Marca que ganhou nome de AR&Co após a compra pela Arezzo em 2020, pretende mirar o exterior, segundo seu fundador
Por Erica Martin
Em outubro de 2020, a varejista de calçados e acessórios Arezzo&Co (AREZZ3) anunciou a compra da Reserva, marca carioca de roupas fundada por Rony Meisler e Fernando Sigal em 2010, e que ficou conhecida pelo bordado de pica-pau estampado em sua peças.
Após a fusão, a Reserva ganhou o nome de AR&Co, mas não foi só isso que mudou depois da operação. Ter a maior empresa do segmento de calçados femininos da América Latina por trás do negócio tem permitido que a empresa carioca dê um salto em diversas frentes, como a expansão internacional.
Até porque a dona da Reserva já tem forte atuação em outros países. Só no primeiro trimestre deste ano, a receita bruta da Arezzo&Co para o mercado externo subiu 111,4%, para R$ 15 milhões.
“Temos todas as fundações operacionais que facilitam o processo de expansão internacional. Se a gente for começar do zero hoje, esse processo iria levar alguns anos para chegar num nível de eficiência que hoje a gente já teria na largada. Não é uma frente prioritariamente para o ano, mas certamente será para 2023”, disse Rony Meisler, atual CEO da AR&Co, em entrevista ao InvestNews.
O empreendedor, que se manteve à frente do negócio mesmo depois da aquisição, contou ainda que a proximidade com a Arezzo e a família Birman teve inicio em 2015, quando ele foi visitar a operação da empresa calçadista em Campo Bom, no Rio Grande do Sul. “Eu voltei muito impressionado. Muita gente sabe, mas pouca gente fala. A Arezzo é a Zara do calçado global”.
A Ar&Co tem atualmente 43 lojas entre próprias e franqueadas, o que inclui as marcas Reserva-Mini, que atua com a linha infantil; a Oficina Reserva, de peças básicas para o dia a dia; Reserva GO de calçados, além da Reserva Inc, que é uma plataforma voltada a empreendedores que queiram criar uma loja online.
Ao longo de seus anos de existência, a nova AR&Co, que iniciou a venda de seus produtos por meio de lojas multimarcas, abriu estabelecimentos próprios, mas sem padrão – cada um com um tamanho e um estilo diferente.
Foi com a chegada da Arezzo que o cenário mudou. Das 80 lojas próprias da Reserva, 11 já passaram por reforma e ganharam uma padronização, segundo Meisler. “E essas lojas pós-reforma estão entregando entre 60% e 70% de crescimento”, explicou.
Expansão após compra pela Arezzo
Após o anúncio de compra da Reserva em 23 de outubro de 2020, as ações da Arezzo chegaram a disparar 16% na B3. Com a aquisição, avaliada em R$ 715 milhões, a rede varejista se torna uma “house of brands”, ou seja, empresa que oferece produtos de variadas marcas dos “pés à cabeça”. Agora, seu portfólio passa de sete para 13 marcas após a aquisição.
A Ar&CO, antiga Reserva, tem 21% da receita bruta do mercado interno da Arezzo&Co, de acordo com balanço financeiro referente ao primeiro trimestre deste ano. A empresa fundada por Meisler só perde para a própria marca Arezzo que detém fatia de 33%. A A Schutz, por sua vez, detém 19%, enquanto a Ana Capri possui 8% da fatia.
Confira a entrevista completa:
IN$ – Qual foi o principal gap que você viu no mercado de moda quando decidiu com o Fernando Sigal lançar a Reserva?
Rony Mesleir – A empresa nasce em meados de 2004 e 2005. Eu trabalhava na Accenture, uma multinacional com foco em implementação de sistemas. O Fernando tocava diversos negócios de família de varejo e calçados (…). Um dia na academia, notamos que havia cinco homens usando a mesma bermuda de praia para treinar. E começou uma brincadeira, se aquilo era um problema de demanda reprimida ou demência coletiva, e por isso resolvemos fazer uma primeira bermuda.
A gente começou vendendo de porta em porta na mala do carro para amigos e amigas. Veio Natal, Réveillon e o Carnaval. A gente chegou na praia e todo mundo estava usando a mesma bermuda, só que era a nossa. O feitiço virou contra o feiticeiro.
Acho que o bichinho do empreendedorismo morde a nossa barriga e a gente fica completamente aficionado por esse processo de se comunicar através daquela marca.
A moda tem esse poder de comunicar um estilo de vida, um jeito de agir. Acho que moda é muito mais o jeito de agir do que o jeito de vestir (…) Na época, virávamos a noite para fazer o produto, porque tínhamos outro trabalho. A princípio, o produto era muito ruim e depois foi melhorando (…) mas a gente vendia com o mesmo amor, com o mesmo tesão que hoje (…) Resolvemos abandonar os nossos empregos para viver disso, morávamos na casa dos nossos pais na época […]
Aquele período de entendimento nos fez entender que. se a gente começasse por uma loja própria, talvez quebraríamos (…) Assim, decidimos começar vendendo nossos produtos, ainda muito aquém do que as pessoas conhecem hoje como Reserva, numa mala de carro, rodando o interior dos estados e oferecendo nossos produtos para as lojas multimarcas.
