Após cinco anos, decisão municipal que exige as embalagens ecológicas entra em conflito com legislação estadual e estabelecimentos voltam a adotar modelo mais poluente
Retendo poças d’água ao encapar as grelhas de bocas de lobo, voando vazias por entre os pedestres nos passeios ou flutuando em meio aos animais no espelho da Lagoa da Pampulha, as sacolinhas plásticas voltaram à cena em Belo Horizonte. Sua distribuição pelos supermercados – setor que mais as consome – aumentou 437% desde sua proibição. Combatidas como inimigas do meio ambiente e causadoras de enchentes, as sacolas de polietileno –
o tipo mais simples e barato de plástico – chegaram a ter sua distribuição vedada no comércio da capital mineira há cinco anos. Com a edição do Decreto municipal 14.367, de 12 de abril de 2011, o plástico comum teve de ser substituído por material biodegradável, mais caro e de menor impacto ambiental. Para se ter uma ideia, naquela época, só o setor dos supermercados reduziu em 85% a aquisição do artigo, chegando a 67 mil unidades diárias. Contudo, há pouco mais de um ano, com a entrada em vigor da Lei estadual 21.412, de 11 de julho de 2014, a venda obrigatória de sacolas biodegradáveis foi proibida em municípios onde a parcela de lixo orgânico não é completamente absorvida pela coleta seletiva ou usinas de compostagem – ou seja, as sacolas acabariam indo parar nos aterros sanitários, onde sua composição faria pouca diferença.
Como em BH pouco mais de 15% da coleta é seletiva e não há usinas capazes de tratar o lixo doméstico e industrial orgânico, a lei que proibia as sacolas caiu. Sem o poder de fiscalização da PBH e com todo o comércio livre para distribuir as sacolas de polietileno, os sacos plásticos voltaram a tomar conta das lojas e também das ruas. Só no setor supermercadista, segundo a Associação Mineira de Supermercados (Amis), a aquisição diária em BH já é de 360 mil unidades, voltando a um patamar parecido com o que se tinha antes da proibição, que chegou a ser de 450 mil por dia. “Enquanto houve a proibição, o setor cumpriu a legislação. Agora há a liberdade de oferta. Onde os clientes aderiram a levar suas sacolas ou usar outras embalagens, o comércio segue assim. Onde o cliente exige uma sacola plástica, é isso que ele tem”, afirma o superintendente da Amis, Antônio Claret Nametala.
Se disposta adequadamente, a sacola biodegradável se decompõe em cerca de 180 dias na natureza, enquanto a de polietileno pode levar até 500 anos. A legislação municipal trouxe polêmica em 2011 e o primeiro impacto foi ter levado os supermercados a cobrar R$ 0,19 pela unidade da sacolinha ecológica. Depois, essa atitude foi combatida pelo Ministério Público por acusações de cartel na fabricação das sacolas e de não utilidade ambiental das sacolas. Movimentos que levaram os consumidores a criar o hábito de ter as próprias sacolas de compras. Mas tudo tem voltado ao panorama de cinco anos atrás com a entrada em vigor da lei estadual.
Em pouco tempo, os sacos plásticos se espalharam pelas ruas da cidade. A situação é nitidamente mais grave no Centro, principalmente em áreas de denso comércio, no entorno das estações do BRT/Move, nos quarteirões que cercam os shoppings populares e nos pontos de ônibus. Na Avenida Amazonas, entre as ruas Santa Catarina e dos Goitacazes, a grande quantidade de sacolas de supermercados, vendas, feiras, armarinhos e armazéns de construção são descartadas nas ruas e vão parar diretamente nos bueiros e bocas de lobo. O acúmulo pode provocar entupimentos e representar perigo na época das chuvas, tanto naquele local em específico, que é uma baixada e, por isso, concentra o fluxo d’água escoada, como pode ser levado em grande volume, vindo a bloquear as galerias pluviais mais adiante.
Coleta seletiva e usinas são deficientes
A volta das sacolas biodegradáveis e outras estratégias de redução dos impactos da disposição de lixo na capital mineira ainda estão no centro das discussões da cidade. A prefeitura vem traçando o plano de coleta para os próximos 20 anos e setores importantes, como o dos supermercadistas, avisam que estão aptos a seguir o caminho que for necessário. “Qualquer legislação que entrar em vigor será atendida, assim como os anseios dos consumidores. Se for a volta da sacolinha, isso vai ocorrer, se for de outra forma, também”, disse o superintendente da Associação Mineira de Supermercados (Amis), Antônio Claret Nametala.
Para o professor de química do Centro Universitário Newton Paiva Luciano Faria, uma das pessoas que colocaram a teste as sacolinhas desde sua substituição, são inegáveis os benefícios nos hábitos das pessoas que a utilização de recipientes próprios para as compras trouxe ao meio ambiente, mas, para que as sacolas biodegradáveis funcionassem mesmo, seria desejável uma ampliação da coleta seletiva e de usinas de compostagem, ainda que financiadas pelo preço maior desses sacos ecológicos. “À época da implantação das sacolas biodegradáveis, fizemos um teste de espectro com 105 sacolas não retornáveis e 80% das distribuídas em BH eram de plástico comum”, conta. “Mesmo as biodegradáveis seriam eficientes apenas se depositadas em condições de oxigênio, luz e calor ideais, o que não se encontra nos aterros sanitários”, pondera o especialista.
Autor do projeto de lei de 2008 que culminou com a chamada Lei das Sacolinhas Ecológicas em BH, o vereador Arnaldo Godoy (PT) lamenta que a legislação tenha sido inviabilizada. “Estávamos num processo muito rico em BH. Um processo de educação que vinha sendo feito nas escolas, e prático também, com a redução de lixo de plástico nos aterros sanitários – que estava uma coisa espantosa – e a Lagoa da Pampulha tinha deixado de receber milhões de sacolas de plásticos”, afirma. O vereador também acredita que a ampliação da coleta seletiva e a criação de usinas de compostagem possam tornar novamente efetiva a restrição das sacolas.