Toda crise é sinônimo de oportunidade. Que nesses períodos sempre ocorrem mudanças, isso é certo. Porém mudanças para melhor exigem estratégia e muito trabalho. Uma das referências que se podem encontrar, no meio desse mar revolto da nossa economia, é a transformação digital, que se configura como uma grande atividade econômica similar ao que foi no passado a indústria do petróleo. O dado alimenta uma nova economia e o seu tratamento justifica investimentos bilionários que estão sendo responsáveis por recriar atividades como a do varejo. Afinal, toda loja abriga marcas e consumidores e esse relacionamento gera uma infinidade de dados.
O nosso objetivo aqui, caro leitor, é apresentar o modelo da Loja 4.0, constituído por diversas inovações disruptivas
desenvolvidas por startups brasileiras. Esta é, portanto, uma demonstração de que a crise tem sido bem aproveitada
por aqueles que se dedicam a propor algo novo, a repensar modelos atuais e a estudar profundamente como as
novas tecnologias podem melhorar a vida das pessoas.
Assim, este artigo é baseado em um estudo que relata a existência de 115 startups brasileiras responsáveis pela criação de softwares e hardwares para varejistas no país. Essas startups oferecem soluções que envolvem internet das coisas, realidade virtual e realidade aumentada, robótica, inteligência artificial, aplicativos mobile, engajamento de consumidores e operações de rotina da loja com colaboradores. Vale ressaltar que esse levantamento utilizou as bases de dados da aceleradora Liga Ventures, da Associação Brasileira de Startups (ABS), com cem startups abertas e foi publicado pelo Oasis Lab, de São Paulo.
O varejo depois da crise
A expressão Retail 4.0 indica a integração entre varejo off-line e on-line, demonstrando que a experiência do cliente mudou por conta da transformação digital. Hoje, a nova economia desafia os varejistas a enfrentar novas formas de atender seus clientes.
O estudo que utilizamos como referência indica que as startups brasileiras estão extremamente focadas na questão da inovação. Por meio de uma mandala é possível notar essas mudanças, com base em sete eixos e 15 categorias, usadas para classificar o tipo de inovação na Loja 4.0 e o negócio em que cada uma das 115 startups pesquisadas atua visando melhorar a experiência de compra.
A inovação tem sido a saída encontrada pelas empresas para superar a crise, com melhorias e com ofertas de novos produtos e experiências diferenciadas ao consumidor. E não foi apenas na manufatura que vimos inovação. Os distribuidores costumam seguir essas mudanças que se deslocam do multicanal para o omni-channel.
As lojas físicas não são mais o espaço para melhorar as vendas e, com as novas aplicações, não serão apenas um
showroom. Essas mudanças enfrentam algumas dificuldades, como a promoção de novas experiências para os shoppers no ponto de venda. Mas como os consumidores lidam com essas mudanças? Será que as estratégias podem ser bem-sucedidas?
A diversificação dos formatos das lojas brasileiras por influências digitais começa a atrair a atenção de
pesquisadores, como consta em Diferenças no composto varejista de lojas físicas e virtuais da mesma rede (Revisa
de Administração Contemporânea), dos autores Mário Duarte dos Santos Machado e Sergio Feliciano Crispim.
Segundo indicam Robert Dent, Fatih Karahan, Benjamin Pugsley e Ayşegül Şahin no artigo The role of startups in structural transformation (2016), as startups representam o motor de uma transformação estrutural em todo o mundo. E os motivos dessa diversificação e diferenciação estão associados a tecnologias inovadoras e perspectivas de maiores lucros ou disputas em mercados mais competitivos. A convergência entre o que é físico e virtual criou novos mercados para as empresas. Em um mundo com capacidade produtiva excedente, a criação de novos mercados é um espaço de sobrevivência, criação de valor e crescimento.
A aplicação conjunta de soluções digitais no espaço físico de uma loja representa o conceito de Retail 4.0, no qual a integração completa de todos os canais disponíveis para compra aumentou significativamente a quantidade de dados e diversificou as fontes de dados.
Em Smart Retail 4.0 IoT consumer retailer model for retail intelligence and strategic marketing of in-store products,
Athul Jayaram estudou a importância da conexão entre modelos tradicionais de Retail com o Analytical Intelligence a partir da utilização do big data. O surgimento dessa nova forma de relacionamento com o consumidor no varejo está associado à sua mudança de perfil que, no presente, já tem à mão, via smartphone, uma série de ferramentas que o aproximam do comércio eletrônico com o local de compras, seja ele físico ou digital.
Por aqui, os smartphones estão cada vez mais populares. Em 2015, de acordo com a Euromonitor, mais de 60% das famílias brasileiras tinham smartphones, o que transformou o Brasil no quarto maior mercado mundial, atrás de
China, Índia e Estados Unidos. Demografia e renda poderiam explicar esses índices. Acontece que o Brasil tem menores renda per capita e população que os demais países. Logo, o que explica a nossa posição de destaque é o fato de que, no Brasil, possuir um smartphone é símbolo de status, um estilo de vida, uma maneira de estar conectado com amigos e familiares. Mas o estilo de vida do consumidor brasileiro está mudando e os mercados de varejo on-line no país devem se beneficiar significativamente da crescente popularidade da internet por meio de dispositivos digitais.
