Parte das companhias busca reduzir alavancagem e outras veem oportunidades. Após início de ano forte, a associação dos shoppings reviu a expansão do segmento de 13,8% para 17,3% em 2022
Por Adriana Mattos
Grandes e médios shopping centers do país estão trocando de mãos nos últimos meses, num movimento muito mais relacionado com a necessidade de grupos reduzirem alavancagem, e pelo surgimento de compras de oportunidade nos últimos meses, do que pela atual retomada do setor. É um cenário comum em períodos pós-crise econômica e de juros altos, e sinaliza que, quando as condições de mercado melhorarem, novas negociações de maior porte podem ser “destravadas”, dizem empresas e associações ouvidas.
Levantamento realizado pelo Valor mostra que, desde o terceiro trimestre de 2021, 15 empreendimentos foram vendidos ou estão em processo de negociação. Com base nos valores anunciados pelas empresas nas transações e apurado com fontes próximas aos acordos, são pouco mais de R$ 3,5 bilhões em ativos mudando de dono (incluindo a dívida). Ao se descontar débitos em aberto, os valores giram em torno de R$ 2,9 bilhões, em transações a partir de outubro.
Entre compradores estão grupos regionais fortes, como a Partage, e entre vendedores, os destaques foram General Shopping e grupo Tenco, ambos afetados mais duramente pela crise após 2020. “Devemos ver, no curto prazo, menos projetos greenfields [construídos a partir do zero] e mais um movimento de consolidação com a venda e compra de ativos, por razões que vão da busca por sinergias após a crise a revisões de portfólio e foco maior no ‘core’ das empresas”, diz Glauco Humai, presidente da Abrasce, a associação setorial, ao comentar nesta semana a aceleração nas vendas neste ano. A Abrasce reviu a expansão do segmento de 13,8% para 17,3% em 2022, após início de ano forte.
Segundo o levantamento, a maior negociação envolve a venda da participação da Aliansce Sonae em quatro negócios, em somas que podem variar de R$ 800 milhões a R$ 1 bilhão, diz uma fonte a par do tema. A soma considera a fatia da empresa nos ativos. A companhia deve se fundir com a BR Malls, e vem buscando, já previamente, compradores para negócios com maior risco concorrencial. Os empreendimentos já identificados, como o Valor informou em abril, são Uberlândia Shopping (MG), Boulevard Londrina (PR), Boulevard Vila Velha (ES), e provavelmente o Caxias Shopping (RJ).
A empresa não confirma esses nomes. “Sobre venda de ativos, a gente está em negociação, e não é bom darmos muitos detalhes. Posso adiantar é que a gente continua tendo uma boa relação e alguma demanda [no mercado]. Obviamente, acho que não é igual à demanda que tinha quando a Selic estava a 2%, mas essa indústria aparentemente continua tendo um determinado nível de fluxo, assim como ações também deve ter algum tipo de fluxo”, disse a analistas semanas atrás Rafael Sales, presidente da Aliansce Sonae.
Ainda nessa lista de transações, a General Shopping vendeu, em abril, 49% do Outlet Premium Grande São Paulo, em Itaquaquecetuba (SP), um dos melhores ativos do grupo, por R$ 152,3 milhões. A operação surpreendeu o mercado e foi interpretada por gestores de fundos como busca de reforço de caixa, apurou o Valor.
A empresa não cita o nome do comprador. A General tinha em março pouco menos de R$ 47 milhões em caixa e em 2021 gerou um Ebitda de R$ 56 milhões. Em março, somava uma dívida de R$ 1,7 bilhão (parte em dólar de um bônus perpétuo, sem vencimento do principal). A companhia não comenta detalhes da transação.
“Na venda de shoppings da General e da Tenco, são movimentos específicos relacionados ao cenário de cada empresa. Quem comprou entrou numa janela de oportunidade num momento que mercado anda ‘meio de lado’ em M&A, retomando as aquisições”, diz um administrador de shoppings.
A Tenco fechou o maior negócio nos últimos meses, sem descontar a dívida com banco, apurou o Valor (a dívida reduz a soma efetivamente desembolsada). A operação envolveu 100% do Jaraguá do Sul Park Shopping (SC) e o Arapiraca Garden (AL), vendidos à Partage. Neste último, a venda teria envolvido 80% do ativo. Incluindo a dívida, o valor total de cada negócio giraria em torno de R$ 400 milhões, afirmam fontes. Procurada, a empresa não se manifestou.
Uma eventual estabilidade na taxa Selic neste ano – ainda que em patamares na casa dos dois dígitos – e manutenção dos juros no mercado internacional podem voltar a acelerar o ritmo de transações. Leandro Bousquet, sócio da Vinci Partners, lembra que fundos estão sem caixa para operações mais estruturadas e menos ativos, pelo momento de liquidez em baixa, após aumento nos juros e fechamento de maiores janelas de captação após 2021.
“Acabam avançando aquisições por parte de empresas em situação de caixa confortável, ou que envolvem uma troca de ativos por cotas do shoppings, como a operação que fizemos em 2021”, disse Bousquet. “Mas há claro espaço para uma retomada e apetite do mercado quando ‘destravar’”.
Foram três transações envolvendo fundos desde o fim de 2021. Quatro shoppings foram adquiridos pelo fundo da Vinci, por R$ 660 milhões. Além disso, o Malls Brasil Plural comprou 100% do Madureira Shopping (RJ) por R$ 286,2 milhões e o fundo HSI Malls assinou protocolo de intenções para a compra de um shopping no Sudeste, por R$ 322,4 milhões.
“Juros estáveis já seriam um aceno mais positivo aos investidores, e é algo que poderia ocorrer já a partir de 2023”, diz um gestor de um dos fundos líderes em shoppings. “Hoje, é difícil fechar captações porque teríamos que fechar emissões abaixo do valor patrimonial dos ativos, mas com uma estabilidade em juros já dá para fazer alguma coisa”.
Na visão de Claudio Sallum, sócio da Lumine, uma das maiores gestoras de shoppings do país, o mercado já vive outro movimento, em paralelo a essas transações de ativos. “O que temos visto é uma maior consolidação na gestão, com mais companhias buscando administradoras com portfólio maior, principalmente depois da pandemia. Isso por causa dos ganhos de escala e diluição de custos que essas carteiras maiores criam”, diz ele. A Lumine, em três anos, dobrou sua carteira de clientes de oito para 15 shoppings.
Fonte: Valor Econômico