É preciso estar pronto para se adaptar à abundância, mas também às crises. Esta sempre foi minha maneira de pensar e conduzir os negócios. Mas compreendi o quanto o tema se fazia urgente ao ler a carta da Sequoia, um dos mais importantes fundos de venture capital do mundo, sobre os impactos do coronavírus na economia.
O texto traz uma citação oportuna: “Não são os mais fortes nem os mais inteligentes que sobrevivem, mas os mais adaptáveis”. Em função de um problema de saúde global, este talvez venha a ser o pior momento econômico da história que já presenciei na vida. Mas estou certo de que passaremos por ele tão melhor quanto pudermos nos adaptar.
Reconheço no cenário atual uma singularidade. Em todas as crises que enfrentei desde a fundação da Arezzo, em 1972, o problema era sempre na oferta ou na demanda. Desta vez, vejo com clareza haver as duas coisas simultaneamente.
Apesar da constatação, estou calmo. Mais calmo do que costumo estar quando tudo vai bem. E mais calmo do que a maioria das pessoas com quem tenho encontrado. Percebi isso quando me perguntaram como eu podia estar em paz em meio ao atual turbilhão. Não soube responder de pronto, mas a questão me fez refletir. Concluí que se trata de uma combinação de fatores.
Empreender por mais de quatro décadas no Brasil significa já ter enfrentado uma série de crises, desafios e viradas no negócio. A Arezzo nasceu como uma pequena fábrica de sapatos fundada por meu pai, meu irmão e eu, sem que nenhum de nós entendêssemos do assunto inicialmente. Não nos tornamos sapateiros e criadores da maior varejista do setor no Brasil sem duras superações pelo caminho. A experiência me ensinou a passar por momentos adversos com serenidade.
Decidi compartilhar aqui alguns dos aprendizados que tanto os anos de bonança quanto os de crise me ensinaram, e que hoje me ajudam a manter a calma na turbulência.
1. Respeite a crise, mas foque no negócio. É a primeira vez que me lembro estar pensando e falando sobre a crise enquanto ela acontece. Hoje, já fora do dia a dia e do conselho de administração da Arezzo, tenho o papel de olhar para o negócio em perspectiva. Tenho, portanto, mais tempo para refletir sobre o presente e o futuro.
Mas enquanto estava à frente da companhia, mal me lembro das crises pelas quais o nosso país passou. Não porque eu negasse a realidade. Instintivamente, sabia que não podia titubear. Tinha que focar na empresa. Mais do que nunca, precisava identificar as oportunidades de melhoria, cuidar das pessoas e manter o crescimento. Agora vejo que esse movimento não calculado me ajudou a alimentar a capacidade de superação mais do que o medo dos obstáculos.
2. Toda crise traz oportunidades. Encontre-as. Seja qual for sua área de atuação, toda crise gera oportunidades. Sabendo disso, sua missão é descobri-las – com criatividade, inteligência e bom gosto. Pode ser o lançamento de um produto novo (e não estou falando de promoção, mas de algo novo mesmo, com projeto, engenharia e preço novos); a descoberta de um canal de distribuição mais adequado ao momento; a reavaliação de políticas de prazos; a suspensão de investimentos que podem esperar; ou o desenvolvimento de abordagens sedutoras para atrair os clientes.
Aproveite a saída forçada da zona de conforto para inventar algo que não teria espaço se a vida estivesse normal.
3. Respeite a demanda. Não antecipe a oferta. Um dos dilemas de varejistas em tempos de crise é manter um estoque menor, para evitar o risco de não ter dinheiro para pagar os produtos que não tiverem procura; ou um estoque maior, para ter a possibilidade de vender para aqueles que quiserem comprar em meio à redução da oferta. Minha posição é conservadora.
4. Adapte-se. Adapte-se. E adapte-se de novo. Só sobrevive quem consegue se adaptar. Sempre levei essa ideia a sério. É muito importante saber usufruir da abundância, assim como se fortalecer nos momentos de crise. Para mim, adaptar-se é o objetivo fim, e não o meio. Estou sempre em busca de algo para me adaptar. Essa mentalidade faz com que a vida se torne uma aventura contínua e sem pressa – em vez de uma sucessão de obstáculos que precisam ser superados.
Já desisti de negócios e ideias. Mas nunca desisti da busca constante que me move.
5. Permita-se retroceder. O que me faz viver nesta busca constante por adaptação é não nutrir expectativas por objetivos estáticos. Se, durante uma crise, o negócio entrar em baixa, tudo bem. Isso é permitido. Faz parte.
Não tenho medo da crise econômica porque acredito que o cenário é simples: ou vou superar as dificuldades ou vou retroceder. Admitir sinceramente essas duas possibilidades me traz calma. Não tenho a obrigação de ter abundância sempre. Tenho, sim, esse desejo, e trabalho para isso. Mas ter também a opção de retroceder é libertador.
Aceite que sua demanda pode encolher. Depois pode aumentar de novo. A verdade é que não existe negócio que só aponte para cima. Se você cair, caia com jeito para não se machucar a ponto de sair do jogo. Sempre se pode levantar – e avançar de novo.
Viveremos um período de escassez. Haverá uma redução drástica no volume de negócios no mundo todo. Viagens, eventos, reuniões estão sendo cancelados – e a situação ainda pode se agravar. Mas estou certo de que o melhor jeito de superar essa crise é enxergar além dela.
Porque, cedo ou tarde, ela vai passar. E o que construirmos nesse período pode permanecer e nos levar mais longe.
Fonte: Brazil Journal