A receita do Soma subiu 18% ao ano desde 2010. No ano passado, superou 57%. Ou seja, o grupo tem know-how — e caixa fortalecido — para seguir crescendo
Por Glauce Cavalcanti
O carioca Grupo Soma, uma das maiores companhias de moda do país, saiu maior e mais forte da pandemia mesmo com o baque no setor. Em plena crise, a empresa chegou à Bolsa em 2020 e, no ano passado, arrematou a Hering. Em entrevista ao GLOBO, o presidente do Soma, Roberto Jatahy, explica que houve uma janela de oportunidade para ganhar espaço em um mercado pulverizado e com concorrentes fragilizados, e não pensou duas vezes. Mas os desafios não pararam nos negócios bilionários.
“Esse crescimento vai desacelerar”, admite o executivo, ressaltando que há fôlego para seguir avançando em dois dígitos: “O caminho, e nossa preocupação, é como a gente desacelera esse avião, sem que a gente perca uma taxa de crescimento mínimo de receita entre 15% e 20% ao ano, que é o nosso objetivo”, diz.
A receita do Soma subiu 18% ao ano desde 2010, segundo ele. No ano passado, superou 57%. Ou seja, o grupo tem know-how — e caixa fortalecido — para seguir crescendo. Jatahy destaca o potencial da Hering, cujo perfil define como uma combinação entre a varejista japonesa Uniqlo e a paleta de cores da italiana Benetton.
Com planos de ter cem megalojas da marca até 2026, negocia espaços com grupos de shoppings do país. Em paralelo, dribla gargalos na cadeia de fornecedores e impulsiona parcerias entre as marcas do grupo.
O Soma seguirá fazendo aquisições após esse crescimento recente?
O ciclo de aquisições, neste momento, não é um foco da companhia, estamos olhando para dentro. Mas a gente sempre olha ativos que ainda são pequenos e que podemos acelerar rapidamente, como a NV. Parte do IPO (levantamento de capital por meio de oferta de ações na Bolsa) são aquisições, fizemos a NV e, por último, a Hering, por acharmos ser um ativo único de base de pirâmide, com um mercado “endereçável” grande.
A Hering representa, em receita, algo perto de 40% do Soma como um todo. Em resultado operacional é mais equilibrado, aproximadamente um terço do grupo. A Hering tem uma série de oportunidades de melhoria operacional. A gente vai investir em experiência de marca, colocá-la novamente num cenário mais de comportamento.
Dado o tamanho da companhia, que é legal, com um conceito mais perto da (japonesa) Uniqlo, isso demora. Tem um ciclo grande de transformação porque requer lojas maiores, uma série de arrumações no produto. E a gente tem um ano desafiador em 2022, em que, por enquanto, só tem resultados muito positivos. Mas, ao mesmo tempo, a gente abre o jornal e vê uma preocupação muito grande para o setor de consumo, dada a alta de juros.
Como avançar em meio ao desafio da macroeconomia?
Empresas abertas têm vantagem competitiva sobre as fechadas, por acessarem capital mais barato, por normalmente terem mais escala. E nossa precificação no mercado vem muito em linha com a percepção de que temos vantagem diante de um mercado ainda muito pulverizado.
Essa vantagem é “carregável” ao longo do tempo, mas, temporalmente, não dá para saber o que é mais forte. Ao mesmo tempo em que somos um grupo com alta capacidade de investimento e crescimento, sem problemas de caixa, que investiu muito em mídia e está crescendo sua base de clientes, ainda se discute o quanto o varejo será impactado pela taxa de juros.
Você tem uma oportunidade, uma janela de ganho de market share, onde concorrentes estão fragilizados. Mas chega uma hora em que você ganhou volume e desacelera. E vai muito mais pela competência, pela capacidade de investimento.
Esse crescimento que a gente vem tendo, de taxas acima de 50%, vai desacelerar. O caminho, e nossa grande preocupação, é como a gente desacelera esse avião, sem que a gente perca uma taxa de crescimento mínimo entre 15% e 20%, que é nosso objetivo. Entre 2010 e 2021, crescemos 18% ao ano, sabemos fazer isso. Estamos preparados e conscientes de que esse crescimento é único, houve na pandemia com ganho de market share, e voltará a uma normalidade de melhoria contínua.
Há gargalos nos fornecedores?
Tem sido um supercomplicador. A gente não enfrentou esse problema na virada de 2020 para 2021. Mas, não sei se com a questão da guerra ou o que aconteceu, agora deu uma travada, inclusive em fábrica nacional. Obviamente, os números estão preservados.
A gente já tinha uma percepção de que isso poderia acontecer porque começamos a sentir desde setembro ou outubro de 2021, quando a NV ficou sem estoque no último trimestre. Nossa grande dificuldade são os embarques, não está fácil trazer base de matéria-prima para o Brasil. E temos uma cadeia de fornecimento no país extremamente pressionada.
Para os players que saíram da pandemia com uma saúde melhor, o mercado está muito aquecido. E tem uma disputa muito grande por fornecedores. Estamos dimensionados para um fornecimento parcial no Brasil, não total. A boa notícia é que o câmbio começa a ceder, e se começa a ter capacidade de trazer algumas coisas de fora.