A gente está falando de 2006, quando o Cristo Redentor voava na capa da The Economist. O crédito era farto, a taxa de juros era baixa, e o varejo se alavancou muito naquele momento para expandir (…)
Decidimos começar por lojas multimarcas, porque apesar da margem ser menor, quando você faz um pedido sell-in (venda do fabricante para o varejista ou distribuidor) é um pedido financiado. Você recebe o dinheiro antes de pagar, a gente começou a fazer caixa e ter um estoque saudável para que pudesse abrir a lojinha.
Abrimos a primeira loja de 33 metros quadrados aqui em Ipanema (..) com o objetivo de entregar uma experiência de varejo de moda muito diferente do que o mercado estava acostumado. Na época era meio que um autosserviço. Colocamos um monte de pessoas incríveis para trabalhar (…) que passaram a participar da vida dos consumidores muito mais do que a média do mercado e a recorrência passou a ser maior do que a média (…)
IN$ – Vocês continuam com as multimarcas?
Rony Meisler – Hoje são quase 1.500 multimarcas. Já tentaram matar as multimarcas de todas as maneiras. E elas são resilientes e não vão quebrar nunca. Moda não é commodity, é um bem que possui valor para além de uma razão global.
Portanto, o relacionamento é muito importante na venda, na explicação do valor do produto, na explicação do valor estético, funcional e de sustentabilidade.
Acho que isso explica até aqui, não só nossa prosperidade, mas a prosperidade do canal multimarcas, porque em Piracicaba ou Varginha, a marca nunca vai conseguir ter um relacionamento tão próximo, humanizado e de credibilidade alta como um lojista local que faz aquilo há anos. É um relacionamento que não se compra com dinheiro.
Eu vejo as lojas multimarcas muito mais integradas no marketplace (shopping virtual) das marcas do que terminando, deixando de existir ou perdendo força. O que aconteceu no nosso caso foi o contrário, a multimarcas ganhou força nessa pandemia, quando o estado de pânico foi diminuindo, foi aumentando a venda da multimarca.
IN$ – A Reserva virou uma marca desejada. Qual o desafio de vender peças caras em uma sociedade que passa por tantas dificuldades financeiras?
Rony Meisler – (…) Compreendo nosso negócio como privilegiado no contexto global do varejo, não se trata de um privilegio herdado, mas adquirido. Não paramos de trabalhar um minuto (…) Tem a questão de resiliência, o fato de não ter parado em um negócio de cadeia tão longa. Se você parar um mês, o trem descarrilha. Até o trem voltar ao trilho de novo, você certamente vai perder alguns anos ou meses. A gente não parou, e isso foi uma coisa que permitiu que ganhássemos tração e velocidade maior na retomada.
Mas também bem tem uma coisa herdada. Até aqui o contexto macroeconômico não afeta tanto o mercado discricionário (de itens secundários) A e B, como ele afeta outros mercados no que diz respeito ao varejo.
Então, de alguma manteria, a gente está protegido no câmbio, que está em alta. Quando fala com discricionário A e B, tem uma competição muito grande no câmbio. Na moda masculina, meu consumidor viajava duas ou três vezes por ano e comprova fora.
Então o cambio nos protege, qualquer conta que faça, e compare com pares lá de fora, vale a pena. Abre oportunidade de exportação inclusive.
Até aqui não há nenhum sintoma dessa questão macroeconômica e cívica que a gente está vivendo hoje. Pelo contrário, está prosperando e crescendo. A gente vê com felicidade, mas com atenção, já vivemos situações semelhantes ao longo de 50 anos de história da Arezzo&Co e isso nos faz ficar de guarda alta e preparados para qualquer coisa que possa acontecer (…).
IN$ – Quando você fala em exportação seria pelo e-commerce?
Rony Meisler – A Arezzo&Co tem um negocio internacional muito grande que cresce muito. Por conta disso, temos todas as fundações operacionais que facilitam o processo de expansão internacional. Se a gente for começar do zero hoje, esse processo iria levar alguns anos para chegar num nível de eficiência que hoje a gente já teria na largada.
Não há um planejamento formal para isso, mas há uma vontade. Este ano a gente vai começar a fazer algumas experiências através de marketplaces, criar as lojas de marcas, para entender a força de marca e awareness (tornar a marca conhecida perante o público) (…)
Muito mais testes do que necessariamente um planejamento, mas acho que a partir de 2023 a gente já vai ter um planejamento. Estabelecer cinco ou seis frentes prioritárias por ano, não é uma frente prioritariamente para o ano, mas certamente será para 2023.
