Fluxo mensal de consumidores está 100 milhões abaixo da média, de 500 milhões
Por Adriana Mattos
O Brasil deve completar uma década desde o último grande ciclo de investimentos em shopping centers sem sinal de uma nova onda no radar. Mas aqueles já em operação saíram da crise da pandemia, voltando a patamares anteriores a 2019, e a projeção é de crescimento de vendas neste ano.
O setor cortou em mais de 70% o ritmo de aberturas de projetos “greenfield” (construídos a partir do zero) desde a recessão de 2015, que encerrou a fase mais robusta de inaugurações do setor até hoje. Só em 2013, foram quase 40 aberturas – neste ano, serão 9, segundo dados da Abrasce, a associação do setor. Os grandes grupos descartam voltar a algo semelhante no curto prazo, em parte pelo cenário ainda incerto no consumo, ocupação baixa em certas praças e pelo aumento no custo de capital, que encarece esse investimento.
A agenda que ficou no lugar está ancorada em expansão de área de shoppings antigos, busca por ativos à venda e tentativa de criar novas receitas. “Depois do último grande ciclo de investimentos, as aberturas que aconteceram já tiveram uma maturação mais lenta. E você vê o fluxo de consumidores ainda com ‘gap’ em relação a 2019. Além disso, há espaço para expandir área em empreendimentos antigos. Então pensar em ‘greenfields’ agora não faz muito sentido”, disse Bruno Gargiolli, chefe da área de imóveis da XP, em evento promovido pelo banco.
“Aquele modelo de megaprojetos não existe mais”, diz Glauco Humai, presidente da Abrasce. “O que existem são projetos de oportunidade, como aqueles ligados às torres multiuso [de projetos residenciais e comerciais]. Nós vamos ter mesmo um movimento maior de ‘retrofit’, de reformas, de abertura de áreas livres, de mais alamedas. E de explorar melhor a área, integrando com o digital, e buscando outras marcas [de lojas] para tentar ter um diferencial”. As grandes empresas do setor vêm dizendo que projetos em elaboração e reformas ou “greenfields” futuros devem ter esse perfil.
Na avaliação de Guido Oliveira, vice-presidente financeiro da Iguatemi, ainda há o que ser explorado em novas expansões. “A expansão ganhou força na crise anterior à pandemia [a de 2015], mas ainda não cessou”, disse, no evento de 10 anos do JK Iguatemi, em São Paulo, um empreendimento da safra áurea de aberturas. Oliveira lembra que o JK custou cerca de R$ 320 milhões (sem incluir luvas), um valor que atualizado hoje não ficaria abaixo de R$ 500 milhões, com a inflação de custos de construção do setor.
Apesar dessas estimativa mais positivas com as ampliações de áreas, elas ainda são discretas e estão retomando fôlego, passada a crise que postergou planos no varejo. As cinco maiores empresas abertas do setor – Multiplan, Iguatemi, BR Malls, Aliansce Sonae e JHSF – somam hoje onze expansões, calculou o Valor, um número próximo aos 10 projetos que se via na metade de 2019, antes da pandemia. Mas JHSF e Aliansce concentram 70% desse número, e algumas não são ampliações pequenas – a maior, de 38 mil metros quadrados, do Catarina Fashion Outlet (JHSF), equivale ao tamanho do Pátio Paulista, em São Paulo.
“Ainda há um efeito da crise sanitária nos projetos de expansão, que congelaram entre 2020 e 2021 porque ninguém sabia direito quando a retomada voltaria”, diz Luiz Marinho, sócio-diretor da consultoria Gouvêa Malls. “Mas além dessa opção de crescimento, ainda temos empreendimentos, fora do grupo das empresas abertas, com taxas de ocupação de 80%, 85%, então há algum espaço para melhorar isso, e para trocar portfólio de lojas também”.
