O mercado de luxo carrega a fama de ser imune a crises. O conceito por trás dessa máxima está no fato de que os seus clientes não entram para as estatísticas de desemprego e não precisam de financiamento para poder consumir. Mas essa ideia vem sendo posta à prova no Brasil. “Existe crise, sim. Não somos descolados da economia”, diz Freddy Rabbat, um dos pioneiros em trazer marcas de luxo ao País e que agora é responsável pelas operações locais da fabricante suíça de relógios Tag Heuer. “A vantagem do setor é ser composto por empresas centenárias e com presença global, que enxergam o longo prazo.”
Um exemplo é do próprio Rabbat, que introduziu três novas marcas de relógio suíços no Brasil, a Alpina, a Frederique Constant e a Bomberg. Isso comprova que a crise, no luxo, pode até existir, mas tem outras proporções em comparação com o resto da economia. Enquanto o PIB brasileiro sofreu retração de 3,6%, em 2016, o mercado de luxo cresceu 9%, para R$ 33,9 bilhões, segundo estudo da MCF Consultoria, especializada no segmento. E 63% dos 99 executivos entrevistados de grandes marcas do segmento estão otimistas com 2017. Numa área em que o planejamento precisa ser de longo prazo, a expansão do investimento foi ainda superior à da receita. Ele subiu 12%, para R$ 2,8 bilhões.
São números que fariam inveja a qualquer setor, mas não são lustrosos o suficiente para o histórico recente do mercado de luxo. Na última década o crescimento alcançou pico de 28% de expansão anual, e a média superava os 16%. “O crescimento de 2016 é importante, mas quando se observa a pujança do mercado, representa uma desaceleração”, diz Carlos Ferreirinha, presidente e fundador da MCF Consultoria e responsável pelo estudo. “Mesmo que as empresas estejam acostumadas a ter resiliência e paciência, o nível de investimento atual é mais de manutenção do que de expansão.”
Dessa forma, o otimismo com um consumo desenfreado de luxo, que tornou os brasileiros em estrelas do mercado internacional e doméstico no início da década, deu lugar a um questionamento: qual é o potencial real do mercado brasileiro? “No último ano, falei com 22 presidentes de empresas globais, o recorde da minha carreira, e eles queriam saber exatamente isso”, diz. “Existe agora um entusiasmo equilibrado.” Há dúvidas sobre como será a recuperação do ritmo de crescimento e a que patamar o setor pode chegar, depois de muitas empresas terem investido fortemente não apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas também com destaque em Curitiba e Recife, e esperar um retorno dos investimentos.
Alguns investimentos são inovadores para o segmento, como a abertura na quinta-feira 10, de lojas temporárias da LVMH na capital pernambucana e em Goiânia. A pulverização dos negócios é uma tendência. Na pesquisa, um dado chamou atenção com Brasília e Belo Horizonte tendo sido escolhidas como as cidades mais promissoras para o desenvolvimento de negócios. A capital federal já faz parte do mapa de luxo, não só por seu mercado próprio, como também pela proximidade em relação a Goiás e outras forças do agronegócio. Já a terceira maior cidade brasileira é uma surpresa. “Belo Horizonte é uma cidade necessária para a expansão, mas que ainda não tem uma infraestrutura de luxo”, afirma Ferreirinha. “Não há um hotel de luxo ou shopping center de alto padrão lá.”
A grife Cartier, por exemplo, não tem planos para entrar nesses mercados pelos próximos três anos, mas percebe que existe uma demanda reprimida em diversas capitais brasileiras. Consumidores de diversos estados são levados periodicamente para fazer compras de joias em São Paulo e no Rio de Janeiro, e jantares de apresentação de produtos são realizados por todo o Brasil. Atualmente, ela possui três lojas próprias nas duas principais cidades do País, vendendo joias e relógios. Mas essa última linha de produtos está também à venda em 20 pontos, em joalherias parceiras espalhadas pelo Brasil.
Ainda neste mês, também vai chegar em Porto Alegre, por meio de uma joalheria do shopping Iguatemi. “Esse tipo de atuação nos permite sentir a temperatura de consumo de diferentes cidades em que podemos eventualmente abrir lojas”, diz Maxime Tarneaud, gerente geral da Cartier Brasil. Já em São Paulo, um dos investimentos recentes mais destacados foi a abertura em maio do Palácio Tangará, um hotel localizado dentro do Parque Burle Marx, um empreendimento que começou a ser preparado 1998, antes de ser interrompido por 12 anos. As diárias têm preço entre R$ 1,6 mil e R$ 38,2 mil. O investimento, de valor não revelado, mas estimado por especialistas em pelo menos R$ 100 milhões, foi feito pelo fundo americano GTIS.
O Tangará é o primeiro hotel administrado pela alemã Oetker Collection na América Latina, que também cuida de hotéis consagrados como o Le Bristol, em Paris, e o Hotel du Cap-Eden-Roc, em Antibes, na Riviera Francesa, e que inspirou o escritor F. Scott Fitzgerald no romance Suave é a Noite (1934). “Mesmo com a inauguração em meio à crise, o retorno tem sido de acordo com o esperado e sem surpresas negativas”, afirma Celso do Valle, diretor geral do empreendimento. “Até paulistanos têm se hospedado conosco para conhecer o local. E, semanalmente, temos diversos eventos sociais e corporativos.” O Tangará se soma a outros empreendimentos paulistanos saindo do forno. São o caso do Ca’d’Oro, na Rua Augusta, reaberto em outubro de 2016. O Four Seasons programa um novo hotel, na Avenida das Nações Unidas, para março de 2018.
Em 2019, o complexo Cidade Matarazzo, próximo à Avenida Paulista, que contará com hotel assinado pelo designer francês Philippe Starck, deve abrir as portas. Entre as outras tendências mais importantes destacada pela pesquisa da MCF Consultoria está o interesse das marcas em redirecionar verbas de pessoal para marketing e relacionamento com o cliente, como forma de contornar a crise. “Também pela primeira vez a comunicação digital apareceu como uma das prioridades de investimento”, diz Ferreirinha. O tópico ficou com folga na primeira posição, com 67% de menções, como ações para 2017. Isso mostra que a experiência do luxo também está começando a se tornar digital. Afinal, as vendas em e-commerce de luxo subiram 70%, no ano passado, para R$ 1,2 bilhão.
A fabricante brasileira de roupas de cama Trousseau sabe disso. “Conseguimos crescer, no ano passado, por causa de nossa abordagem multicanal”, diz o fundador, Romeu Trussardi. As vendas online conseguiram ajudar, principalmente, na abordagem aos clientes do ramo hoteleiro. Mais de 200 hotéis brasileiros utilizam a marca. Ao mesmo tempo, a empresa não descuidou do ponto de vendas físico, mesmo sem apostar em aberturas de unidades. A sua loja no shopping Cidade Jardim, em São Paulo, dobrou de tamanho, e a do shopping Leblon triplicou o espaço. Afinal, os investimentos dos últimos tempos possuem um caráter mais do que estratégico. “Quem não investiu durante a crise, tem a tendência de desaparecer”, diz Trussardi.
Fonte: O Negócio do Varejo