Por Maria Luiza Filgueiras | A SouthRock, a consultoria Galeazzi e o banco UBS BB estão correndo contra o tempo para conseguir um acordo estratégico para as marcas do grupo, o que depende diretamente de um alinhamento com as matrizes de Starbucks, Subway, TGI Fridays e Eataly, potenciais compradores e credores. A companhia já pediu recuperação judicial da maioria das marcas, ainda não concedida pela Justiça, mas tem boa parte de dívida não submetida ao processo judicial.
Credores começaram a remarcar os papeis dessas controladas na carteira — em ajustes que vão de 5% a 70% —, num ambiente de desconfiança entre eles. Uns veem falta de isonomia nas informações sobre a real situação financeira do grupo nos últimos meses, o que teria viabilizado a outros maior proteção contra perdas. Ao menos três gestoras, expostas a outras marcas, defendem a inclusão da Subway no processo judicial e um fundo de recebíveis da SPS (agora Vinci) acaba de formalizar o pedido à Justiça, apontando um “cherry picking ilegal” da SouthRock, dada a “confusão patrimonial” entre as empresas, segundo a petição assinada pelo escritório Tepedino, Berezowski. (A Vinci não deu entrevista).
Enquanto isso, o perito designado pelo TJ-SP para averiguar a situação da SouthRock e controladas tem visitado unidades da Starbucks em diferentes cidades e a Galeazzi começou a convocar credores para a mesa de negociação, tentando destravar o fluxo de recebíveis das lojas.
O Pipeline conversou, nos últimos dias, com mais de 10 envolvidos na operação e acessou uma série de atas e documentos relativos ao grupo. Credores e fornecedores se dizem impressionados com a velocidade com que o negócio desandou nas últimas semanas e veem falta de transparência da administração do grupo, que teria omitido informações relevantes — como o termination notice da Starbucks, para rompimento do contrato de licença, e também o rompimento do contrato de licença já declarado pela matriz da Subway.
Nas palavras de um credor, diante da piora de suas condições financeiras no último ano e meio, a companhia lançou mão da estratégia conhecida no pôquer como “all-in”, colocando todas as fichas num M&A. E os credores acompanharam a aposta.
Em reuniões em setembro e início de outubro, o grupo sinalizava avanço em conversas com um potencial comprador, a Cacau Show. A companhia de Alexandre Costa negociava a operação da Starbucks Brasil e a operação da Subway no país, que têm formatos distintos. O UBS também já tinha conversado com fundos de private equity, mas sem avanços, e sondado outros estratégicos, como os controladores de Outback e do Coco Bambu.
Os assessores alertaram, no entanto, que a Starbucks US tinha direito de preferência e poderia exercê-lo. Diante da inadimplência de royalties, a Starbucks já tinha contratado a FTI e o escritório Pinheiro Neto para averiguar a situação local e uma eventual transação, uma vez que a SouthRock tem os pontos de venda.
A expectativa aventada pela administração a credores era de um aporte no curto prazo da ordem de US$ 45 milhões pela matriz, que poderia se dar por debêntures conversíveis, ganhando fôlego para as tratativas e diligências. Numa reunião em meados de outubro, investidores que detêm títulos de dívida da Starbucks local discutiam um standstill de 90 a 120 dias à espera do aporte. O UBS participou na reunião com casas como Sofisa, Riza, ABC, Pine, Industrial, BB, Iridium.
Meses antes, o Modal havia liberado um empréstimo ponte de R$ 30 milhões para a operação local da Starbucks, que planejava uma emissão de CRI para refinanciar a dívida — mas cujo atrativo também seria o M&A. Uma das casas interessadas em alongar os passivos em títulos com mais garantias era a Ibiúna, que detém cerca de R$ 110 milhões em papeis do grupo, entre Starbucks e a controlada Wahalla. (Procurados, Modal e Ibiúna não comentaram.)