Balanços das companhias mostram que, na Aliansce Sonae, 11 dos 26 shoppings tinham ocupação abaixo da média da empresa no segundo trimestre. Na BR Malls, são quase um terço (dez em 29) e na Multiplan, 6 da lista de 20. Fase de trocas de lojistas para pontos melhores podem elevar o índice. JHSF e Iguatemi não divulgam o índice por empreendimento.
Na lista dos shoppings, há alguns casos de área ociosa entre 20% a 25%. “Mas são situações mais raras entre as empresas abertas. Nos grupos de capital fechado, com portfólio menos resiliente, você vê mais casos assim. nas grandes, a taxa de ocupação já se normalizou neste ano”, diz Marinho. “O que há são shoppings na avenida Paulista, e nas áreas de escritórios, como [o bairro] da Vila Olímpia, sentindo muito ainda o trabalho híbrido”, afirma, referindo-se à capital paulista. Em sua opinião, os shoppings devem “por mais dinheiro na mesa nos acordos com as marcas, para atrair lojas novas e maior fluxo de clientes”. A busca por novos lojistas, diz, “parou um pouco nos últimos anos e precisa ser retomada”.
Aliansce e BR Malls vêm se aproximando mais de marcas voltadas ao varejo digital desde a pandemia para trazê-las aos shoppings, na área de moda premium e decoração. Os contatos cresceram neste ano.
Olhando para o curto prazo, parte da agenda dos grupos, nos próximos trimestres, está em acelerar medidas para consolidar a atual recuperação nas vendas. Hoje, os números estão sendo revisados para cima. A Abrasce está elevando a projeção de expansão de 17,3% nas vendas dos lojistas neste ano para 27,4%. É a segunda revisão no ano – em maio, a taxa já havia subido de 13,8% para os 17,3%.
Segundo Humai, o forte desempenho no primeiro semestre – apesar da base de comparação fácil – e a possibilidade de um quarto trimestre mais forte levou à revisão. De janeiro a junho, as vendas avançaram cerca de 36%. A taxa pode fechar o ano nos 27% por causa da expectativa de um terceiro trimestre mais fraco – agosto foi um mês abaixo do esperado, pelas análises iniciais da Abrasce.
Segundo o analista de shoppings da XP, Ygor Altero, há expectativa de crescimento nas vendas dos shoppings dominantes (de empresas abertas) de cerca de 20% no terceiro trimestre deste ano, ante o mesmo período de 2019, em termos nominais. Ao descontar a inflação, ainda há empreendimentos com queda real nas vendas.
Empresas reforçam que os balanços já mostram vendas nominais, há alguns trimestres, acima de 2019, além de inadimplência em patamares normais e redução de descontos a lojistas, concedidos na crise da pandemia. Um dos esforços no curto prazo é retomar a circulação de clientes, ainda abaixo do normal.
“Estamos com um fluxo de cerca 390 milhões a 400 milhões de pessoas ao mês nos shoppings, ou 100 milhões abaixo da nossa média, de 500 milhões ao mês. Achamos que é efeito do ‘home office’ ainda. Talvez não volte ainda este ano aos 500 milhões. Mas quem retorna aos shoppings é mais assertivo na compra. Se não fosse a pandemia estaríamos talvez entre 550 e 600 milhões de visitantes ao mês”, diz Humai.
Para Gargiolli, da XP, aquisições também são um caminho para ganhar escala e aumentar vendas. No início do ano, a Brookfield estudava vender parte de seus ativos, mas desistiu devido a ofertas abaixo do esperado. A Sonae Sierra chegou a oferecer no mercado sua fatia no Parque Dom Pedro Shopping, em Campinas (SP), mas cancelou a operação. “Ainda vemos negociações possíveis. As aquisições de ativos maduros melhoram o retorno dos negócios. E acreditamos que isso deve crescer antes do retorno dos ‘greenfields’. E junto com a volta do investidor pessoa física aos ativos de shoppings na bolsa”, diz o especialista.
Fonte: Valor Econômico