Por Cynthia Malta | Ghislaine Dubrule, que fundou a varejista de móveis e decoração Tok&Stok há 45 anos ao lado do marido Régis, está há seis meses de volta ao comando da companhia “para pôr as coisas nos trilhos”. Depois de fechar lojas, reduzir o quadro de pessoal e simplificar a estrutura de gestão, a empresária projeta que deve faturar pouco mais de R$ 1 bilhão neste ano e “se tiver prejuízo, será muito pequeno”.
Na sede da companhia, instalada em uma antiga fábrica da Votorantim na Vila Leopoldina, na Zona Oeste da cidade de São Paulo, Dubrule recebe o Valor em uma ampla sala de reuniões. Em uma das paredes, um calendário colorido mostra as campanhas promocionais deste ano, uma por mês.
“Os últimos anos foram muito difíceis. Tivemos cinco CEOs, muitos gastos”, diz Dubrule, referindo-se aos executivos-chefes que comandaram a empresa nos últimos seis anos. A gestora de fundos de investimento Carlyle, que comprou o controle da Tok&Stok em 2012 por R$ 700 milhões, “deu carta branca a esses CEOs”. E a companhia ficou bem “instável”.
Há pouco mais de dois meses, em setembro, a companhia e a concorrente Mobly anunciaram a intenção de combinar seus negócios. Para o início de 2024, provavelmente, deve ser completado o processo de diligência para uma possível fusão.
Essa fusão faz sentido no atual estágio da Tok&Stok? Dubrule olha para cima e responde: “Que pergunta difícil!” A empresária, que não se recusa a responder nenhuma pergunta, respira e afirma que colocar uma fusão em pé é algo muito difícil em qualquer setor. Esta possibilidade, se for adiante, será levada à apreciação do conselho.
Dubrule e seu marido fundaram a varejista em 1978 e a comandaram juntos até 2012, ela na parte da operação e ele como presidente. Em 2012, quando o Carlyle fica com 60% da companhia, Dubrule assume o posto de CEO, até 2017. Desde então, foram cinco presidentes, quase um por ano.
“O varejo chegou a ficar 20% a 25% abaixo de 2019. E não escapamos”
O plano do controlador era preparar a empresa para abrir o capital na B3. O faturamento, antes da pandemia chegar ao Brasil em 2020, girava em torno de R$ 1,5 bilhão ao ano. “A ideia era duplicar, passar a R$ 3 bilhões, em um a dois anos, para o IPO [oferta inicial de ações, na sigla em inglês]. O mais rápido possível”, conta Dubrule. Para acompanhar a meta, ambiciosa, a companhia investiu em uma estrutura bem maior.
O centro de distribuição localizado em Itapevi (SP), de 40 mil metros quadrados, foi transferido em 2020 para uma área de 65 mil metros quadrados em Extrema (MG). O sistema de tecnologia, em especial o software de gestão que havia sido desenvolvido dentro da Tok&Stok foi aposentado. Contratou-se um novo sistema, o melhor que havia no mercado, “the best”, lembra Dubrule. A equipe de tecnologia da informação (TI), que funcionava com 70 pessoas, cresceu para 350 funcionários.
Com a pandemia instalada e os consumidores em casa, a Tok&Stok – assim como muitas empresas de diversos setores – partiu para a digitalização. As vendas on-line chegaram a 27% do total faturado. Neste ano estão em cerca de 17%, patamar considerado adequado por Dubrule.
A estratégia para o IPO também contemplava abrir 100 lojas – desde pequenas unidades para vender produtos de conveniência em todos os shoppings do país até grandes instalações, de 2 mil a 10 mil metros quadrados.
Mas o plano não deu certo. “Não conseguimos entrar na janela do IPO. E a gestão do dia a dia foi esquecida, para falar a verdade”, diz Dubrule. O lucro de R$ 53,7 milhões, em 2021, virou um prejuízo de R$ 460,7 milhões no ano seguinte. Foi investido muito dinheiro no estoque.
As vendas não reagiam – não apenas na Tok&Stok, mas para o varejo como um todo e, em particular para o de móveis e decoração. O consumidor que havia se recolhido em casa, para evitar a covid-19, não se mostrava mais tão animado em equipar a casa com novos produtos. O endividamento pressionava a companhia, que chegou a ser alvo de pedidos de despejo e de falência neste ano.
Em junho deste ano, o controlador injetou R$ 100 milhões na Tok&Stok e uma dívida de R$ 350 milhões foi rolada, com vencimento postergado para 2029.
Um mês antes, em maio, Dubrule reassumiu o posto de CEO. “Houve consenso sobre nossa vontade de pôr as coisas nos trilhos”.
Os Dubrule têm um assento no conselho de administração da companhia, atualmente ocupado por Régis. O Carlyle, representado no Brasil pela SPX Capital, tem Fernando Borges. E Roberto Szachnowicz, ex-CEO da Tok&Stok, ocupa a cadeira de conselheiro independente.
Nos últimos seis meses, Dubrule tem se dedicado a implementar seu mantra “back to basics”, de volta ao básico. Determinou o fechamento de 17 lojas, sendo 14 de menor porte, dentro de shopping centers. Dubrule atestou que as lojas de menor porte não funcionam. “O consumidor entra na loja e quer ver a coleção toda.” A rede atual é de 51 lojas, em 22 Estados, e ainda não há planos de expansão para 2024. A equipe de TI, que havia crescido de 70 para 350 pessoas, foi enxugada para 100.
A estrutura de administração também foi reduzida. “Tiramos a camada gerencial, intermediária”, diz a empresária, que comanda agora quatro diretores das áreas de operação (lojas físicas e logística), finanças (que engloba jurídico e trabalhista), marketing/digital e tecnologia. A estrutura anterior era o dobro da atual. O número total de funcionários, que chegou a 4,8 mil, e estava em 4,5 mil quando Dubrule reassumiu o posto em maio, foi reduzido para 2,8 mil. A força de vendas gira em torno de 1,5 mil pessoas.
A empresária observa que este ano ainda se mostra difícil. “O varejo chegou a ficar 20% a 25% abaixo do que era em 2019. E não escapamos disso”, diz.
Para atrair o consumidor de volta às lojas físicas, que Dubrule defende que é o coração da companhia, o plano é, além das campanhas promocionais e renovar um terço do portfólio em alguma categoria a cada mês, promover eventos – mostrar ao consumidor, por exemplo, como decorar uma mesa para o Natal.
Também faz parte dos planos, dobrar o número de coleções assinadas por designers de renome. Neste ano foram 4 e serão 8 em 2024. A meta, ainda conservadora, de Dubrule para o próximo ano é chegar a uma receita ainda abaixo de R$ 1,5 bilhão. “Mas teremos lucro líquido, com geração de caixa”, diz ela.
Até lá, a empresária continua implementando seu plano “back to basics”.
Fonte: Valor Econômico