Naquele momento, a informação que credores receberam é que Kenneth Pope, CEO e maior acionista da SouthRock, estava em Seattle, em conversas animadoras com a Starbucks para resolver a estrutura de capital. No entanto, conforme o pedido de recuperação judicial revelou, naquela data a SouthRock já tinha recebido a comunicação da matriz para rescisão contratual, o que não foi informado a credores.
A comunicação da Starbucks teria sido feita em 13 de outubro. Também foi nesta data que a gestora Riza, que tem cerca de R$ 150 milhões de exposição ao grupo, aprovou a postergação de pagamento das debêntures da Subway de 15 de outubro para 15 de novembro, mostrando que essa controlada também já tinha problemas financeiros. Essas debêntures, usadas como financiamento do contrato da SouthRock com a matriz da marca de sanduíches, têm como garantia a totalidade de ações da Subway Brasil Participações, sem a possibilidade de liberação da garantia até a total quitação das obrigações.
Com atrasos nos repasses, a matriz da Subway mandou um emissário da Deloitte para escarafunchar a situação financeira da operação comandada pela SouthRock no Brasil. Ainda que já tenha comunicado a rescisão contratual, a Subway colocou como condição para continuidade de conversas a não inclusão da marca no pedido de recuperação judicial, enquanto na marca de cafeteria a situação já estaria mais estressada.
“Existe o rompimento jurídico e o comercial, e este ainda está acontecendo”, explica uma fonte sobre a posição da Subway. A operação é menos complexa, já que se trata de uma recebedora de royalties, basicamente, com pouquíssimas unidades próprias — enquanto na cafeteria toda a operação era feita pela SouthRock. Mas isso também tornaria o contrato mais sensível, já que bastaria mudar um CNPJ, apontam as fontes. “A SouthRock precisa ser parte dessa negociação ou sai sem nada”, diz outro executivo.
Outra razão para a Subway não ter sido incluída no pacote que pede recuperação judicial é aquela vinculação das ações aos títulos da Riza e outras casas que entraram no acquisition finance.
Nos números apresentados informalmente a credores, a Cacau Show colocaria cerca de R$ 400 milhões na Subway, sendo que cerca de R$ 320 milhões seriam para as dívidas e, portanto, subiriam R$ 80 milhões para a holding SouthRock — insuficiente para resolver o problema financeiro todo do grupo, mas algum alívio na estrutura de capital.
O nome do potencial comprador agrada a matriz, por ser um empresário capitalizado, com acesso a financiamento, e já com experiência no setor de alimentação. Costa segue nas tratativas, segundo fontes. A SouthRock tem “fortes expectativas” de conseguir fechar o acordo em duas semanas, disse um executivo. Ao Pipeline, Costa disse, em setembro, que estava avaliando marcas internacionais e, com assessoria da EY, preparava um anúncio importante para novembro ou dezembro. (Procurada, a Cacau Show não deu retorno.)
Em meio às negociações, a SouthRock começou a tentar cortar custos, com a ajuda da Galeazzi. Conforme as projeções feitas pela consultoria a credores em outubro, sem uma reestruturação de dívida, a SouthRock encerraria o ano com perda operacional de quase R$ 12 milhões, ainda que Starbucks e Subway estivessem gerando caixa. TGI Fridays e Eataly fecham o ano em terreno negativo e se mantém com perda em 2024. Com uma reestruturação, a Galeazzi vê potencial para um Ebitda de R$ 97,2 milhões ao fim de 2024.
Esse plano já incluía o fechamento de 36 lojas não rentáveis da Starbucks, do total de 189. Esse grupo mapeado tem vendas líquida de R$ 61,5 milhões com queima de caixa de R$ 8,6 milhões. Na TGI, duas lojas deficitárias (Shopping Center Norte e Aricanduva) serão fechadas e as outras duas restantes (Pátio Paulista e Morumbi) transferidas para a administração da BAR, para eliminar custos administrativos. A BAR, por sua vez, fecha seis de suas 33 lojas em aeroportos.
