Aos 46 anos, o empresário Ricardo Roldão, dono da rede de atacarejo paulista Roldão, não se deixa deslumbrar. O forte crescimento de seu setor — em média de 14% ao ano — faz brilhar os olhos de quem vê e vivencia a crise do varejo brasileiro. Por oferecer preços mais baixos ao consumidor, o atacarejo ganha força, assim como o Roldão, que fechou 2016 com 30 lojas e alta de 35% no faturamento. Mas Ricardo não entra na onda. Prefere elencar o que não irá fazer de modo algum: mudar a estrutura das lojas para atender a novos consumidores (a classe A, entre eles), lançar um e-commerce para pessoas físicas (“não vale o custo-benefício”) e expandir para além das fronteiras paulistas (“tem muito espaço em São Paulo ainda”). Em sua gestão, Ricardo parece aplicar a máxima de que “tudo tem o seu preço”. “Tudo é custo. O cliente vai a nossa loja buscando preço, variedade e qualidade. Mas, se o preço não for baixo, ele vai embora e nós quebramos”, diz.
Negociar, vender e se relacionar com clientes é uma habilidade que Ricardo põe à prova desde os 9 anos, quando seu pai ficou doente e ele precisou substituí-lo em uma barraca de feira. Ali, descobriu que queria mesmo ser vendedor na vida. Quando seu pai, João Roldão, passou a vender linguiças e embutidos em uma Kombi, ele foi chamado para acompanhá-lo. Ricardo sugeriu ao pai mudar o modo como adquiria os produtos — era melhor fazer a compra após os pedidos, para evitar desperdícios. Nos anos 90, o irmão, Eduardo, juntou-se à dupla e eles abriram a loja que seria o embrião do Roldão. A rede ganharia força nos anos 2000 com o desenvolvimento das lojas de atacado, onde os produtos são vendidos em maior quantidade a preços mais baixos.
Neste momento de forte crise, o Roldão vê seu perfil de público mudar: mais jovens passaram a frequentá-lo, assim como microempreendedores do setor de alimentação — que buscam uma fonte extra cozinhando salgados e doces — e até as “madames”. Aliás, “muito bem vindas”, diz Ricardo. Mas, em suas lojas, defende, o que aparece é o preço baixo e não “um filé mignon limpinho”. “A pessoa não vai ao Roldão para encontrar um filé mignon todo limpinho, todo bonitinho. Isso gera custo operacional”, diz.
Com os consumidores frequentando mais o atacarejo, grandes marcas de supermercado passaram a apostar mais neste canal de venda, como o Carrefour com o Atacadão e Pão de Açúcar com o Assaí. Vocês, no ramo desde 2000, sentiram a maior competição agora?
A gente tem uma estratégia bem definida de preço e não podemos perder a rentabilidade. A concorrência vai aumentar nesse momento, porque todo mundo acredita que a salvação no varejo é montar uma loja de atacarejo. Mas o atacarejo é tão difícil quanto qualquer outro negócio. Tem que ter escala, volume, boa estratégia de categoria e de abastecimento. O problema é que outras empresas tentam competir no atacarejo olhando só o preço — e isto é um tiro no pé. É muito difícil acompanhar o custo operacional deste nicho. É preciso focar também no serviço.
Então onde está a maior batalha hoje no atacado?
A batalha está mais dentro das lojas, na parte de abastecimento. Todo mundo sofre com isso. O cliente vai buscar no mínimo dez itens na loja e tem que sair com no mínimo nove. Foi comprar Coca-Cola e só tinha Pepsi? Perde-se aquela venda. Foi buscar Leite Paulista e não tinha, mas havia Itambé, que também gosta? Você não perde a venda. Ou seja: com novos consumidores, o trabalho está em abastecer as categorias e precificá-las.
O perfil dos consumidores do Roldão mudou. Você disse em uma entrevista recente que não iria adaptar as lojas para “receber madames”. Qual a estratégia para atender o novo público?