Acredito que, a partir do segundo semestre, se continuar com a taxa de juros alta, com capital estrangeiro entrando no país, teremos um câmbio que consiga viabilizar a descompressão dessa cadeia.
Como a Hering ajuda o grupo?
O grande desafio da Hering também é sourcing (contratação de fornecedores), por incrível que pareça. Apesar de ela ter uma estrutura verticalizada (que inclui indústria), cadeia robusta, também perdeu muitos postos de trabalho e teve confecções entre fornecedores em Goiânia descontinuadas, deixando a Hering desabastecida.
Tanto que hoje a gente está comprando produto acabado, inclusive na América do Sul, e conseguindo importar para poder suprir a demanda. Ela tem um potencial. O que temos feito é tentar atender a demanda que a Hering tem e que não está conseguindo atender há algum tempo. E esse é um problema estrutural da Hering, pré-pandemia. Ela tem uma cadeia de fornecimento extremamente eficiente em custo.
Mas na eficiência operacional é confusa, dessintonizada. Tem de ser arrumada na gestão, mas tem um diferencial de custo e de tempo de fabricação que nos interessa bastante. Já no Grupo Soma, vemos situações diferentes nas marcas. Animale, NV e Farm, por exemplo, estão com muita dificuldade de fornecimento, porque têm características de produto que a confecção no Brasil não consegue fazer. Hoje, sentimos falta da capacidade de importar alguns itens.
A coleção de Hering e Farm em parceria sai este ano?
A Farm faz collab há muito tempo. É um mecanismo usado para trabalhar a marca, trazer um frescor, fazer um movimento. A Fábula (marca infantil da Farm), a gente acha que deveria ter uma collab recorrente (a primeira foi lançada este mês). Ou seja, toda coleção da Hering Kids vai ter um trabalho dedicado para a Fábula e vice-versa, fazendo um básico da Farm. Assim como a Farm tem a Adidas Global, vai caminhar durante um período.
A gente fará uma collab (Hering e Farm) no fim do ano, mas não queremos dar spoiler (risos). O que a gente pensa também é a Hering fazendo uma collab para a Farm, trazendo um pouco do básico para dentro da Farm. A princípio, é da Farm dentro das lojas da Hering.
E isso tem um fator muito importante porque a Hering está no nosso inconsciente. A marca é tão poderosa que está no inconsciente também de uma faixa etária jovem que não viveu os áureos tempos da Hering, só que eles não sabem bem do que se trata.
E a Farm, que é muito conectada com esse público jovem, vai tirar essa diferença. Isso está dentro da tese de aquisição da Hering. Ela tem muita coisa bacana, e a gente tem de aprender a apresentar esse trabalho. A Hering é um pouco Uniqlo e traz referências da (italiana) Benetton, nessa coisa da cor, do contraste.
É quase uma fusão desses dois códigos e que, efetivamente, é o que a gente pensa na atualização do código da Hering. Uma loja colorida, com contraste, neutra, onde os próprios produtos colorem essa loja. É bem Uniqlo, com uma pitadinha da cartela de tons da Benetton.
Como será a expansão física?
Não adianta abrir uma megastore da Hering num shopping que é bem posicionado para a marca e não ter volumetria para a loja performar. Então, pensamos em duas experiências: uma para shoppings de menos tráfego, mas em que a gente comunique uma Hering efetivamente focada no básico, no que ela sabe fazer, que é um pouco do que a gente fez no JK Iguatemi (em São Paulo, onde foi aberta primeira loja-conceito no fim do ano passado), e é o que a gente vai formatando para shoppings AA.
E a gente vai para megalojas nos shoppings B+, que são de maior volumetria e onde faz sentido ter lojas de 500m² a 700m². Essas megastores vão para o módulo de semiâncora dentro dos shoppings. Então há discussões grandes em relação a pacotes de lojas com grupos de shoppings. Este ano, se conseguirmos abrir umas 20 dessas lojas, será excepcional. Mas a meta são cem megalojas no Brasil.
Há um esforço muito grande para abrir entre 20 e 30 este ano. Hoje, são 750 pontos de vendas. Queremos chegar a mil até 2026. E a Hering é uma operação altamente flexível no seu modelo de franquias. Em multimarcas, eu acho que houve uma negligência com esse canal no passado. Já foram 18 mil multimarcas dentro da carteira, que hoje opera com quase dez mil. O objetivo é recompor isso até 2026, ir para 20 mil multimarcas.
E o que será melhorado?
A Hering tem dificuldade de fazer o feminino, roupas para zonas quentes, praianas, vestidos mais com cara de Farm. Ela tem uma cultura do Sul. Muitas vezes, as pessoas comparam com um consumo de baixa renda porque é um que vai ser muito prejudicado.
Só que a Hering tem um DNA do Sul e está muito posicionada em São Paulo. Então existe um descolamento. Os resultados da Hering estão melhores que os dos magazines em razão dos locais onde opera, zonas que são mais ricas. Mas ela deixa na mesa uma oportunidade enorme de mercados não explorados que são Norte e Nordeste. Estamos atacando isso.
Fonte: O Globo