e pontos do Clube BK, e permitir acesso ao cliente a uma série de ações de marketing. Em 2021 o app ganhou a função de delivery, lançada no mesmo ano, “o que nos ajudou a ganhar escala de forma rápida para mais de 70% dos restaurantes, além de alimentar nossa base de dados”, explica Igor Freitas, VP de tecnologia da ZAMP, máster franqueada do Burger King e Popeyes, que não revelou números de usuários ativos mensais do app.
O delivery próprio, por outro lado, é um site independente agregado ao app, ou seja, o usuário é direcionado a partir do aplicativo para a plataforma, que também pode ser acessada como um progressive web app (PWA) ao ser adicionada à página inicial do smartphone.
O Clube BK foi lançado em 2021 como um programa de fidelidade. Sua função é ser uma ferramenta de identificação dos heavy users da marca e de fidelização do cliente. Atualmente são mais de 10 milhões de membros e teve mais de 1,4 bilhão de pontos resgatados, revertidos em milhões de recompensas.
A rede internacional de pizzarias Domino’s, por sua vez, se apresenta como “uma empresa de tech que vende pizza”, explica Eduardo Ribeiro, diretor comercial da rede no País. Atualmente, no País, são 400 mil usuários ativos por mês em seu aplicativo e mais de 2 milhões de downloads desde 2020. Para a empresa, a venda digital representa 65% – os outros 35% são de telefone e balcão. Desses 65%, o app representa 14% dos acessos.
A função mais acessada é a montagem da pizza. A experiência oferecida é permitir que o cliente escolha o sabor e faça sua personalização – se quer azeitona, cebola, temperos etc. “Mudamos recentemente a forma de comunicar e vender o produto. Hoje, essa funcionalidade, junto com o cupom de entrada, são as features mais acessadas no app”, explica Ribeiro.
Outra funcionalidade é a possibilidade de agendamento. A pessoa faz o pedido e seleciona um horário para a pizza chegar. E, na Domino’s, é possível acompanhar os pedidos e saber exatamente em qual momento da produção ele está. “A ansiedade pode ser contida no tracking. É uma solução digital proprietária e que também está presente no agendamento. E, além de saber em qual etapa do processo está a pizza, o cliente sabe quem está cuidando do pedido. Apesar de toda a tecnologia por trás, temos a preocupação em humanizar os processos, além de darmos transparência para o consumidor”, explica Natalia Lucki, gerente de marketing da companhia.
O cliente pode escolher dois sabores e montar como desejar. Outra opção muito acessada é o do cupom de entrada. A ferramenta também oferece a funcionalidade de pagamento in-app ou na entrega. E, na loja, é possível pagar com Pix.
A tecnologia sempre acompanhou a rede de restaurantes Giraffas. A empresa, de 40 anos, nascida em Brasília, possui 400 unidades no País e pretende abrir outras 40 ainda este ano. Sua especialidade são os grelhados e sanduíches. Há 15 anos, Giraffas desenvolveu uma solução de call center para concentrar os pedidos recebidos das lojas pelo site.
O aplicativo da marca chegou ao mercado em 2019, depois de um ano de desenvolvimento. Seu foco é o delivery, mas o consumidor também encontra cupons promocionais, sejam eles personalizados ou genéricos. Atualmente, o app do Giraffas conta com 2 mil usuários ativos mensais (MAUs) e 600 mil downloads.
A empresa procura também incentivar o uso do app no ponto de venda com a solução para adiantar o pedido antes de chegar à loja. “Nosso aplicativo é um totem de bolso, de autoatendimento. Ele chega num shopping, abre o app e faz o pedido e, quando chega na loja, o pedido está pronto”, explica Claudio Miccieli, diretor de gestão do Giraffas. “A primeira funcionalidade do app foi o delivery. Em seguida, o pedido no balcão”, completa.
“Acredito que o investimento em novos processos é de grande relevância, mas não só ele. No caso do Giraffas, por exemplo, a pandemia forçou a adaptação das franquias da rede a atualizarem e, em alguns casos, até implantarem seus processos de venda virtual, reforçando o delivery como canal importante de venda. Assim como os apps que significam ao consumidor mais uma opção de facilidade e comodidade na hora da compra. O uso deles nos permite realizar promoções bem focadas e criar programas de fidelidade. Para manter o canal ativo é fundamental o investimento em produtos, experiência, marketing, qualidade e pessoas”, explica Miccieli.