A Galeazzi calculou uma redução de 49% das despesas da SouthRock com a criação de um centro de compartilhamento de serviços, otimizando custos como marketing, jurídico e TI. O material da consultoria parece tratar de outra realidade daquele apresentado pela companhia nas conversas com potenciais investidores, onde a SouthRock Foods é colocada como consolidadora, destacando “maior”, “melhor” e outros adjetivos para assegurar a expansão orgânica e inorgânica do negócio e seu amplo mercado endereçável.
“A companhia concentrou o discurso e a energia nesse caminho de M&A, com o taxímetro rodando”, resume um credor.
No Eataly, que queima R$ 7,3 milhões anuais, o desfecho seria a venda. A SouthRock já tinha um acordo de confidencialidade com a Panza&Co, apurou o Pipeline, justamente o grupo que tentara comprar a marca antes, e foi ultrapassada por Pope. A RJ muda os ritos de negociação, mas as companhias continuam em conversas sobre potencial tratativa agora em âmbito de leilão judicial. (A Panza&Co não deu entrevista.)
O management esperava recursos líquidos da ordem de R$ 15 milhões com essa venda do Eataly — o que pessoas que conhecem a operação consideram “um projeção que parece exageradamente otimista”.
Luz amarela
Credores ficaram mais próximos do grupo a partir de julho, quando o executivo Luiz Guilherme Camasmie, sócio da consultoria financeira LGAC e ex-sócio da Perfin, afirmou em grupos de WhatsApp que a SouthRock teria usado o fundo de royalties da Subway como garantia da operação de compra — sem a anuência dos franqueados, o que seria exigência contratual.
Com o burburinho, alguns credores chegaram a procurar o ex-sócio para entender as acusações de toda ordem. Alguns disseram ao Pipeline que viram “exageros” nas declarações, outros buscaram reduzir risco. No dia 1 de agosto, a Riza incluiu nova garantia de Pope em seus CRIs da Starbucks, tomando 20% das ações da controlada Star Participações. A emissão já tinha a alienação fiduciária de imóvel do empresário no Guarujá. Também foi incluída, na data, a previsão de vencimento antecipado das notas comerciais que dão lastro ao papel, caso a devedora ultrapassasse o endividamento de R$ 900 milhões.
A Riza ficou mais perto da SouthRock dada sua exposição à dívida e também porque tinha estruturado algumas das operações, trazendo outras casas. Segundo credores, a casa é quem informava aos demais sobre o andamento das questões da SouthRock e quem organizava reuniões para que UBS ou Galeazzi pudessem apresentar atualizações ao grupo.
Um investidor questiona se a Riza tinha conhecimento do rompimento das licenças, já que estava “dentro” na empresa. Uma pessoa próxima à Riza refuta essa hipótese e diz que é o perfil da casa estar próxima a investidas, especialmente em casos de reestruturação, como SouthRock e Light. “Tem credor analisando com o fígado agora, mas o fato é que a recuperação operacional interessa a todos os credores”, diz a fonte. (A Riza não deu entrevista.)
Ao Pipeline, Camasmie disse que resolveu dar publicidade ao tema dos franqueados da Subway depois que Pope tentou executar uma dívida sua de R$ 4 milhões após ter deixado de pagar a ele cerca de R$ 9 milhões em comissão pela transação da Starbucks. “Eu trouxe o investidor e faríamos a operação juntos, mas só fiquei com dívida”, afirma Camasmie.
Nascido em Oklahoma, Pope chegou ao Brasil em 2008, para prospectar operações para a Laço Management, vinculada à Riata — grupo cuja origem do capital é o setor de óleo e gás. A Riata pertence ao empresário texano Malone Mitchell III que, segundo Camasmie, é tio de Pope.
O fundo comprou participação no Empório Santa Maria, em São Paulo, depois incorporado pelo grupo St Marche. Pope negociou com o empresário José Roberto Auriemo a compra da hamburgueria Fifties, que entrou em dificuldades financeiras após o novo dono colocar em marcha um plano de abertura de 50 lojas. Mas teria sido numa negociação com a China in Box que Pope e Mitchell teriam rompido as relações comerciais.
