É difícil dizer se a inauguração da nova loja da Sephora perto da Herald Square era uma noite de tapete vermelho ou uma balada com as amigas no spa. Um D.J. tocava techno-pop e os convidados bebericavam Moët Champagne e borrifavam Jo Malone nos pulsos. Uma moça de vinte e poucos anos prendia os cabelos com uma tiara de papel colorido enquanto uma atendente espalhava creme em suas bochechas. Outra olhava para uma tela com câmera frontal e ia testando cílios virtuais, deslizando os modelos para a esquerda, para explorar vários estilos antes de se comprometer com o produto de verdade. “Ah! Ponha mais uma!”, disse sua amiga, que tirava fotos. “Isso é demais!”.
Muito já se falou sobre a crise do varejo, pois os compradores estão trocando as lojas de departamentos pelos sites de fast fashion – isso quando fazem compras. Mas a indústria da beleza não teve o mesmo destino. Nos Estados Unidos, as vendas do setor subiram 6% de fevereiro de 2016 a fevereiro de 2017, totalizando US$ 15,9 bilhões, de acordo com a empresa de pesquisa de mercado NPD Group. Sozinha, a venda de maquiagens aumentou 11%, somando US$ 7,3 bilhões. Mas essa indústria está passando por uma transformação particular, impulsionada, pelo menos em parte, pelo sucesso de lojas como a Sephora, a maior varejista especializada em beleza do mundo, segundo a Euromonitor International, que acompanha as vendas do setor.
Estrelas de blogs e YouTube, vídeos de Instagram e assistentes virtuais estão substituindo as vendedoras das lojas de departamentos, cujas clientes agora sabem tanto quanto elas (ou mais) sobre olhos esfumaçados e lábios ombré. A fidelidade às marcas está fora de moda, foi substituída pelo lema da Sephora: experimente mais, compre mais. E as amigas hoje têm tanta influência quanto as profissionais.
“Pode parecer confuso para a consumidora mais velha”, disse Karen Grant, analista global do setor de beleza do NPD Group. “Mas, para a consumidora mais jovem, é tipo ‘uhuu! Olha isso! Olha aquilo’. É tudo uma grande diversão. E, quanto mais tempo você fica na loja ou on-line, mais dinheiro você gasta”.
Grant calcula que duas a cada cinco mulheres entre 18 e 54 anos usam cinco ou mais produtos de maquiagem todos os dias. “É o que define a nossa cultura de obsessão com a autoimagem”.
Deborah Yeh, vice-presidente de marca e marketing da Sephora, disse: “A mulher do balcão foi substituída por centenas de pessoas no YouTube. Há mais vozes. E estamos nos posicionando nessa confusão”. Uma das estratégias é permitir que as clientes experimentem antes de comprar.
A Sephora – que pertence ao LVMH, um conglomerado francês de marcas de luxo, e possui mais de 2.300 pontos de venda em 33 países – oferece às clientes mais antenadas telas e tecnologias digitais que fariam um engenheiro do Vale do Silício enrubescer. Quer experimentar cinquenta tons de batom sem ficar com os lábios rachados? Existe um aplicativo para dispositivos móveis que faz isso com realidade aumentada. A cliente pode escanear o rosto para determinar seu Color IQ, um número de referência usado para encontrar produtos que combinam com seu tom de pele. Ou, então, pode se sentar em estações de trabalho digitais para assistir a aulas sobre maçãs do rosto. A Sephora ainda tem sua própria versão do Smell-O-Vision, uma tela de toque que permite aos visitantes sentir os aromas – florais, terrosos – que caracterizam a maioria das fragrâncias.
Rebecca Pahle, escritora e editora em Manhattan, visita as duas lojas Sephora que ficam perto de seu escritório na Times Square pelo menos duas vezes por mês. “É bom para matar o tempo, brincar com as coisas e depois gastar mais do que deveria”, disse ela. “Ando experimentando muito, tentando descobrir o que eu gosto”. Pahle não faz compras em lojas de departamento. “Para mim, essas lojas não têm nada a ver com maquiagem”.
O que ela mais aprecia é a autonomia. “Na Sephora eles me ignoram, e eu gosto disso”, disse Pahle. “Não gosto de venda forçada”.
Em 2015, a Sephora abriu seu Laboratório de Inovação em um armazém reformado em São Francisco, para testar maneiras de juntar aplicativos móveis e compras em lojas físicas em uma mesma experiência. Resultado: as clientes podem ter o mínimo ou o máximo de contato pessoal que quiserem em lojas como a do Herald Square, que Yeh chama de “loja do futuro” da empresa.
Agora as lojas de departamentos estão correndo atrás para seguir o exemplo. Daqui a poucos meses, a Bloomingdale’s vai começar uma grande renovação em seu departamento de cosméticos, que pode levar até um ano para ser concluída. “A nova experiência na loja terá mais tecnologia e mais possibilidades de ‘brincar'”, disse Francine Klein, que supervisiona o setor na Bloomingdale’s. “O desafio é não ficar para trás”.
A Macy’s, tradicional domínio de stands de beleza para marcas famosas como Estée Lauder e Lancôme, começou a exibir “os favoritos do staff” em sua loja de Dallas. As vendedoras, explicou Muriel Gonzalez, vice-presidente executiva e gerente de merchandising de beleza, já não promovem apenas uma marca. A Macy’s também adquiriu recentemente a Bluemercury, um spa e boutique de beleza, em um esforço para expandir seus negócios de cosméticos.
Enquanto isso, a Kohl’s renovou todas as suas lojas de beleza e agora trabalha com marcas de alta qualidade, como Lorac e Bliss. No ano passado, a Barnes & Noble começou a testar a Glossary, um setor de beleza dentro de suas livrarias em campi universitários, entre eles William & Mary, Emory e Tulane. Assim, as alunas podem experimentar marcas sem ter de sair do campus.
Mas, no momento, a concorrente mais dura que a Sephora enfrenta é a Ulta Beauty, varejista especializada em beleza número 1 nos Estados Unidos (e número 2 no mundo, atrás da Sephora), de acordo com a Euromonitor. Fundada pelo ex-executivo de uma rede de drogarias, a Ulta vende cosméticos de qualidade para clientes que querem marcas de prestígio e serviços de salão de beleza.
Naturalmente, essas mudanças na indústria deixam as marcas tradicionais em estado de tensão. Causa especial desconforto o fato de a Sephora pertencer à LVMH e, portanto, fornecer muitas das marcas que o grupo possui, incluindo Make Up For Ever, Fresh, Benefit, Givenchy, Guerlain e Dior. Isso gerou muitas queixas entre as empresas de beleza. Elas temem que uma Sephora ainda mais poderosa venha a favorecer as marcas da LVMH e também as novas fabricantes de cosméticos, que têm mais apelo que as marcas tradicionais junto à nova geração.
Deborah Yeh destacou a parceria da Sephora com a Estée Lauder para criar a Estée Edit, uma linha de batons e sombras para a geração millennial, exemplo da amplitude de horizontes da empresa. Ainda assim, essa atualização não vai ter grande importância se as consumidoras mais jovens não comprarem.
“Agora tudo é agnóstico, e você tem que fazer seu jogo”, disse Grant, analista do NPD Group. “Você tem que pegar a onda”
Fonte: Estadão