Abras coordena as discussões que envolvem também a criação de um fundo imobiliário
Por Adriana Mattos
Lideradas pela Abras, a associação brasileira de supermercados, redes do setor avançam num projeto de criação de cinco negócios para tentar uni-las e torná-las mais competitivas. Em parte, é uma reação a um ambiente de concorrência que se espalha por diversos setores que, no passado, não eram vistos como competidores das cadeias. Essas ações, adiantadas pela entidade ao Valor, devem ser discutidas no fórum anual das supermercadistas, em setembro, o maior evento do segmento.
Três iniciativas são consideradas centrais por envolverem venda on-line e o braço de serviços financeiros e de novos negócios. Trata-se da criação ou aquisição de um banco para atendimento às cadeias associadas, a construção de um fundo imobiliário, a ser gerido por gestora (e já com conversas em andamento), e um “marketplace” formado pelos associados. Indústrias e instituições financeiras já foram consultadas sobre os projetos.
Ainda fazem parte das ações avançar numa plataforma educacional e criar um “hub” de inovações. Neste momento, atraem mais a atenção do mercado, com reuniões com investidores e potenciais parceiros, os negócios na área digital e financeira. As companhias, parte delas redes tradicionais e familiares, manterão seus negócios independentes, mas dividirão estruturas e serviços em comum, na tentativa de dar um salto maior em eficiência.
“A união é uma resposta ao ritmo forte de mudanças que passamos após a pandemia. A ideia é criar uma estrutura integrada que permeie várias atividades, como logística e produtos financeiros, reduzindo custos”, diz o vice-presidente de ativos setoriais da Abras, Rodrigo Segurado. “Deve ser anunciado o plano do banco na convenção [em setembro] e, ao mesmo tempo, a parte operacional do ‘marketplace’ deve começar a funcionar em 2022. Temos o sinal verde da atual gestão [da Abras], que conta com o aval dos associados”. João Galassi, presidente da Abras desde 2021, trouxe Segurado para a entidade para trabalhar especificamente essas pautas.
Atualmente são 90 mil lojas associadas à entidade, num setor dono de 7,5% do PIB e vendas totais de R$ 550 bilhões em 2020.
O projeto do marketplace vem sendo apresentado a investidores em “roadshows”, com valor do negócio estimado em R$ 8 bilhões, segundo análises preliminares. Há um investidor estratégico já fechado, German Quiroga (ex-Americanas e ex-Cnova) que entrará como sócio minoritário. Na iniciativa, já aprovada em assembleia de associados, os supermercadistas serão vendedores no marketplace, e terão acesso aos serviços de distribuição e do braço financeiro (como antecipação de recebíveis, por exemplo). Do total de 1,2 mil cadeias que fazem parte do ranking da Abras, 100 declararam interesse em entrar na plataforma.
O negócio terá uma marca, a ser anunciada nos próximos meses, e as varejistas parceiras da plataforma manterão suas políticas comerciais de forma separada. Segurado diz que empresas como Ambev, Coca, Heineken, JBS e BRF estão a par do modelo a ser criado, e devem entrar como parceiros num segundo momento, com acesso a base de dados gerada por cada rede de forma individualizada.
“Temos no planejamento ações de publicidade a serem criadas na plataforma, com participação da indústria, com verba em propaganda e nos lançamentos, por exemplo. Eles já anteciparam interesse que isso avance e vêm apoiando que novos canais digitais cresçam”, diz. A concentração maior do mercado nas mãos de poucas plataformas ou redes incomoda fornecedores porque reduz seu poder de barganha.
Paralelamente, vem sendo discutida a criação de um banco das supermercadistas. “Há o caminho de fazer um M&A [sigla para fusão e aquisição], com recursos da rodada de busca de investidores em andamento. É tudo um mesmo pacote. A ideia é ter um banco já com uma adquirente [braço que faz intermediação de pagamentos], de forma que possamos reposicionar a sua atividade com foco no setor”.
O vice-presidente preferiu não detalhar essas negociações. O que se viu recentemente foram alguns bancos comprando adquirentes e redes criando esse braço próprio, sem envolvimento de entidades setoriais. O difícil, nesses projetos, é a necessidade de capital de terceiros, num momento de mercado mais fechado, assim como eventual rejeição entre associados.
“Governança e transparência têm que ser um dos pilares, como sigilo total dos dados de cada rede, mas isso já está claro entre os associados. De qualquer forma, é mais provável que já lancem o marketplace, que não opera com exclusividade [a cadeia pode estar em várias plataformas ao mesmo tempo] e deixem para depois o fundo, que é mais complexo”, diz o diretor de uma rede de minimercados.
“O problema do fundo é que as redes nem sempre querem colocar os seus melhores ativos na cesta, o que vira um problema. Não adianta vir com loja ruim”, afirma ele. Contatos iniciais já foram feitos com gestoras como XP e BTG, para ver o interesse nessa estruturação. Procuradas, ambas não comentaram. Trata-se de um formato tradicional de investimento: cada rede aporta lojas ou centrais, separadamente, e, após a venda remunera o fundo com aluguel pelo ativo vendido. Ganham liquidez com isso, reforçando caixa e reduzindo eventual alavancagem.
Para Eduardo Terra, sócio-diretor da BTR Educação e Consultoria, o que muda agora é a pressão maior nos negócios das empresas, com a entrada no mercado dos aplicativos e o avanço na área de varejistas de outros segmentos, como Americanas e Magazine Luiza. “As empresas nunca estiveram tão conscientes de que precisam se mexer e rever modelos de atuação. E as associações entenderam a necessidade de buscar postura mais ativa. A questão é se a consciência das redes será o bastante para essa mudança mais profunda”, diz.
Com base no ranking geral do setor, as cinco redes líderes são donas de cerca de 25% do mercado. Estão nesse grupo Carrefour, GPA (ambos controlados por franceses) e os chilenos do Cencosud. Mas redes controladas por grupos locais representam mais de 70% do mercado – algumas são muito fortes regionalmente, mas parte está fora de marketplaces e tem gestão de patrimônio pouco avançada.
Fonte: Valor Econômico