A parceria NOVAREJO e WGSN Mindset não poderia se iniciar de outra forma. Decidimos começar a tratar de um assunto que tira o sono de muitos dos nossos clientes: a (bastante comum) dissonância entre as estratégias utilizadas no ambiente varejista e as demandas dos consumidores contemporâneos. A verdade, sentida na pele, é que os esforços antes bem-sucedidos já não se mostram mais tão eficazes.
O que por vezes deixamos de lado é a consciência de que esse contexto é consequência de mudanças muito maiores. Não é a fragmentação trazida pela omnicanalidade ou a velocidade exponencial da inovação tecnológica que causam esse desajuste. É o próprio cliente que se transformou e se reinventa em um passo muito mais veloz. É sobre ele que precisamos discutir. Ele é a chave para novas práticas, mais relevantes e assertivas.
Nós da WGSN, investigamos esse sempre-novo consumidor e sua inegável mutabilidade. A urgência desse tema nos levou à realização de uma pesquisa aprofundada sobre o que chamamos hoje de “consumidor ultradinâmico” (high-velocity consumer). Um estudo focado em mapear esse contexto de mudança e os principais motivadores de comportamentos ainda desconhecidos – ou pouco explorados – pelo varejo. Ao longo da nossa investigação, observamos seis grandes drivers que ditam condutas contemporâneas de consumo. Drivers relacionados à sociedade, tecnologia, indústria, meio ambiente, política e a criatividade. E, no próximo semestre, exploraremos cada um desses pontos mensalmente, dividindo seus principais aspectos e as melhores práticas para atualizar planejamentos e iniciativas no ponto de venda.
Antes de inaugurar nosso primeiro tópico, apresentamos esses seis fatores que estão influenciando um novo e desafiador comportamento de consumo:
- A revolução das compras pelos dispositivos móveis
- A importância dos sentimentos
- A economia da confiança
- Preocupações climáticas
- A geração longeva
- O fim da posse
Nosso primeiro ponto traz uma questão já amplamente debatida por muitos estudiosos e varejistas – o mundo de possibilidades criado pela utilização cada vez mais constante dos smartphones. Antes visto como um vilão, hoje o celular é peça-chave nas estratégias de toda e qualquer companhia. O tempo de negar sua existência ficou para trás. Está na hora de compreender que todo e qualquer dispositivo móvel pode e deve ser um grande aliado, dentro e fora das lojas.
A revolução das compras pelos dispositivos móveis
O mundo é dos smartphones. O consumidor quer comprar de forma independente, sem ter que passar pelo funcionário do caixa, e os varejistas precisam atender a essa demanda, criando novos meios para pagamentos por dispositivos móveis.
Um pouco de contexto: nossa forma de estar no mundo mudou
De acordo com dados recentes da Fundação Getúlio Vargas – FGV, o Brasil já possui mais smartphones ativos que pessoas. São 220 milhões de celulares versus 207,6 milhões de habitantes. Se levarmos em consideração a totalidade de devices móveis esse número é ainda maior, chegando a 306 milhões de aparelhos em todo o país.
Esses indicadores impressionantes refletem um comportamento global: a distância entre real e virtual é cada vez menor, se é que ainda existe. As consequências desse cenário? Estamos sempre, ou quase sempre, conectados. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Pew Research Institute em 2018, 26% dos adultos americanos admitem que estão “quase sempre” online, um aumento de 21% em relação a 2015. E esse fato é ainda mais potente quando observamos consumidores mais jovens: 39% dos indivíduos entre 18 e 29 anos e 36% entre 30 e 49 anos afirmam que estão sempre online.
Essa conexão ininterrupta modifica a forma como construímos nossa identidade e estabelecemos nossas relações, com o outro e com o entorno. Modifica o nosso “estar no mundo”.
Do comportamento ao varejo: o mindset digital afeta o meio físico
O mindset “always on” não só transforma nossa identidade e relacionamentos: ele altera, de vez, nossa forma de consumir. Atualmente, o conforto e facilidade para lidar com empresas e serviços digitalmente é cada dia mais perceptível.
Os números, mais uma vez, nos ajudam a confirmar essa percepção. Uma pesquisa da agência britânica YouGov aponta que 44% dos entrevistados entre 18 e 24 anos sentem-se mais confortáveis ao conversar com novas pessoas por meio de redes sociais, aplicativos de mensagem e outros meios digitais, do que ao vivo. Por outro lado, apenas 37% dos entrevistados afirmam sentir-se mais confortáveis ao falar com desconhecidos ao vivo.
Passamos a buscar relações mais conectadas não só com nossos pares, mas também com empresas e organizações. Isso impacta a maneira como somos influenciados por mensagens, como pesquisamos produtos e serviços e até mesmo como realizamos transações. Toda a jornada de compra é revisitada.
