Grandes varejistas, como as redes de supermercados Carrefour e Pão de Açúcar, e indústrias de alimentos, entre elas a BRF, terão que fazer desembolsos milionários para pagar dívidas referentes ao uso de créditos de ICMS sobre produtos da cesta básica. As empresas tentaram, em uma última cartada no Supremo Tribunal Federal (STF), minimizar os prejuízos que tiveram com decisão desfavorável em 2014. Porém, pela segunda vez, os ministros negaram pedido para que o entendimento não fosse aplicado para o passado — a chamada modulação dos efeitos.
Os valores previstos nos balanços das empresas dão uma ideia da importância da disputa. O Grupo Carrefour Brasil discute a questão por meio de 242 processos em todo o país, que somam R$ 853,23 milhões. Já a BRF estima perda possível de R$ 816,37 milhões e o Pão de Açúcar informa ter provisionamento de R$ 92 milhões.
Para os Estados, a vitória no STF representa um ingresso considerável de recursos. O governo do Rio Grande do Sul, por exemplo, estima ter a receber aproximadamente R$ 650 milhões, garantidos por carta de fiança ou seguro garantia.
A maioria dos ministros votou a favor dos Estados. Com um placar de nove a um, decidiram em 2014 que os contribuintes que comercializam produtos da cesta básica — e portanto têm direito a benefício fiscal de ICMS — não podem utilizar integralmente os créditos do imposto estadual, a menos que exista norma regulamentando o tema.
O caso julgado é da empresa gaúcha Santa Lúcia (RE 635.688), que havia aproveitado benefício previsto pelo Convênio nº 128, de 1994, aprovado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O texto autorizou os Estados e o Distrito Federal a reduzir em até 7% a alíquota de ICMS dos produtos da cesta básica, como forma de desonerar as mercadorias.
Parte dos créditos da varejista foi cancelada pelo Fisco. A empresa comprou feijão, que compõe a cesta básica, pagando 12% de ICMS, e pediu o creditamento integral, apesar de ter revendido a mercadoria ao consumidor final com a alíquota reduzida.
A questão é acompanhada por diversas entidades. Participam como amicus curiae (parte interessada) a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o Sindicato da Indústria do Mate do Estado do Rio Grande do Sul, a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) e a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
Depois da derrota, a varejista recorreu, pedindo um limite temporal para a decisão. O Plenário da Corte não levou mais de quatro minutos para negar o recurso (embargos de declaração). Ela apresentou, então, um novo pedido (segundos embargos de declaração), que foi negado na sexta-feira.
Nos novos embargos, ao invés de pedir a modulação tradicional, limitou ao intervalo anterior a 2005, quando a jurisprudência mudou e passou a ser contrária às empresas. Era uma forma de minimizar as perdas de quem tem ações judiciais mais antigas sobre o assunto.
“Agora vai ter que pagar. Se apresentarem terceiros embargos de declaração, o STF pode multar por litigância de má-fé”, afirma o tributarista Tiago Conde, do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Advogados. Porém, ele entende como necessária a modulação dos efeitos por causa da mudança da jurisprudência.
Para a advogada Adriana Stamato, do escritório Trench Rossi Watanabe, o caminho agora poderá ser aderir aos programas de parcelamentos abertos por Estados, como São Paulo. “As empresas já estavam com as barbas de molho sobre o assunto”, diz.
A advogada também não acredita que terceiros embargos de declaração sejam uma alternativa, pelo risco de multa. “O Fisco continuou autuando [desde a decisão de 2014], mas as empresas estavam esperando o leading case”, afirma. A decisão, acrescenta, aumenta os custos das varejistas e traz um ponto que deveria ser discutido na reforma tributária, que é a existência de benefícios tributários reais aos produtos da cesta básica. “Se você estorna o crédito, passa a ser um benefício relativo.”
Procurada pelo Valor, a defesa das associações informou que vai aguardar a publicação do acórdão. A rede Santa Lúcia não foi localizada para comentar a decisão. O Carrefour informou que o impacto no caixa dependerá do cronograma de seus processos e de quando serão encerrados. Pão de Açúcar e a BRF não deram retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico