Hering registrou receita recorde; balanço mostra como expansão amplia margem até em ambiente desafiador
Por Graziella Valenti, Karina Souza
O Grupo Soma teve um quarto trimestre de recordes e entre eles um que merece destaque. A Hering alcançou a maior receita trimestral de sua história: foram quase R$ 650 milhões em vendas brutas. Esse foi o primeiro trimestre ‘cheio’ com a marca centenária. Com isso, a receita líquida consolidada do grupo somou R$ 1,2 bilhão, uma expansão de 156%. O crescimento, porém, não veio apenas dessa aquisição, a maior já feita pela empresa. Sem considerar a marca catarinense, a receita líquida somou R$ 658 milhões — 38,6% mais do que em igual período de 2020 e 78,5% acima do que foi em 2019, antes da pandemia.
O balanço linha a linha é uma tradução do estilo ‘Roberto Jatahy’ de gestão: cuidar dos canais de venda, que vão garantir a demanda e o crescimento, e buscar na sequência os aumentos de eficiência na cadeia que vão se traduzir em aumentos de margem ao longo do tempo. “Não é trivial gerir um negócio que cresce 40% ao ano”, enfatiza o presidente do Grupo Soma, em entrevista ao EXAME IN, apontando os desafios de execução disso no setor de moda, ao mesmo tempo em que demonstra satisfação.
Desconsiderados efeitos extraordinários como pagamento de participação nos lucros e gratificações mais custos com a aquisição da Hering, o grupo teve lucro líquido de R$ 112 milhões, ou 180,5% maior na comparação anual. O Ebitda registrou alta de 166%, para mais de R$ 180 milhões, com a margem passando de 14,3% para 14,8% nesse intervalo.
Esses números, na visão do diretor financeiro e de relações com investidores, Gabriel Lobo, mostram a beleza dos efeitos de expansão. “Alavancagem operacional” é a explicação simples para aumento de Ebitda e de lucro líquido em um período em que a margem bruta, na comparação anual, caiu 10 pontos percentuais, de 64% para 54%, principalmente em razão de ajustes na cadeia da Hering.
A estratégia de Jatahy de cuidar dos canais de venda — lojistas, portanto (seja franqueado ou multimarca) — custou margem especialmente em um ano de inflação em alta e desafios na cadeia de suprimento, pois o setor se desestruturou ano após ano com um câmbio que favorecia muito mais as importações. Mas, excluída a nova marca do portfólio, houve avanço em todas as margens da Soma.
“As amarras de governança da Hering foram soltas. Houve uma decisão de privilegiar uma margem de contribuição nominal do que percentual. É óbvio que é melhor ganhar 10% de 200 do que 20% de 100. Vamos buscar pelo nominal e depois recompor o percentual ao longo do tempo”, afirma Roberto Jatahy, CEO do Grupo Soma, ao EXAME IN.
Para o executivo, a primeira comunicação de compressão de margens pode “assustar” investidores que enxergam a companhia apenas no curto prazo, mas isso se trata de uma visão “míope” a respeito do potencial que a Hering deve atingir ao longo do tempo. Mesmo com a receita recorde, no último trimestre de 2021, a varejista deixou de ganhar de R$ 200 milhões a R$ 250 milhões por ruptura de entregas. A empresa, segundo ele, tem uma taxa de ruptura da ordem de 25%, comparado a 9% da média da Soma.
A estimativa é que a estabilização da cadeia de suprimentos leve mais seis meses até estar completa. Depois disso, aí sim, entra a estratégia de sofisticar a marca, proposta pelo grupo desde a aquisição da companhia. Isso passa por ganho de margem, diminuição do tempo de entrega, redução de capital empregado na operação. Muitos estoques que a Hering precisava, não tinha, e os estoques necessários estavam em falta, por exemplo.
Jatahy destaca que o “copo meio cheio” da descoberta pós-aquisição desses desafios da Hering é que existe um represamento de vendas que não estava na conta das sinergias, ou seja, expansão de receita que pode ser feita após com ajustes mais operacionais na cadeia. O lado “copo meio vazio” é que fazer essas correções, é claro, atrasam um pouco as mudanças ligadas ao reposicionamento de marca.
Gabriel Lobo, diretor financeiro e de relações com investidores do grupo, explica que, até o momento, não houve dificuldade para repasse de preços e recomposição de margem, em razão da inflação. O executivo destacou que a companhia conseguiu crescer também em função de diversas empresas do setor estarem enfrentando dificuldade na retomada da atividade, após a pandemia, em razão dos efeitos nocivos deixados do período de isolamento. “Estamos ganhando market-share”, diz.
Mesmo sem resistência do mercado, Jatahy reforça que houve um cuidado grande com franquiados e multimarcas nesse ambiente. Ele conta que entre as encomendas em showroom e a entrega, houve um aumento de custo e que a empresa preferiu não repassar para o intermediário. Na prática, portanto, assumiu o impacto na margem, deixando o ganho do repasse de preços, em um primeiro momento, para o lojista.
Nos comentários do desempenho de 2021, Jatahy quis reforçar a mensagem aos investidores de que o atacado, o canal multimarca, será um dos importantes motores de crescimento. Essa conclusão não era nada óbvia nem antes, nem durante a pandemia. Mas esse caminho até o consumidor se mostrou eficiente e, em especial, pela possibilidade de ganhos de participação de mercado num ambiente com muitos negócios desestruturados. O Grupo Soma fará um investimento adicional em tecnologia para também ampliar a eficiência de gestão de dados para esse canal.
A visão mais conservadora, de ditar em quais canais estar presente e com qual mix construir a operação, faz parte da estratégia do CEO de não colocar o carro na frente dos bois em busca de margens recordes ou de apresentar novidades a cada trimestre para impressionar investidores. “As pessoas têm que olhar os fundamentos da companhia, a trajetória e não uma agenda de a cada trimestre eu inventar uma novidade ou dar um cenário de crescimento. Essa não é nossa cultura e eu não trabalho assim”, diz Jatahy.
Futuro e aquisições
Com um caixa de R$ 221,1 milhões (a relação entre dívida líquida e Ebitda terminou dezembro em 1,3 vezes), o grupo projeta para este ano o investimento principalmente no crescimento das marcas adquiridas. Pela diretriz de investir somente no que possa trazer um retorno mínimo de R$ 300 milhões, o grupo não vê, ao menos por enquanto, ativos interessantes nacionais num período de curto prazo.
Já no mercado internacional, a história muda (um pouco) de figura. Com a Farm Global, é possível que a companhia avalie adquirir uma marca fora ou apostar no licenciamento para consumo no Brasil.
“O que a gente lamenta é que existam poucos ativos de R$ 300 milhões com potencial de R$ 1 bilhão no Brasil. Não temos pressa para aquisições, mas certamente estamos de olho no mercado. O que não faz parte da nossa estratégia são ativos menores, de R$ 40 milhões, ou sem pessoas que já fizeram parte do universo da moda e entendem como os processos funcionam. Essa é uma estratégia na qual a gente não acredita”, diz Roberto.
Alguns números para 2022 também já foram divulgados para mostrar que o ritmo segue forte: os meses de janeiro e fevereiro apresentaram crescimento 54% e 63,5% nas vendas ex-Hering, respectivamente, na comparação com o ano passado, o que dá um aumento de quase 59% no acumulado desses dois meses.
Soma ex-Hering
Deixando a Hering de lado para analisar as demais empresas do Grupo, todas as marcas cresceram dois dígitos em receita bruta na comparação com 2020, cada uma com suas particularidades de mix de produtos e de canais em que estão presentes.
A grande estrela da companhia continua sendo a Farm — principal empresa em geração de receita do grupo, sem contar a Hering. Na operação nacional, a varejista de moda cresceu 12,5% em geração de receita bruta e, na operação global, o crescimento alcançou os três dígitos. Para 2022, a meta será abrir, no Brasil, mais 50 lojas nos próximos cinco anos, e começar a fabricar calçados e acessórios para serem vendidos na operação internacional.
Farm no Brasil e internacional somaram R$ 367 milhões em vendas no quarto trimestre, mais de 46% do total bruto do grupo, sem Hering. “Nós nos perguntamos muito até onde a marca pode ir”, afirma Jatahy.
Sobre a operação internacional, o executivo destacou que a partir de agora vai começar a ficar mais claro o potencial e como os investidores poderão colocar o ativo na avaliação total do negócio. Chamando atenção para seu estilo conversador, o CEO do grupo Soma destaca que a Farm Global foi um assunto recorrente durante a fase da abertura de capital e ele sempre recomendava que o mercado não considerasse essa oportunidade no preço, por ser uma novidade que a companhia ainda não sabia como gerir. “Nunca tínhamos feito isso até então”, lembra ele.
A Foxton, que dobrou de tamanho se comparada com 2019, sem inaugurar novos pontos físicos, também terá um plano de expansão de lojas relevantes. Para os próximos cinco anos, a meta é de inaugurar 50 lojas, a fim de garantir reconhecimento nacional e, principalmente, dentro do canal multimarca – responsável pela tração da Farm desde a aquisição pelo Grupo.
Jatahy também chamou atenção para a NV. A empresa também registrou expansão de receita, mesmo dentro de um orçamento mais conservador, que subdimensinou o consumo de estoques no quarto trimestre — que foi consumido em grande parte no segundo e terceiro. Com menos peças à venda, a marca “fez o que podia” para entregar o que os consumidores precisavam, mas não estava no mesmo ritmo de crescimento em relação aos trimestres anteriores.
Dentro desse grupo também está a Fábula, de roupas infantis, que deve ter, em 2022, maior foco no mundo digital (visando a oferta aos responsáveis por crianças que buscam maior praticidade). O Grupo também vê a oportunidade de mais sinergias com a Hering, tirando a marca de roupas infantis de uma situação de extremo nicho para um público maior ao longo do ano.
Analisando as empresas que tiveram desempenho mediano, estão Cris Barros e Maria Filó. A primeira também amargou problemas com a cadeia de suprimentos ao longo do trimestre e a segunda passou por um momento delicado em fatores organizacionais e de integração ao grupo. “No último trimestre elas já começaram a mostrar recuperação, o que também vemos no início de 2022. Fomos prejudicados, mas já estamos conseguindo reverter o cenário”, diz Roberto.
No fim deste mês, a companhia vai realizar o primeiro Investor Day desde a abertura de capital. Vai ser, então, uma oportunidade para que o mercado entenda mais do grupo, dona de uma dezena de marcas.
Fonte: Exame