E o varejo? Como endereçamos esse novo comportamento?
Um dos pontos mais críticos dessa “jornada revisitada” é o fato de que as decisões de compra são tomadas, por muitas vezes, antes mesmo do consumidor entrar na loja. Por isso, estratégias vencedoras são aquelas que dão protagonismo ao cliente, facilitando sua navegação e oferecendo o controle das transações para ele. Informações rápidas e de fácil acesso, assim como transações simples, são soluções imperativas para esse contexto – algo já comum no ambiente online, mas que precisa ser implementado urgentemente pelo varejo físico. Modelos como o da Amazon Go e dos supermercados Hema, da Alibaba, se apresentam como benchmarks quando o assunto é “colocar o consumidor no comando”.
Estratégias de sucesso: foco em mobile, interações naturais e um novo papel da força de vendas
a) Aumente o uso do celular dentro da loja
Perceber o smartphone como um aliado é imprescindível para estabelecer diálogos relevantes com o novo consumidor e seu mindset conectado. O celular pode ser um excelente mecanismo para transformar a experiência de compra e fazer com que a relação cliente-marca se torne muito mais descomplicada.
Métodos de pagamento autônomo agilizam transações e quebram barreiras clássicas, como o tempo gasto navegando pela loja e as inevitáveis filas. Recentemente, a rede Sam’s Club testou e expandiu o seu “Scan & Go” – que torna a compra muito mais fácil, além de contar com uma ferramenta de pesquisa de voz para localizar itens no ponto de venda.
Estratégias de realidade aumentada também tem usado o smartphone em seu benefício. Algumas iniciativas que utilizam esse recurso ajudam os clientes a captarem características dos produtos, destacando suas particularidades e apresentando seus processos de produção. Além, é claro, de encantar os consumidores.
b) Crie interações mais naturais pelos dispositivos móveis
Outra possibilidade que se mostra cada vez mais poderosa e comercial é a utilização da inteligência artificial para criar interações digitais mais humanas. Sim, humanas. Transformar as experiências dentro e fora da loja em algo mais imersivo e fluído através da tecnologia faz com que os consumidores se encantem, incentivando decisões de compra de forma inspiradora e leve.
A EasyJet, companhia aérea britânica, compreendeu essa dinâmica e lançou em seu aplicativo a função de pesquisa “Look & Book”. Através dela, o usuário pode agendar suas viagens com base em imagens do Instagram. Combinando reconhecimento imagético e geolocalização, a ferramenta consegue sugerir destinos e passagens, surpreendendo o cliente de forma positiva.
c) Redefina o papel da sua força de vendas
Como já observamos, em um mundo cada vez mais digitalizado, a compra acaba sendo decidida antes mesmo do consumidor entrar na loja física. Será esse o fim da importância do vendedor? Não, esse fim ainda está longe. O que precisamos compreender, entretanto, é que o seu papel precisa ser revisto. A força de vendas ganha novas competências não só in-store, mas em toda a jornada. Vendedores se tornarão influenciadores e consultores, lançando mão da tecnologia e das redes sociais.
A cadeia de lojas de departamentos Harvey Nichols já investe em quem vende, desenvolvendo uma parceria com a start-up Hero. Juntos, criaram um recurso que permite aos funcionários interagir com os compradores online através de vídeos, respondendo dúvidas e fornecendo indicações.
Nos Estados Unidos, a gigante Macy’s passou a recrutar funcionários para serem embaixadores de marca, lançando a Macy’s Style Crew. Através de uma plataforma de vídeo, os vendedores compartilham conteúdos em parceria com a marca, apresentando seus produtos e serviços. E, assim, uma estratégia ganha-ganha vai tomando forma. Aqui, tanto a companhia quando sua força de vendas e seus clientes são beneficiados.
Pontos de ação: o que já pode ser feito?
Por fim, valem ser destacadas algumas ações que já podem transformar o seu negócio, deixando de lado a dissonância entre iniciativas antiquadas e consumidores ultra conectados. Abaixo, listamos as iniciativas mais relevantes:
• Crie estratégias que sigam integrando o varejo online e o offline. Comece a investir mais em estratégias de pagamentos que não precisem de caixa e em formas de compras sem interação com o vendedor, dando ao consumidor mais independência.
• Redefina o papel dos seus funcionários. Garanta que eles estejam influenciando o cliente no ponto onde a decisão de compra é realmente tomada.
• Crie estratégias visuais que ajudem a encurtar o caminho da chegada do produto ao cliente, desenvolvendo uma nova linguagem em torno da descoberta dos produtos e da interação.
No próximo mês, vamos dar sequencia aos tópicos tratados em nosso estudo sobre o consumidor ultradinâmico. Em maio, é a vez de discutir a importância dos sentimentos no varejo.
Fonte: Portal NoVarejo