Por Adriana Mattos | Plataformas estrangeiras, que devem ser atingidas pela decisão do governo de acabar com a isenção de impostos em compras internacionais abaixo de US$ 50, tentam abrir negociação junto ao Ministério da Fazenda e Receita Federal na busca do que chamam de “caminho do meio” nessa discussão. Varejistas locais já vêm reagindo a essa movimentação dos concorrentes, e têm discutido formas de ajudar a melhorar a comunicação das mudanças ao consumidor, que reagiu mal ao fato.
O Valor apurou que pelo menos duas plataformas com lojistas estrangeiros buscaram canais de contato junto a órgãos de governo, na tentativa de, ao menos, adiar o debate e, com isso, ganhar tempo para alterar o teor de uma Medida Provisória (MP) que tratará do fim da isenção. A reação negativa nas redes sociais à MP ajudaria numa pressão inicial, apesar da percepção de que a discussão da MP tem avançado.
“Eles entendem que o governo adotou um lado pragmático, e prefere lidar com algum desgaste nas redes sociais, se puder contar com uma nova arrecadação com o fim da isenção. Mas pelo menos, eles querem ser ouvidos para se buscar algum entendimento”, diz um representante de um marketplace da Ásia.
A Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net) pediu um encontro à Receita. Mas o Fisco “se recusou a atender a solicitação”, diz entidade. Procurada, a Receita não se manifestou até o fechamento desta edição.
Dois dias atrás, a Receita confirmou ao Valor o plano de criação de uma MP que acaba com a isenção de impostos em remessas abaixo de US$ 50 oriundas de pessoas físicas e destinadas a pessoas físicas no país (não pode revender o produto). Essas remessas pagarão 60% de imposto sobre o seu valor (incluindo frete e seguro) – mesmo percentual em compras de US$ 50 a US$ 500. Quem paga o imposto é o consumidor, e não a plataforma. A MP é parte do plano do ministro Fernando Haddad para elevar a arrecadação do país.
“Estamos tentando entender as bases técnicas que eles [governo] estão usando em seus cálculos sobre o potencial de arrecadação com o fim da isenção. Não há um modelo perfeito no setor, mas há espaço para construirmos algo no meio do caminho, de forma mais equilibrada”, diz Igor Luna, coordenador do comitê jurídico da camara-e.net, que tem entre seus associados a OLX, Shein e também Correios.
Haddad estima geração de arrecadação de R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões ao ano – o varejo local, que defende a proposta de fim da isenção, num momento de redes locais em crise, estima de R$ 20 bilhões a R$ 40 bilhões.
O governo entende que há pessoas burlando a lei ao importar mercadorias de empresas, e não de pessoas físicas, usufruindo da isenção. Fazem dezenas de compras “picadas” até US$ 50, e dessa forma, sonegam imposto. A suspeita de varejistas locais é que os vendedores estrangeiros, com lojas nessas plataformas, usam nomes falsos para caracterizar a venda como sendo de pessoa física para pessoa física. Estão na mira do ministério gigantes asiáticas como Shein, Shopee, Aliexpress (do grupo Alibaba) e a americana Wish.
O efeito do fim da isenção pode se estender também aos Correios, que sentiu uma queda de 9% nas remessas postais nacionais em 2022, mas vem aumentando a dependência da venda internacional – a estatal apurou alta de 33% nas remessas internacionais, para R$ 3,6 bilhões no ano passado.
O Valor apurou que há plataformas que entendem que essa estimativa de arrecadação do governo está otimista. Entre elas, circula a informação de que a arrecadação giraria em torno de R$ 2 bilhões ao ano, por conta de possível queda nas vendas com o fim da isenção.
Outra questão que afeta plataformas estrangeiras, por conta da MP, envolve o reembolso pago por elas, ao imposto aplicado. A Shein reembolsa ao cliente 50% do imposto pago. A questão é se essa política continuará, com o fim da isenção e mais clientes pagando impostos. Especialmente num momento que as platafomais globais têm buscado melhorar suas margens de lucro.
Segundo Luna, há algumas alternativas possíveis, que podem ser discutidas no lugar do fim da isenção. Ele cita o envio de remessas de empresas à pessoas físicas tendo US$ 100 como limite de isenção, reforçando não se tratar de proposta formal da entidade. Luna não diz que há plataformas utilizando subterfúgios na venda, junto com o consumidor.
Prefere afirmar que se trata de um setor “muito plural”, e que a entrada de remessas abaixo de US$ 50 é “grande”, e nem sempre há condições ideais de fiscalização. Os Correios selecionam as remessas por amostragem.
O comércio de plataformas estrangeiras representa de 15% a 20% do volume de R$ 262 bilhões em vendas on-line no país, segundo relatórios de fintechs e consultorias. São mais de R$ 52 bilhões em receita, equivalente a uma vez e meia o tamanho da empresa dona da Casas Bahia.
As plataformas afirmam em notas que respeitam as regras locais e vem ajudando na expansão do consumo no país. A Shein afirma que está comprometida em gerar valor para a indústria, consumidores e economia do Brasil. Diz que a regra de isenção abaixo de US$ 50 “é adotada por muitos países com o objetivo de facilitar o comércio internacional e propulsionar o crescimento local”, mas reconhece a necessidade de propor melhorias para as regras país de modo “a fornecer segurança jurídica para os operadores”. A Shopee diz que é diferente de outras plataformas que dependem da importação de produtos, pois conecta vendedores e consumidores locais e ajuda “as empresas brasileiras a crescer e prosperar online”. São cerca de 3 milhões de vendedores locais registrados na plataforma.
A AliExpress informa que cumpre as regulamentações dos locais onde opera.
Fonte: Valor Econômico