O conceito Loja 4.0 tem relação direta com a facilidade da experiência de compra por meio da inteligência digital
e pode criar uma cópia virtual do mundo físico. A tecnologia sempre será um meio para aproximar o produto e o serviço do consumidor final. Basicamente, o que queremos é que o cliente esteja satisfeito com a compra, melhorando assim sua experiência com bens e serviços adquiridos. A inteligência digital permite ao consumidor comprar em casa e ir à loja apenas para obter o produto, evitando filas, prateleiras vazias e ainda receber ofertas de produtos que realmente interessam.
O ano de 2014 marca uma mudança significativa na política econômica. A opção de austeridade, após anos de estímulo ao crescimento da demanda, resultou em queda nos salários reais, parcialmente compensada pela queda dos preços. O endividamento das famílias, resultante das medidas implementadas como parte de uma estratégia de crescimento liderada pelos salários, ainda limita o orçamento e as despesas de consumo. A recente crise no Brasil afetou significativamente o varejo brasileiro, marcado por desemprego, falta de confiança e instabilidade política.
O varejo sofreu mudanças no cenário mundial, que também foi impactado pela grande crise econômica global encerrada no momento em que o Brasil iniciou o seu ciclo de crise. Por aqui, assim como lá fora, as mudanças aceleram estratégias de superação da concorrência em um mercado que se torna menor momentaneamente.
Durante períodos de recessão, consumidores ficam propensos a economizar dinheiro, a buscar melhores preços,
a economizar tempo e distância para comprar e também para testar novas marcas e experiências. Em tempos de
adversidade no ambiente econômico, é mais evidente a necessidade de varejistas serem inovadores e produtivos para alcançar níveis satisfatórios de competitividade.
No presente estudo, foram classificadas as startups brasileiras em macrotendências e categorias de inovação que estão afetando a experiência de compra na loja física, em um total de sete macrotendências e 15 categorias. A classificação das macrotendências foi baseada no estudo Gartner identifies the top 10 strategic technology trends for 2017, sobre tecnologias que irão influenciar a inovação no contexto organizacional.
A classificação das categorias de inovação baseou-se no estudo global CB Insights, de 2016. Para consultar as startups brasileiras, utilizamos os seguintes bancos de dados:
Oasis Lab Innovation Space; Associação Brasileira de Startups (ABS), Open 100 Startups Ranking; e Accelerated Liga Ventures. Para que a startup fosse elegível e indicada no estudo, os critérios avaliados foram: estar com o CNPJ
ativo há mais de um ano; apresentar uma receita mensal mínima; ter ao menos um cliente de varejo testando ou
implementando inovações tecnológicas; e não contar com investimentos de grandes fundos ou de outras fontes.
A análise das inovações apresentadas pelas startups nos últimos tempos deu origem a uma mandala dividida em sete eixos:
Eixo 1
– AI | A inteligência artificial (AI) mostra aplicações que podem atuar como assistentes de compras digitais, orientando os clientes ao longo de sua jornada. A tecnologia permite que os clientes da loja façam perguntas sobre os recursos dos produtos no ponto de venda, assim como sobre os serviços e instalações, recebendo respostas personalizadas. Os recursos da AI são dedicados às resoluções das dificuldades do vendedor em realizar serviços personalizados e padronizados na loja.
Eixo 2
– Pagamentos | Plataformas e meios de pagamento geram e automatizam pagamentos para consumidores, fornecem infraestrutura para transações e opções digitais para clientes em uma loja física. Endereçado para curar a “dor” das filas nas lojas, pela compra e pagamento no local onde a venda foi realizada, sem a necessidade de se dirigir ao caixa central.
Eixo 3
− Engajamento do consumidor | Programas de incentivo de oferta de fidelidade/consumidor para envolver clientes na fidelização e recorrência de compras. Há uma procura por soluções que atendam ao problema de baixa participação e adesão dos consumidores aos atuais programas de relacionamento. Ainda no eixo 3, temos soluções de CRM que fornecem aplicativos visando auxiliar a disseminação, criação de marca e a ativação de clientes, além de meios para capturar informações e feedback dos clientes. Esse tipo de tecnologia se propõe a resolver problemas para a falta de padronização de campanhas de marcas no varejo, a baixa personalização de ações promocionais e a falta de engajamento pela geração mais jovem de consumidores.
