A Saraiva, maior rede de livrarias do país, negocia com credores um plano de recuperação extrajudicial. As negociações começaram no início da semana passada e o plano deve avançar se houver adesão. Nos últimos dias, pelos menos duas editoras e uma empresa do setor imobiliário foram informadas oficialmente do plano.
Segundo o Valor apurou, a Saraiva propôs a duas editoras de livros de grande porte um deságio de 45% no valor da dívida e prazo de pagamento de 10 anos. Para um locatário, foi oferecido deságio de 40% na dívida, sem incluir juros e multas. Procurada pela reportagem, a Saraiva informa que “as negociações são sigilosas”.
A empresa busca a adesão de fornecedores – são cerca de 500 com dívida em aberto – para aprovar o plano. Segundo a Lei de Falências, para homologar um plano de recuperação extrajudicial, a empresa precisa de apoio de mais de 60% dos créditos em aberto.
A Saraiva tem cerca de R$ 100 milhões em dívidas atrasadas. A dívida total é de R$ 420 milhões. Há outros R$ 120 milhões em linhas de crédito com bancos que não estariam vencidas. A empresa tem operações com BNDES, Banco do Brasil (BB) e Itaú.
Em julho, uma reestruturação da dívida com instituições financeiras permitiu a liberação de recebíveis de R$ 20 milhões junto ao Itaú. Outros R$ 20 milhões foram liberados no BB por meio da alteração do tipo de garantia.
As negociações com as editoras de livros têm sido difíceis, em parte porque a Livraria Cultura pediu recuperação judicial há dez dias. Isso aumenta a pressão sobre os fornecedores, que criticam a proposta da Saraiva. O principal empecilho, diz uma editora, é o prazo de 10 anos de pagamento, considerado longo. O desconto de também 45% pesa.
Ainda há outras questões sobre a mesa. “Entre as condições do plano está a possibilidade de trocar parte da dívida por debêntures, que podem ser convertidas em ações da empresa”, diz uma fonte que acompanha as negociações. “Não vejo hoje espaço para aceitar ações deles, mesmo considerando a expectativa de recuperação da empresa”, acrescenta a fonte.
Apesar das críticas, há espaço para acordo. As editoras podem, por exemplo, pedir, em bloco, melhora das condições postas pela Saraiva, observa uma fonte.
Na opinião de um advogado, a recuperação extrajudicial pode ser um caminho para a Saraiva, que ainda tem acesso a crédito bancário. “No caso da Cultura, houve estrangulamento de caixa com bloqueio das linhas bancárias. Com a Saraiva isso não ocorre agora, o que cria cenário melhor para negociar uma ‘extra’ [recuperação extrajudicial].
O presidente da Saraiva, Jorge Saraiva Neto, foi perguntado pelo Valor na semana passada se um plano de recuperação judicial ou extrajudicial estava em estudo. Ele não afastou a possibilidade. “Vamos ver como essa situação vai se desdobrar. Essa situação foge do nosso controle. Isso está sob o controle dos fornecedores […] Posso dizer que estamos fazendo todo possível para que esse caminho não seja tomado”, disse, em entrevista publicada na quinta-feira.
A Cultura deve apresentar seu plano de recuperação judicial em dezembro. No pedido, já aceito pela Justiça, a empresa informa que há “garantias cruzadas da empresa e pessoais dos acionistas”, e que a holding 3H (da família Herz) “figura como coobrigada em boa parte das dívidas da Cultura”. Também diz que a compra da operação da Fnac no Brasil foi fechada em 2017, quando a Cultura teve prejuízo operacional de R$ 77 milhões. Na petição, a Cultura diz que o negócio com a Fnac “prejudicou ainda mais o caixa deficitário” do grupo. O documento não diz porquê a Cultura decidiu adquirir um novo negócio, considerando a já difícil situação do grupo. O plano era “avançar sobre novos nichos”.
A Fnac no Brasil havia recebido aporte de ?36 milhões da matriz, na França, o que pode ter sido fator decisivo no fechamento do negócio. Todas as 12 lojas da Fnac foram fechadas nos últimos 15 meses.
O maior credor sem garantia real e não bancário da Cultura é a Silva Empreendimentos Imobiliários, no valor de R$ 37,4 milhões, segundo a lista de credores. Silva é dona do Cine Vitória, no Rio de Janeiro, onde havia uma livraria Cultura. O segundo maior credor é a Estante Virtual, com R$ 10,5 milhões. O maior credor bancário é o Banco do Brasil, no valor de R$ 16,5 milhões.
O Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) informou que na quarta-feira haverá reunião do setor para avaliar “a capacidade de as editoras continuarem apoiando as redes [Cultura e Saraiva], mantendo o fornecimento de livros”.
A Cultura tem uma dívida vencida com fornecedores de R$ 92 milhões. Ao considerar débito com bancos, aluguel atrasado e débitos a vencer, a soma atinge R$ 285 milhões. A receita líquida foi de R$ 660 milhões em 2017, com prejuízo operacional de R$ 77 milhões.
Já a Saraiva teve receita líquida de R$ 1,72 bilhão em 2017, com lucro operacional (ebtida) de R$ 14,1 milhões. Neste ano, até junho, o ebtida é negativo em R$ 5 milhões.
Fonte: Valor Econômico