As empresas de comércio eletrônico gastam bilhões de dólares todos os anos para melhorar a administração de seus estoques e sistemas de logística. O maior desafio é garantir que haverá produtos disponíveis para entregar, no prazo combinado, ao consumidor. Manter itens demais em estoque pode acabar com a rentabilidade das companhias. Por fim, é preciso evitar fraudes.
A CNova, site de comércio eletrônico do Grupo Pão de Açúcar, informou ter perdido cerca de 200 milhões de reais, de 2011 a 2015, com o desvio de mercadorias de seus estoques. Diante disso, as empresas que querem ganhar dinheiro vendendo pela internet têm duas alternativas: investir para evitar problemas é uma, que sai caro. A outra, mais radical, é simplesmente não ter estoques.
O site MadeiraMadeira, que vende móveis e material de construção, apostou na segunda opção — e seus sócios hoje comemoram a decisão. Em 2015, pior ano do varejo no Brasil, o site faturou 88 milhões de reais, 83% mais do que em 2014, e pela primeira vez deu lucro — segundo estimativas de mercado, cerca de 10 milhões de reais.
Em 2009, quando fundou a empresa sem estoque, Daniel Scandian estava pensando mais em si mesmo do que no mercado de comércio eletrônico. Ex-piloto de corridas — em 2001, aos 21 anos, ele ganhou o campeonato sul-americano de Fórmula 3 —, Scandian largou as pistas em 2003 para trabalhar na empresa do pai, a NovoPiso, que vendia pisos de madeira.
Como os maiores clientes estavam nos Estados Unidos, a empresa passou a ter dificuldades após a crise de 2008. Scandian montou um site para desovar os produtos encalhados.
Os resultados não foram suficientes para salvar a NovoPiso, que fechou, mas foram bons o suficiente para ele decidir apostar num negócio puramente online. “Aprendemos com o que aconteceu e, sem recursos para comprar e armazenar produtos, resolvemos ser uma empresa leve, sem estoque”, diz ele, que fundou a MadeiraMadeira com o irmão, Marcelo.
Inicialmente, fecharam parcerias com os fabricantes de piso que já conheciam para que eles entregassem os produtos diretamente aos clientes. Deu certo, e eles passaram a vender outros itens, como portas e janelas. “Para continuar crescendo, precisávamos de capital, então fomos buscar investidores”, diz.
Em 2012, os fundos de private equity Monashees, Kazek Ventures e Flybridge Capital tornaram-se sócios da MadeiraMadeira.
Com dinheiro em caixa, Scandian e os investidores decidiram visitar as operações de alguns dos poucos sites de móveis e decoração que também trabalham sem estoque no mundo, o Build.com, adquirido pela britânica Wolseley, cujo valor na bolsa é de 13,5 bilhões de dólares, e o americano Wayfair, que vale 4 bilhões de dólares. Depois do tour, a MadeiraMadeira passou a investir pesadamente em tecnologia.
Criou uma área de serviços no site em que os consumidores informam a metragem do imóvel e calculam a quantidade de material necessária para a reforma.
Além disso, começou a monitorar as buscas dos clientes em sites de móveis e decoração e a passar essa informação aos fornecedores, que podem usar isso como subsídio na hora de decidir o que fabricar. “É uma empresa mais de tecnologia do que de varejo, e isso tem funcionado”, diz Hernan Kazah, sócio do Kaszek.
Os donos da Build.com e da Wayfair também investiram na MadeiraMadeira, que vende cerca de 50 000 produtos diferentes. Uma dificuldade desse tipo de modelo é a grande dependência de seus fornecedores: se um deles tiver problemas, a entrega pode atrasar. Estoques, afinal, servem justamente para controlar esse tipo de risco.
A MadeiraMadeira diz lidar com isso fechando parcerias com empresas que conhece há tempos. Além disso, para continuar crescendo, tem de enfrentar o aumento da concorrência. A loja de material de construção Leroy Merlin passou a vender online no ano passado.
A alemã Westwing, maior site de venda de móveis e decoração da Europa, presente em 14 países, começou a vender no Brasil em 2011 e diz ter cerca de 6 milhões de clientes cadastrados aqui. O site brasileiro Mobly continua crescendo e recebeu 80 milhões de reais em investimentos de fundos. Todas essas empresas estão de olho no crescimento do setor.
Em 2015, o pior ano do varejo brasileiro, as vendas online de móveis e decoração aumentaram 10% e somaram pouco mais de 700 milhões de reais. Não é muito — as vendas nas lojas tradicionais beiraram os 82 bilhões de reais no mesmo período —, mas é onde o estrago da recessão tem sido menor.