Pandemia impôs novos desafios à cadeia que atende o varejo, desde a captação da matéria-prima ao destino final do produto
Por Redação
Uma boa experiência de compra não é apenas a satisfação com o produto em si, mas também a disponibilidade de opções e eficiência na entrega. Para que tudo aconteça dentro dos padrões desejados, é importante que a cadeia de abastecimento, desde a origem da matéria-prima do produto até a entrega ao consumidor, funcione como um relógio. Essa cadeia é chamada de supply chain, que envolve toda a logística e o gerenciamento da mercadoria para garantir a satisfação do consumidor.
A expansão do comércio virtual e a exigência de prazos de entrega cada vez mais curtos por parte do consumidor tornam o supply chain essencial para a operação do varejo. “No ambiente de competitividade que enfrentamos hoje, em que disputamos espaço nas gôndolas, se a entrega não for executada no momento certo há risco de o concorrente ocupar esse espaço”, diz o sócio-líder de Operações em Supply Chain da EY para a América do Sul, Lucas Horta, em entrevista à Agência EY.
Como podemos definir o supply chain e qual é a importância dele?
É a cadeia de abastecimento que envolve um produto desde a origem da matéria-prima até o consumidor. Se o produto está disponível para o cliente do jeito, no momento e, em alguns contextos, com o preço que ele deseja, significa que a cadeia de suprimentos foi eficaz. O comportamento do consumidor mudou muito nesses últimos anos. Por exemplo: algum tempo atrás, a pessoa esperava uma ou duas semanas para ter o seu produto. Consumidores de venda direta tinham de esperar a consultora pegar o pedido de todos os clientes, fechar a compra total, colocar o pedido para a empresa e receber a mercadoria. Nesse processo havia a perda de um mês. Uma mudança forte foi a rapidez com a qual o consumidor deseja receber o produto. Ele não quer mais esperar uma semana ou mesmo dias. Tem de ser em horas ou até minutos para a entrega. E receber onde ele estiver, não necessariamente em casa. Para que tudo isso aconteça de uma maneira eficiente, é necessário uma grande e complexa operação nesse processo de compra.
Há outras questões envolvidas nesse processo, além da logística?
Além da rapidez na entrega, há outro aspecto que é o omnichannel – disponibilidade nas lojas físicas e virtuais. Dentro da loja física, a pessoa pode consultar a virtual, por exemplo, e efetuar a compra. Como isso é operacionalizado? O produto é vendido na física e faturado na virtual? Para o cliente isso não importa, mas a loja tem de trabalhar todos os canais de maneira coordenada para que o produto seja colocado no lugar certo e faturado no lugar certo, imbuídos os custos de maneira adequada etc. Há grandes desafios para a cadeia conseguir atender os níveis de serviço e os canais unificados no omnichannel.
E como foi trabalhar o supply chain durante a pandemia de Covid-19, em que os desafios foram ainda maiores por conta das restrições sanitárias e aumento das vendas on-line?
Em um primeiro momento, quando as cadeias globais foram rompidas e uma fábrica fornecedora parou, por exemplo, houve uma reação em cadeia que sentimos até hoje. A pandemia tornou explícitos alguns aspectos da globalização em que é necessário definir locais específicos de produção e o risco que existe em um momento de ruptura da planta ou logística.
Como encontrar um novo equilíbrio?
Não dá para produzir tudo em apenas um lugar, como era antes. Como fazer uma gestão de risco se daqui a cinco anos tivermos uma nova pandemia? O planeta não vai voltar ao que era antes, quando todos os países eram autossuficientes. Porém, há alguns movimentos para mitigar um pouco esse risco, tornar as cadeias mais resilientes e com mais opções de fornecimento. Há um movimento forte que está ocorrendo pós-pandemia em relação à gestão de risco e à resiliência de cadeia. Trata-se de uma agenda que está na pauta estratégica de boa parte das empresas globais.
Em relação à questão tecnológica, o que temos hoje de suporte apoiando fortemente nesse processo todo de supply chain?
