Luís e Sérgio são filhos de Manuel, que é irmão de Antônio, pai de Pedro e Ricardo, primos de Antônio José, que por sua vez é filho de Maximino. Parece só uma árvore genealógica, mas é também a descrição de parte do time de executivos à frente da rede de supermercados Mundial. Todos são da família Leite, de origem portuguesa, parceira desde os anos 1950 dos Gomes de Castro, no comando da empresa há 70 anos. Hoje, o negócio é dirigido por Justino Oliveira Gomes de Castro, que herdou do pai o nome e o cargo de diretor-presidente, após sua morte, em 2014. O peso da longa tradição familiar se reflete no jeito de administrar a empresa. A marca é conhecida dos cariocas pelo preço baixo e por não aceitar cartões de crédito — e a opção está fora de cogitação.
Falar em tomar empréstimo para tocar o negócio é assunto proibido. Todas as despesas da companhia — desde a compra de mercadorias até a aquisição de terrenos e investimentos em novas lojas — são bancadas com o dinheiro guardado em caixa. Tudo como nos antigos armazéns.
O modelo de dívida zero é motivo de orgulho entre os sócios. Eles garantem que a empresa não deve um centavo sequer na praça, o que dá certa tranquilidade em momento de recessão. A equação por trás da estratégia é simples, explica Luís Cláudio Leite, diretor de Marketing, e está diretamente ligada à decisão de não vender a prazo. Hoje, as lojas do Mundial só aceitam dinheiro, cartões de débito e cartões de alimentação.
— Assim como pagamos à vista, vendemos à vista — ressalta.
A opção por não se endividar tem o custo de uma expansão mais lenta. Com 73 anos de operação, o Mundial tem 18 lojas. O porte é semelhante ao de concorrentes locais — o Guanabara, por exemplo, tem 24 unidades na cidade — porém menor que o de grandes varejistas nacionais. O Grupo Pão de Açúcar e o Carrefour têm mais de cem pontos de venda espalhados por vários estados do país.
Seguir esse caminho não está nos planos do Mundial. A empresa já foi sondada por concorrentes, no passado, mas recusou ofertas. Manter-se pequeno tem suas vantagens, segundo analistas de mercado.
— Talvez eles não queiram ser uma rede com muitas lojas. Com 18 lojas, trabalham muito mais tranquilamente que com 50, em que precisariam de dinheiro de investidor. Isso é importante num mercado instável economicamente como esse — avalia o consultor de varejo Marco Quintarelli, que já prestou serviços para a empresa.
Ulysses Reis, coordenador de varejo da Fundação Getulio Vargas (FGV) atribui essa maneira de gerenciar à herança do antigo varejo carioca de armazéns, que tinha forte presença de imigrantes portugueses. As duas famílias que comandam o Mundial vieram da mesma região de Portugal, o Minho.
— Parte disso vem dos ceboleiros, que se transformaram em atacadistas, distribuidores e, depois, supermercadistas. É uma forte tradição da maneira de gerir — observa Reis.
CRÔNICA AVERSÃO A MERCADO FINANCEIRO
Esse DNA é tão forte que, por muito tempo, esteve até no nome do negócio. A empresa nasceu em 1943 e, naquela época, era chamada de Armazéns Mundial Ltda. O nome atual só surgiu na década de 1970, quando a rede tinha sete lojas espalhadas pela cidade. A primeira unidade funcionava na Avenida Presidente Vargas, Centro do Rio, e foi demolida em pouco tempo, para construção de um viaduto.
Os Gomes de Castro adquiriram o negócio em 1946, três anos depois da fundação da primeira loja. A sociedade foi ampliada para incluir os Assunção Leite, a partir de 1958, quando Manuel José Leite e Antônio de Assunção Leite — até então funcionários — receberam cotas na empresa. Ambos são sócios da companhia até hoje.
Dificilmente uma decisão passa longe do crivo de um dos donos da rede varejista. Os executivos dão expediente em um escritório montado no centro de distribuição da empresa, em Bonsucesso, Zona Norte do Rio. A unidade emprega 800 dos 8.400 funcionários. Ali, os executivos recebem fornecedores e tomam todas as decisões, como alterar preços e repor estoques. É comum ver, sobre as mesas dos diretores, encartes e pesquisas de preços, realizadas semanalmente na concorrência.
O perfil mais tradicional influencia a estratégia de preços da companhia. A rede varejista também não pratica a chamada cobertura de preços, que se popularizou no setor. Nas lojas de concorrentes como Extra e Carrefour, clientes podem levar encartes de outras redes e exigir a cobertura.
— Se fez o preço na cobertura, por que não fazer antes? — questiona o português Paulino Costinha, na empresa há 15 anos, hoje responsável pela compra de vinhos, uma marca forte da rede e mais um traço da tradição portuguesa.
As estratégias são definidas em reuniões entre os próprios sócios, sem interferência de investidores. A palavra final fica com o diretor-presidente.
A estrutura familiar ajudou a driblar as pressões do mercado, que não faltaram. Segundo um ex-funcionário, bancos e até gerentes de loja já tentaram dobrar a tradição portuguesa e convencer os sócios a mudarem de opinião em relação à crônica aversão ao mercado financeiro. Nada feito.
— Tinha pressão de tudo que é lado. Mas a chance de eles aceitarem cartão de crédito é zero. Eles têm orgulho de dizer isso. Foram na contramão do mercado e não perderam clientela. E não ficam sujeitos às altas taxas cobradas pelas administradoras — conta esse ex-funcionário.
Segundo esse executivo, o formato de gestão do Mundial também permite economizar nas despesas fixas. Sem muitos profissionais do mercado, que cobram mais caro, o custo operacional se mantém baixo. Outra saída para gastar pouco é evitar os aluguéis. Das 18 unidades do Mundial, só três são alugadas.
SÓCIOS PREPARAM SUCESSÃO
A expansão é cautelosa. A empresa comprou recentemente um terreno em Niterói e está aguardando uma oportunidade para erguer a nova loja. Os sócios não revelam valores exatos, mas explicam que, para abrir uma filial, precisam de um terreno de pelo menos 10 mil metros quadrados. O desembolso seria de, no mínimo, R$ 10 milhões, mas os montantes variam de acordo com o mercado imobiliário.
Hoje, o grupo está focado na reestruturação das unidades em funcionamento. A loja de Copacabana, fechada para reformas, tem previsão para ser reinaugurada em meados deste mês.
Para manter a tradição, os gestores são formados no próprio dia a dia da loja. Luís Cláudio Leite, diretor de Marketing, conta que começou ainda adolescente na empresa, e os sócios já estão preparando a sucessão:
— Comecei com 18 anos, ia para a loja, servia frios, fazia de tudo. Agora, já está entrando em uma nova geração, alguns dos filhos já estão circulando pela empresa.
Fazer tudo com dinheiro do próprio bolso é uma prática que contraria um modelo que se tornou padrão no setor de supermercados, principalmente nos tempos de hiperinflação, em que o valor do dinheiro diminuía rapidamente, explica Ulysses Reis, da FGV, que considera as empresas cariocas as mais conservadores do setor.
— A política do supermercadista carioca sempre foi fazer uma boa negociação de compra com os fornecedores e evitar riscos de investimentos. Esse modelo deu certo até agora. Só não seria bom se a inflação voltasse a aumentar como nos anos 1990 — analisa.