Por Daniele Madureira | Com pouco mais de um mês de operações no Brasil, a Temu, marketplace do grupo chinês PDD Holdings, se tornou o aplicativo de compras mais baixado do país. Chamado de “Amazon com esteroides”, o marketplace passou à frente de Mercado Livre, Shein, Shopee, Amazon e Magalu em número de downloads nos últimos 30 dias, segundo a ferramenta de pesquisas de mercado App Magic.
“Estamos animados com a resposta positiva dos consumidores brasileiros”, disse a Temu à Folha, em uma entrevista por email, mediada pela assessoria de imprensa da empresa no país. A varejista ainda não tem um representante local e as respostas foram dadas por um porta-voz institucional, não identificado. “Os consumidores procuram pela boa relação custo-benefício dos produtos disponíveis em nossa plataforma.”
O marketplace, que opera em 70 países ao redor do mundo, não revela dados de faturamento, infraestrutura, número de downloads ou total de usuários. De acordo com o App Magic, nos últimos 30 dias, o Brasil foi o segundo mercado com o maior número de downloads, mais de 5 milhões, só atrás dos Estados Unidos.
O aplicativo “Temu: Compre como um bilionário” se tornou o app de compras mais baixado do mundo desde maio de 2023, à frente de Shein e Amazon, segundo o App Magic.
O sucesso foi alcançado em tempo recorde. Embora seja uma empresa de capital chinês, a Temu foi lançada nos Estados Unidos em setembro de 2022, ou seja, há menos de dois anos. Foi criada pelo PDD Holdings para ser um marketplace em países estrangeiros, uma vez que o grupo já explora o mercado chinês com o Pinduoduo.
Em 2023, o PDD Holdings faturou US$ 34,8 bilhões (R$ 188,8 bilhões) e registrou lucro líquido de US$ 8,5 bilhões (R$ 45,8 bilhões). Ambos os indicadores apresentaram salto de nada menos que 90% em relação a 2022, conforme dados divulgados pela empresa, que tem capital aberto na bolsa americana Nasdaq.
Um conforto suficiente para que a Temu se tornasse em novembro passado o maior anunciante da final do Super Bowl, a principal liga de futebol americano dos Estados Unidos. No evento, a chinesa veiculou seis anúncios de 30 segundos –cada um ao custo estimado de US$ 7 milhões (R$ 38 milhões).
Na América Latina, a Temu opera no Chile, Colômbia, México, Peru, República Dominicana e Uruguai. Em abril, dois meses antes da sua estreia no Brasil, em 6 de junho, a chinesa já havia passado à frente de outros varejistas consolidados no país, como Marisa, Mobly, Zara e Pernambucanas. Ocupava, então, o 65º lugar no ranking nacional.
“Nesta fase inicial, estamos focados em entender as preferências e necessidades dos consumidores brasileiros para melhorar ainda mais as nossas ofertas”, afirmou a empresa. A companhia diz operar “por meio de um modelo inovador de e-commerce, direto da fábrica, que elimina ineficiências nas cadeias de suprimentos tradicionais”. Por meio deste formato, a empresa conta com fornecedores exclusivos, o que dispensa intermediários e agiliza a logística, sobre a qual tem total controle.
“O comércio online da Temu conecta os consumidores a vendedores independentes e terceirizados, muitos dos quais são fabricantes das próprias mercadorias. Este modelo direto da fábrica elimina os intermediários, reduzindo os custos de manuseio e as margens de preços. Também simplifica a gestão do portfólio, o que reduz o desperdício, ao diminuir a quantidade de locais pelos quais um produto passa. Esta abordagem democratiza o acesso a mercadorias de qualidade e a preços acessíveis”, afirmou.
Empresa aponta peso dos impostos no site brasileiro
No Brasil, o marketplace oferece 30 grandes categorias de produtos, que abrangem mais de 250 subcategorias, entre vestuário, artigos para animais de estimação, de decoração e ferramentas.
A chegada da chinesa, porém, ocorre em um momento não tão auspicioso: a “taxa das blusinhas” começa a vigorar em 1º de agosto, com imposto para as compras de até US$ 50 (R$ 271). No site, a Temu já computa o peso das taxas sobre todos os produtos. Um tênis de couro de R$ 303, por exemplo, sai por R$ 585, quando são somados R$ 182 de imposto de importação e R$ 99 de ICMS (para São Paulo).
Em maio, a varejista passou a integrar a lista de empresas certificadas no programa Remessa Conforme, do governo federal, que oferece isenção do imposto de importação para mercadorias até US$ 50.