Fui mal interpretado quando falaram que eu não queria madame. Imagina, eu quero todo mundo, de A a Z. O que houve é que um gerente me disse que estava vendo muita madame na loja e que deveríamos fazer algo diferente. Eu disse: não, não temos que fazer nada diferente no aspecto de estrutura. Já temos lojas bem montadas, confortáveis, no padrão. Podemos até fazer um bom trabalho de categoria, procurar outros produtos para esses novos consumidores — mas tudo dentro do baixo custo que temos. A pessoa não vai ao Roldão para encontrar um filé mignon todo limpinho e bonitinho. Isso gera custo operacional. Se aumentarmos o custo, perdemos o sentido de sermos um atacado.
É por uma questão de preço que o Roldão não tem um e-commerce, para fazer entregas a domicílio?
Sim. Não vale o custo-benefício. Porém, estamos investindo para abrir um e-commerce para comerciantes. O tíquete médio deles na nossa loja é dez vezes maior que o tíquete médio do consumidor final. Vamos fazer esse trabalho B2B, porque valerá o investimento. Agora, o cliente, a pessoa física, que vai a nossa loja busca preço, variedade, qualidade. Se não tiver preço baixo, ele não vai à loja e nós quebramos.
Quais são as outras novidades do Roldão para 2017?
Nós vamos lançar em março o cartão Roldão, já que vemos as pessoas voltando mais vezes. Em 2015, elas vinham em média oito vezes ao ano. Em 2016, o número subiu para dez. Não será um cartão fidelidade ou acúmulo de pontos. Irá gerar descontos na hora da compra e ofertas especiais. Também lançaremos um cartão de crédito da marca. Tudo isso é estratégia para poder atrair mais público para nossas lojas nesse momento extremamente apertado e competitivo.
Por que os hipermercados estão com margens cada vez mais reduzidas e enfrentando problemas financeiros?
Sinceramente, por um conjunto de fatores. Não se trata só do crescimento do atacado nos últimos dois anos, porque o atacado cresce há 20 anos. Mas as grandes redes só se deram conta muito depois, praticamente em 2007. Naquele ano, quando o Abilio Diniz perdeu a compra do Atacadão para o Carrefour, vimos que o Pão de Açúcar ficou desesperado. Depois, eles iriam até comprar o Assaí. O que ocorre agora é que há essa inflação altíssima — a de alimentos ultrapassou 15%. Junta na conta o desemprego e a queda do poder de compra das famílias. Tudo isso foi um gatilho, para que as pessoas migrassem de forma mais rápida para o atacado. Tanto é que o setor saiu de 40% de penetração nos lares brasileiros em 2014/2015 para 58% em 2016. Hoje, o consumidor faz muito mais pesquisa de preços. Ele vai realmente comprar onde estiver mais barato. E falo da classe A, B, C, D e E. Além disso, em termos de custo, operar um supermercado ou hipermercado é muito mais caro.
Então é uma questão de estratégia?
Sim. O hipermercado precisa estar atento às mudanças do consumidor, ver para onde eles estão indo. Grandes hipermercados, mesmo na Europa, tentaram se reinventar e não deram certo. Nos Estados Unidos, o Walmart sofre demais. Na França, o Casino. Precisam partir para modelos mais econômicos. E eles têm um diferencial. A gente sabe que muitas redes de supermercado fazem excelente trabalho de fidelização com seus clientes, criando diferenciais que o atacado não sabe fazer. Alguns apostaram na especialização e estão fazendo sucesso.
Você não acha que há o risco de, quando a crise passar, as pessoas voltarem a comprar nos supermercados?
Acredito que não. Tome o exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos. Comparo a loja do Walmart, que sofre hoje, com a da CostCo, que cresceu e teve faturamento de US$ 120 bilhões no ano passado. A qualquer hora que você for a CostCo, haverá uma fila de 10 carrinhos na sua frente. As pessoas, depois que aprendem a economizar, já passam a comprar com aquele orçamento.
Como seu pai, que fundou o negócio, vê o Roldão hoje?
Ele [João Roldão] mantém, aos 76 anos, a mesma simplicidade de quando veio de Portugal. Não fala, mas deve ficar orgulhoso do que fizemos: eu, meu irmão e os 4 mil funcionários. Ele continua trabalhando. Na parte da manhã, ajuda meu irmão mais velho em uma indústria de laticínios. À tarde, vai ao escritório do Roldão, onde fica batendo papo com os funcionários. De resto, segue tocando a empresa patrimonial dele, que é composta, em grande parte, por imóveis que aluga para o próprio Roldão.
Fonte: Época Negócios