Jovem empresário, Pope resolveu abrir sua própria holding de marcas de consumo, a SouthRock, em 2015. Começou com a BAR, a rede de restaurantes em aeroportos. O financiamento inicial veio da gestora de crédito Prudent Brazil, identificada como PG3 na lista de credores, que também ajudou a financiar a transação com a Starbucks.
Pope fechou com a Starbucks em 2018 por um prazo de 15 anos, renovável por mais 15. A marca é o principal negócio da SouthRock, em termos de receita.
O balanço da Starbucks Brasil, consolidado em 2022, mostra prejuízos acumulados de R$ 334 milhões. Nos empréstimos e financiamentos, constam cédulas de crédito bancário que chegam a CDI mais 10% de custo. No primeiro quadrimestre de 2023, a companhia fez mais captações, ao custo de até CDI mais 7,6% com prazos de dois e três anos.
Os empréstimos vinham sendo tomados para manter o ritmo de inaugurações. Depois do baque da pandemia, a SouthRock quis acelerar, o que gerou um descasamento de caixa. Em 2022, a companhia inaugurou 36 cafeterias e, no início de 2023, já tinham sido abertas outras nove.
Uma das complexidades de entender o endividamento total da SouthRock, segundo credores, eram avais cruzados entre as companhias. “No balanço, alavancagem era de 5,7 vezes em 2022. Mas, contabilizando avais cruzados das operações em crédito tomado em SPE não operacional, isso ficaria em quase 11 vezes”, diz um credor em CRIs. A SouthRock tomava crédito por meio de novas Sociedades de Propósito Específico, lastreadas nas empresas operacionais ou com avais pessoais do acionista, antes de um grupo razoável de lojas ter desempenho maduro o suficiente para sustentar a operação, dizem as fontes.
“O setor de alimentos sofreu muito com a pandemia e o balanço da companhia, por isso e pelo crescimento, sempre foi um pouco estressado. Precisavam de dinheiro para crescer e as lojas ainda estavam maturando”, diz um investidor, antes confortável com a alavancagem. “Foi um plano de crescimento no momento errado, com custo errado e uma estrutura administrativa e operacional super dimensionada”, emenda outro credor.
Nos últimos meses, no entanto, a companhia começou a reverter as aberturas, mais aceleradamente de setembro para cá. Ao menos 45 unidades da Starbucks não estão em funcionamento atualmente, ainda que só 36 fechamentos fizessem parte do plano traçado pela Galeazzi.
Isso porque um dos caminhos para obter crédito, de grupos como a Prudent ou o Banco do Brasil, é o volume de recebíveis que essas unidades tem — já que as marcas, por si só, são vendedoras. Também funciona no mercado de capitais: uma das emissões de CRIs da Starbucks, por exemplo, tem os recebíveis de débito e voucher de 19 unidades como garantia. Diante de inadimplência dos títulos, esses recebíveis são travados pelo agente fiduciário e a loja fica sem capital de giro para operar.
O Pipeline apurou que 80% do volume de vendas de Starbucks têm sido retidos como garantidores dos títulos de dívida — o que a Galeazzi tenta destravar com credores. “Mesmo com a liberação desses recebíveis, a companhia ainda precisaria de aporte”, diz um investidor próximo às conversas. Os credores querem a ponte diretamente com a FTI, para conhecer a posição da matriz da Starbucks, e tentam uma reunião ainda nesta semana.
Entre as outras casas com papéis ou crédito de alguma das controladas do grupo na carteira estão Augme, Kilima, SWM, Verde, Santander, BV e BS2. A Starbucks Corporation diz estar ciente da decisão da SouthRock de reestruturar suas operações comerciais mas afirma que não comenta discussões internas com os parceiros licenciados. A matriz da Subway não deu retorno até o momento desta publicação.
Procurada, a SouthRock não deu entrevista. O Pipeline encaminhou algumas questões sobre o relacionamento com credores e as conversas com potenciais compradores das marcas e a companhia respondeu, em nota, que “não comenta detalhes da sua relação com parceiros de negócio e nem dos processos em andamento.”
Fonte: Pipeline Valor