O supply chain conta atualmente com tecnologia avançada em todos os seus processos para prever quem será o consumidor daquela empresa, o que ele vai consumir e como preparar a empresa para esse atendimento de uma maneira rápida e eficaz. São utilizadas soluções de previsão de demanda com inteligência artificial e é possível, por exemplo, captar informações do caixa de supermercado para entender aquela demanda específica e prever toda o fornecimento a partir dessa informação. A cadeia de fornecimento é altamente conectada hoje em dia. A empresa A consegue colaborar com a fornecedora B, elas trocam informações via tecnologia e, no próprio produto, há o embarque de tecnologia. É possível rastrear um produto onde quer que ele esteja, acompanhando esse transporte e a logística necessários. Hoje em dia, conseguimos soluções para, por exemplo, saber o momento em que o cliente estará em casa para coordenar uma entrega e, eventualmente, até antecipar uma entrega. Ainda em relação ao supply chain, é possível alterar a rota de um navio diante de alguma oportunidade de negócio em outro lugar. Isso acontece muito com as commodities. Ou seja, hoje em dia é impossível pensar em um supply chain eficiente desprovido de alta tecnologia em todos os seus processos.
Qual é a consequência para o lojista quando não há uma boa operação de supply chain envolvida no processo de varejo?
O seu produto não vai estar na gôndola. Se a sua cadeia, o seu supply chain não estiver funcionando bem, o seu produto não vai estar disponível para venda ou vai chegar atrasado. Nesse caso, o consumidor já terá optado por outro. Outra questão é o aumento do custo por conta de falhas logísticas, tornando o produto menos competitivo em relação à concorrência. Um processo de supply chain eficiente disponibiliza o produto no momento em que o consumidor deseja e numa percepção de valor que faz sentido para ele.
E isso pode ser determinante para o varejo, não?
No ambiente de competitividade que enfrentamos hoje, em que disputamos espaço nas gôndolas, se a entrega não for executada no momento certo, há risco de o concorrente ocupar esse espaço. Outra questão é que o lançamento de produtos é cada vez mais rápido. O caminho para colocar o produto na gôndola à disposição do consumidor é o supply chain. Se a cadeia de fornecimento não está funcionando bem, a experiência de compra não será bem-sucedida.
E o chamado quick commerce, ou a entrega rápida?
É o entregar rápido. Neste caso, é a prontidão da cadeia. Eu preciso organizar uma cadeia que consiga ser rápida e seja capaz de entregar dentro da expectativa do meu cliente. Para isso, eu posso, por exemplo, constituir posições avançadas de estoque em locais mais próximos do mercado consumidor, ter recursos de entrega disponíveis a partir de 15 minutos etc. Qual é o desafio para tudo isso? Essencialmente custos. Esse equilibro da eficácia do supply chain com a demanda do consumidor é o grande desafio para nós. Ainda mais no Brasil, onde a estrutura logística não é das melhores. Esse é um desafio enorme. Durante a pandemia, a questão da entrega rápida foi colocada no limite. As empresas tiveram de se reinventar em termos de logística e entrega. Há também o desafio do custo. Não posso prometer uma entrega rápida com frete alto, pois a pessoa não vai comprar, dependendo do item. O perfil do consumidor está mudando rapidamente, com exigência de customização e celeridade. Isso aumentou o nível da performance da cadeia a níveis extremos. Há desafios enormes para atender esse novo perfil do consumidor, com custos compatíveis e de maneira eficaz.
A China desponta como um grande mercado. O que a China tem para ensinar ao mundo inteiro em termos de consumo?
A escala em que as coisas acontecem na China acaba propiciando muitas oportunidades. É um laboratório de aplicação de muitas tecnologias novas. A agenda da China em relação a aplicação de tecnologias, atendimento ao consumidor e gestão de cadeias está muito avançada. Podemos citar questões como rastreabilidade de compras, uso de inteligência artificial e sistemas autônomos de entregas muito avançados. A China é quase um laboratório e o que está acontecendo lá em termos de consumo hoje, possivelmente vai acontecer no Brasil em um ou dois anos.
Há algum exemplo que ilustre essa potência?
Existe o “dia dos solteiros” na China. Ele ocorre anualmente no dia 11/11 e movimenta alguns bilhões de dólares em consumo em um único dia. A data foi a princípio criada por universitários no início dos anos 90 como um ‘protesto’ contra o dia dos namorados e se tornou o maior evento de vendas on-line do mundo. A quantidade de transações de e-commerce nesse dia é levada ao extremo. Há cidades onde há sistemas de entregas por meio de transporte autônomo em grande escala. Tudo na China é gigantesco, inclusive o potencial de consumo.
Fonte: EY