No caso do Habib’s, o delivery nasceu ainda em 2002, via telefone. De lá para cá, a rede expandiu para o site e, em fevereiro de 2021, foi lançado o app, desenvolvido pela Vox Line, empresa do grupo, com a principal missão de ser uma plataforma própria de entregas. “Mas rapidamente evoluiu para um canal de relacionamento com o cliente”, conta Rafael Polachini, diretor de marketing do Habib’s. Atualmente, engloba funcionalidades como cuponagem e está integrado ao programa de fidelidade, o “habibers”, e cashback. “O aplicativo surge como um canal de pedidos próprios e rapidamente é desenvolvido para ser um superapp, em que engloba funcionalidades de comunicação com a marca. E ele está presente na jornada virtual ou física do cliente, ou seja, para o take away ou drive thru”, explica o executivo.
O app da rede de esfihas e afins conta com 2,5 milhões de usuários ativos mensais (MAUs) e o programa de fidelidade ultrapassou 5 milhões de clientes. No momento, em transações, o app é 20 vezes maior do que o site.
“Conseguimos alavancar o app a partir das funções phygital, com vantagens exclusivas dentro do aplicativo para usar nas lojas e, na retomada da abertura dos restaurantes, ele foi muito importante para a gente”, complementa Polachini.
Já a rede de fast food Popeyes, também da ZAMP, lançou seu aplicativo em 2021 como parte do processo de expansão da rede. O app oferece cupons de desconto especiais e exclusivos para serem usados nos restaurantes da rede. “Ao lançar um aplicativo, conseguimos proporcionar aos clientes a possibilidade de desfrutar de descontos especiais com mais facilidade, ficando cada vez mais próximos deles“, explica Freitas.
A cuponagem e personalização
A cuponagem é um importante propulsor de vendas do Habib’s. Ela representa 20% das transações em todos os canais de venda por ano. Ou seja, de cada 100 compras, 20 têm ao menos um cupom (é possível ter mais de um).
“A cuponagem nos permite flertar com uma maior rentabilidade. Quando tem promoção agressiva é preciso compensar no volume”, diz. Segundo Habib’s, as ofertas funcionam 37% melhor com os clientes que não fazem parte do programa de fidelidade. “Conseguimos aliar estratégia com rentabilidade e formar uma nova base de clientes”, resume Polachini.
Mas não é só o Habib’s. Todos os aplicativos aqui apresentados usam a cuponagem como estratégia. Uns mais, outros com menos frequência. E sua estratégia está sempre ligada à manutenção do cliente e aumentar seu tíquete médio de consumo na franquia, e geralmente de forma personalizada.
O Burger King oferece cupons de ofertas exclusivas que só são encontradas no app, por exemplo. As promoções são personalizadas de acordo com os hábitos de compra do usuário e a sua geolocalização, “ou seja, o app é uma alavanca importante para a personalização da experiência do consumidor. Essa personalização é possível por meio de uma base de CRM cada vez mais aperfeiçoada, otimizando o uso de dados próprios na era cookieless”, explica o VP de tecnologia da ZAMP.
Freitas também conta que o app do Popeyes é, basicamente, uma plataforma de resgate de cupons. “Também é possível encontrar no app o direcionamento aos parceiros de delivery iFood e Rappi. O delivery próprio, lançado no final do ano passado, está disponível em um site independente do app e em um link no site institucional do Popeyes”, diz.
Desinstalação, como evitar?
A concorrência com outros apps e até com fotos pela memória do celular faz com que as marcas estejam sempre atraindo e promovendo novidades em seus aplicativos. A ideia é manter um relacionamento contínuo para não gerar desinstalação, o maior medo dos desenvolvedores de aplicativos. A solução, em geral, são cupons de descontos, novidades e até webapp. Mas é preciso cuidado para não exagerar na dose.
“Acompanhamos os movimentos e a frequência de uso dos clientes. Se passa uma semana sem usar, é emitido um alerta. Duas, opa, manda um convite, um cupom. Mas isso tem que ser feito com muito cuidado para não pentelhar, não ser chato. Tem que ser bem dosado. Por isso a IA é importante para entender o hábito para o usuário não desinstalar porque você está perturbando a pessoa”, resume Miccieli, diretor de gestão do Giraffas.
A luta contra o churn é constante, mas nem sempre fácil. A rede Giraffas, no momento, ensaia uma saída mais democrática, que não exija espaço no celular, a partir de versão webapp para o aplicativo.