Eixo 4
− Internet das coisas (IoT) | Beacons — Analytics and Marketing: fornece hardware e software para ajudar as lojas a acompanhar os visitantes. Concentra-se na coleta de dados para análises internas, como monitoramento de mercadorias e promoções. Isso é direcionado à falta de personalização da campanha promocional off-line, dificuldade em medir a taxa de sucesso e conversão de ações de marketing na loja física. Corredor e soluções de exibição interativa que tornam o corredor da loja mais interativo e tangível, proporcionando uma experiência imersiva e enriquecedora durante a jornada do cliente. Aplicativos superam os recursos da comunicação off-line, como falta de padronização na comunicação, dificuldade em medir a conversão de vendas com campanhas off-line e baixa interatividade e atração do cliente. O Internal Mapping & Analytics mostra aplicativos que criam mapas internos detalhados das lojas e a via de passagem do consumidor por meio de dispositivos conectados por intermédio de um mapa de calor e insights sobre distribuição de produtos e serviços no espaço físico. A tecnologia ajuda a melhorar a exposição de produtos na loja, feita atualmente sem base histórica da jornada off-line do cliente, e melhora o caminho das compras do consumidor (path to purchase) quando este é desconhecido. O branding pela música auxilia a loja a gerenciar seus playlists e as reações dos clientes, além de ajudar a lidar com o repertório musical desalinhado à proposta de valor da marca, a ausência de estratégia de marketing sensorial e a baixa retenção de clientes na loja.
Há ainda o Wi-Fi guest shopper — soluções de conveniência que proporcionam comodidade ao cliente dentro da loja com o objetivo de causar uma experiência de estadia, além das expectativas da compra. Usa-se quando o consumidor tem acesso limitado ao pacote de dados da internet, dificuldade em acessar canais digitais e informações dentro da loja ou não acessa promoções digitais devido à limitação de dados.
Eixo 5
− Mobilidade | Contate-nos | Cloud | Concentra-se nas ferramentas do colaborador da loja, servindo como canal de comunicação e treinamento digital para funcionários do varejista. Fornece soluções para quando há alto volume de
negócios envolvendo a equipe da loja ou quando a necessidade de treinamento é constante. O sistema de gerenciamento de lojas funciona de forma simples e providencia o controle e o registro de todos os movimentos que ocorrem nas lojas. É usado para reverter a ineficiência operacional, a falta de padronização, o controle e o gerenciamento de processos e déficit de sistemas. Já as plataformas omnichannel integram lojas físicas, e-commerce, ferramentas de relacionamento e promoção on-line para off-line ou “O2O”, permitindo uma experiência de compra perfeita e integrada. Cura a “dor” da assimetria de ofertas, da disponibilidade e do serviço entre os canais on-line e off-line, além da baixa taxa de recompra no varejo.
Eixo 6
− Operações | Smart Point of Sale Solutions ajudam as marcas de bens de consumo a monitorar a exposição das mercadorias nas prateleiras das lojas e a rastrear a reposição do produto, bem como gerar informações sobre os
preços e o posicionamento na exposição. Também auxiliam no monitoramento e na otimização da operação do
inventário, reduzindo erro de contagem manual, custo, quebras no ponto de venda, perda de venda (falta de fornecimento de produtos) e reabastecimento sem demanda planejada de previsão. Aplicativos para promoções e
recompensas reúnem ações de compra, comparações de preços, cashback e reservas, recompensando o cliente com descontos e vantagens. São voltados ao momento em que o consumidor não percebe vantagens no programa, ou quando a pontuação se dispersa por vários programas de recompensa e quando há dificuldade em rastrear o histórico de pontuação.
Eixo 7
− Vr | Ar | Realidade virtual e/ou aumentada fornece novas interfaces de serviço e relacionamento entre clientes e varejistas e visa ampliar os recursos de exposição e experimentação de produtos e de promoções que podem passar a ser especialmente desenhadas a cada cliente. São tecnologias criadas para atender mudanças no comportamento de compra do consumidor, que exige maior acesso aos canais digitais para realizar sua compra. Atende à próxima geração de requisitos de consumo digital em novas interfaces de compras ou aquelas que promovem uma experiência ampliada da realidade.
O desenvolvimento do presente estudo permitiu a elaboração de um mapa seguido de análise sobre como estão divididas as startups brasileiras que se dedicam a criar soluções inovadoras para o varejo. No mapeamento, é possível notar que o maior número de startups está relacionado ao gerenciamento de lojas e ao engajamento e fidelização do consumidor. O foco em soluções para aprimorar o gerenciamento de lojas implica a busca por eficiência e redução de custos. Já as startups que se dedicam a encontrar melhores meios para engajar e fidelizar consumidores procuram ajudar os varejistas a vender mais e a manter clientes ativos. Ambos os esforços indicam, portanto, que a crise e o aumento da concorrência em um mercado recessivo são grandes alavancas para o surgimento de soluções específicas para a atividade varejista.
Esse estudo revela o estado da arte da inovação no varejo e deixa claro que, mesmo em tempos de crise, se torna necessário buscar novas formas de operação e atendimento ao cliente por se constituírem em grandes fontes de oportunidade de aprimoramento da gestão. Esta parece ser a receita das empresas que desejam ocupar lugar de liderança nos próximos anos de crescimento.
Fonte: Oasis Lab