“O imposto aplicado não mata os sites estrangeiros. Reduz o apetite, a competitividade de preço não vai ser tão agressiva como antes, mas este modelo de negócios tem virtudes que motivam as pessoas a comprarem, algo que não morre por conta de 40% de tributação”, diz o consultor Alberto Serrentino, da Varese Retail. “A Temu é muito agressiva, vai fazer uma curadoria dos ‘sellers’ [vendedores que oferecem seus produtos na plataforma], aprimorar a seleção de itens e a gamificação, como forma de cativar os clientes.”
As plataformas asiáticas, como Shopee, Shein e Temu, oferecem recompensas para os usuários, conforme o seu ritmo de compras, o que é chamado de gamificação. Podem ser descontos ou frete grátis, por exemplo. “O Brasil é um mercado estratégico e prioritário para todos os grandes marketplaces, tanto na captura de clientes e de sellers, quanto na geração de tráfego”, diz Serrentino.
Propaganda ‘boca a boca’ é valiosa, diz marketplace
Como diferenciais da Temu, o consultor aponta a política de troca ou devolução flexível –gratuita por um período de 90 dias– e o subsídio no frete. A empresa também oferece um bônus caso haja atraso na entrega. “Se não entregarmos o seu pedido até a data estimada, emitiremos um crédito de R$ 10 no prazo de 48 horas. O crédito será emitido no seu saldo e pode ser utilizado no próximo pedido”, informa o site.
A Temu oferece ainda um “ajuste de preço” caso o item entre em liquidação. “A Temu cobrirá a diferença de preço na moeda que o pedido foi pago se o preço do item for reduzido até 30 dias após a compra na mesma região ou país (…) Você pode solicitar um reembolso por ajuste de preço selecionando o pedido em ‘Seus pedidos’ e clicando no botão ‘Ajuste de preço'”, indica a plataforma.
“Acredito que eles vão brigar muito forte com Shopee, que já conta com uma base forte de sellers locais, algo que a Temu deve providenciar também”, diz Serrentino, que se encontrou em junho com representantes da Temu na China, em uma missão de negócios envolvendo varejistas brasileiros.
Questionada pela Folha, a empresa não informou como está a captação de vendedores locais, uma estratégia crucial para manter os preços competitivos. “No início deste ano, abrimos nossa plataforma ao primeiro grupo de vendedores qualificados nos EUA e na Europa, o que permitiu a eles controlar a sua própria logística e enviar produtos de suas próprias lojas”, afirmou a Temu.
“Planejamos inserir em breve mais vendedores de todo o mundo. À medida que continuamos a crescer e a aprender mais sobre o mercado brasileiro, ajustaremos nossas estratégias de logística e entrega conforme necessário para fornecer o melhor serviço possível.”
A empresa diz que usa um mix de ferramentas de marketing, que inclui anúncios na TV, online e influenciadores. “Mas um aspecto importante, que não recebe tanta atenção, são as indicações boca a boca. Quando alguém tem uma experiência positiva conosco e conta aos seus amigos e familiares, isso tem muita importância”, afirmou.
“Mostra que estamos fazendo algo bem –que os consumidores confiam em nós o suficiente para nos recomendarem às pessoas que gostam. À medida que o nosso negócio cresce, percebemos cada vez mais como estas recomendações pessoais são valiosas e se tornam mais influentes do que a publicidade tradicional em muitos mercados.”
Fundador tem 44 anos, é filho de operários e trabalhou no Google
O fundador do PDD Group é Colin Huang, de 44 anos. Filho de operários, nasceu em Hangzhou, cidade natal da gigante de compras online Alibaba, dona do AliExpress, segundo informações do jornal Financial Times. Huang estudou ciência da computação na Universidade de Zhejiang, antes de se mudar para os Estados Unidos, onde trabalhou no Google.
Huang teve alguns negócios online até que, em 2015, se dedicou à criação de um “ecommerce social”, o Pinhaohuo, em que os consumidores poderiam obter descontos se convencessem amigos a comprarem o mesmo produto. O site começou vendendo frutas.
Poucos meses depois, criou um segundo aplicativo, adotando o mesmo modelo de compra em grupo a um mercado online, onde qualquer comerciante poderia listar seus produtos. Nascia o Pinduoduo. No ano seguinte, um grupo de investidores estrangeiros aplicou US$ 50 milhões (R$ 271,3 milhões) na Pinduoduo e os negócios começaram a deslanchar.
Desde março de 2021, Huang está afastado do dia a dia do PDD Group, sem ocupar posições executivas ou no conselho. Em uma carta aos acionistas do grupo à época, disse que se dedicaria a pensar o futuro dos negócios pelos próximos 10 anos, para que o grupo continuasse lucrativo.
Fonte: Folha de S. Paulo