“O desafio é convencer o download, mas também manter o app no celular do cliente e fazê-lo usar. Tanto que estamos em fase de testes para uma versão web app para contornar essa barreira, dando a mesma experiência do aplicativo para o cliente que não quiser baixá-lo”, explica Miccieli. Vale dizer que o app não será descontinuado.
Outra solução que o Giraffas encontrou, desta vez para crescer e se manter no celular do cliente, é atender no B2B. No caso, são parcerias com empresas e, por meio do app, seus colaboradores recebem descontos personalizados.
No caso da Domino’s, a empresa faz um cruzamento de informações a partir dos dados coletados combinando com soluções e tendências do mercado – com a ajuda de uma empresa parceira – para atrair seus usuários. “É nossa régua de comunicação. Entendemos o perfil da pessoa e trazemos para ela ofertas exclusivas e novidades em primeira mão no app”, explica Ribeiro, diretor comercial da Domino’s Pizza Brasil. “Mas a nossa ideia é estar no painel do carro, na loja, no celular, na Alexa, onde o cliente estiver. Brincamos que queremos fazer com que o cliente peça uma pizza por figurinha. O app é um dos nossos maiores originadores de pedidos junto com o site, mas queremos pensar sempre em alternativas, tentando trazer a Domino’s para o dia a dia do cliente”, resume o executivo.
No Habib’s, o app é a principal plataforma para se compreender o consumidor, por meio da captação de dados. O objetivo é entender seu comportamento e, a partir das informações, gerar relevância para o cliente, a partir de ofertas ou sugestões personalizadas.
“Busco mais relevância seja pela jornada ou pelos desejos de compras dos nossos consumidores”, resume Polachini, diretor de marketing do Habib’s. A empresa analisa o comportamento do cliente, a frequência com que compra, o que consome, quantidade, tíquete médio, ou seja, monta seu perfil de consumo para gerar insights.
“Sempre pensamos o app como um hub de vantagens e não como um simples canal de delivery próprio. Miramos em uma plataforma que esteja na jornada dos clientes. Antes do app, tínhamos milhões de transações, de usuários, mas um nível de conhecimento muito baixo do nosso público. A questão estratégica é ter um profundo conhecimento do comportamento do consumidor e com isso realizar ações relevantes, para transformar o comportamento e gerar negócios”, resume Polachini.
Aprendendo com o passado e futuro
Em alguns meses, o app do Popeyes, que, atualmente, tem funções simples, como cuponagem, deverá ter o delivery agregado a ele.
Ainda sem data definida, o app do Habib’s deverá incorporar elementos de gamificação. A ideia é estimular o usuário a completar missões e, com isso, incrementar o tíquete médio, a recorrência e a quantidade de compras. A rede também vai oferecer um programa de cashback, sendo que cada R$ 1 gasto vale um ponto e depois o cliente pode trocar por produtos.
Apesar do choque causado pela pandemia, as empresas querem que o cliente volte a frequentar o estabelecimento físico. Claro, o delivery teve um salto enorme neste período, empresas como iFood e Rappi foram e continuarão sendo parceiros-chave, mas há um esforço por parte das redes em trazer de volta o cliente.
“A retomada do presencial concentrou as vendas novamente nas lojas físicas. O delivery teve um salto de crescimento da sua participação de 6% para 12% na pandemia, em alguns meses até 20%. Porém com a retomada e recuperação do setor estabilizou-se em 9%. Representou um aumento? Sim, mas isso nos mostra que os consumidores da marca estão cada vez mais voltados à experiência. O consumidor 4.0 está diretamente relacionado às novas tecnologias, principalmente no que se refere às mídias sociais e às ferramentas de comunicação, prezando por maior acesso às plataformas e valorizando ainda mais a experiência de compra ágil e integrada, independentemente do canal de compra, seja ele balcão, delivery, take away”, resume Miccieli.
Os pequenos
As grandes redes conseguem sustentar um app próprio – seu desenvolvimento, lançamento, atualização de plugins, certificados das lojas de aplicativos etc –, mas e os pequenos? Quem não é rede? A solução pode ser uma aplicação mais simples, desenvolvida por terceiros em formato de SaaS, que dilui seus custos, ou até mesmo o WhatsApp, que está presente na vasta maioria dos celulares brasileiros e não compete em espaço.
Fonte: Mobile Time