IN$ – Como foi o ‘namoro’ com a Arezzo?
Rony Meisler – Eu conheço a família desde 2015, fui apresentado ao Anderson e ao Alexandre (fundadores) por um amigo em comum (…). Fui a Campo Bom conhecer a operação da Arezzo. Eu voltei muito impressionado. Muita gente sabe, mas pouca gente fala. A Arezzo é a Zara do calçado global, não é nacional.
Essas mitologias sobre a Zara, os túneis subterrâneos, a Arezzo é mais ou menos assim. É um cluster calçadista, e se estabeleceu lá, porque ali o Anderson e o Alexandre montaram um centro de prototipação de 20 mil metros quadrados. A gente prototipa todos os calçados dentro de casa, depois sai uma ficha técnica detalhada e automática de todo o custeio dos produto, já direcionando para os fornecedores.
O fornecedor que fica mais longe desse centro de prototipação fica a 10 km de distância, por isso é um cluster. E isso dá uma velocidade fantástica para o marketing. Em até 30 dias, temos um protótipo pronto para a produção. No mercado é de duas a três vezes esse prazo. Para quem vende moda, isso dá uma velocidade absurda, é exatamente o valor da Zara.
Ou seja, a produção é terceirizada, mas a prototipação é interna, a ponto de trabalhar a produção quase que por encomenda. Eu voltei maravilhado com aquilo em 2015, a gente começou o processo de verticalização por encomenda, começando a comprar matéria- prima no fio e trabalhar por encomenda com as fábricas.
E, desde então, a gente vem operando dessa maneira e em contato rotineiro com o Anderson e com o Alexandre. Veio a pandemia. O Dia das Mães é um evento de sazonalidade importante para a Arezzo. O Alexandre me procurou em abril perguntando se a gente não queria fazer uma parceria. Seria usar a base a minha que é de homens para divulgar o Dia da Mães, que ele usaria a base dele, que é de mulher, para divulgar a Reserva no Dia dos Pais.
Os times estabeleceram uma conexão incrível e um dia recebi um telefonema de um amigo incomum meu e do Alexandre me provocando (…) A gente já ensaiava um IPO (oferta inicial de ações). Ele disse que tinha uma alternativa que talvez pudesse interessar. Ele perguntou sobre o eu achava da Arezzo. Eu disse que estava muito próximo dos Birman, mas nunca pensei em fazer nada com a Arezzo porque ela é muito focada em calçados, mas ele disse poderia existir uma complementaridade nisso […]
Ouvi vários conselhos de amigos e amigas de como deveria tocar o processo. Acho que o melhor deles foi o que eu e o Alexandre conseguirmos tocar, que foi combinar a governança antes de qualquer coisa. Geralmente a governança é combinada depois que está tudo pronto (….) e aí que dá o problema, que os negócios não prosperam.
A gente combinou essa governança tão simples como óbvia. Teríamos duas plataformas independentes, a Arezzo&Co, de calçados e acessórios, e a Ar&Co de moda e lifestyle, com a holding gerindo a governança orçamentária e estratégica em conjunto com essas plataformas. Eu teria uma cadeira em conselho, faria parte dos comitês estratégicos (..). Uma conversa que começou em maio junho de 2020, a gente assinou em 23 de outubro e o closing (fechamento) em 24 de dezembro.
IN$ – Em nenhum momento passou pela sua cabeça vender a empresa para Arezzo e sair do negócio?
Rony Mesiler – Não passou. E nem acho que interessaria para a Arezzo um negócio como esse. O valor da moda não é tangível, a alma do negócio é a alma dos fundadores, dos empreendedores, e uma companhia como a Reserva, que está muito longe de sua maturidade, eu como Arezzo jamais aceitaria (…).
IN$ – Para onde você quer levar a AR&Co?
[…] Fazer crescer esse ecossistema Reserva. O que está puxando nosso crescimento até aqui? Primeiro, a gente tem um novo projeto de loja […] Na Reserva (…), todo o dinheiro que a gente ganhava voltava para o negócio para abrir lojinhas.
E essas lojinhas foram abertas meio que sem padrão. Quando fizemos negócio com Arezzo, tínhamos sete ou oito projetos de loja em diferentes tamanhos. Uma das grandes prioridades do ano passado era desenhar um cronograma inteligente para a loja da Reserva. Fazer um projeto de lojas que esteticamente e racionalmente fizesse sentido para maior venda e melhor experiência do consumidor.
Fizemos esse padrão de lojas, abrimos a primeira, no ano passado, no Eldorado, em São Paulo, e reformamos 11 lojas das 80 próprias que tínhamos, um pouco mais de 10% da base. Essas lojas pós-reforma estão entregando entre 60% e 70% de crescimento. Ainda tenho 80% da base para reformar (…), além disso, a gente entende que a Reserva é um negócio para mais 100 lojas, além das 150 que a gente tem (…)
Fonte: InvestNews