Por Adriana Mattos | As camadas de renda mais alta da população frequentam mais o atacarejo no país do que as classes de menor renda. Levantamento da Nielsen a respeito do perfil de compra, e sobre os acessos das classes de menor poder aquisitivo às marcas, mostra que 63% dos consumidores C, D e E foram, em algum momento, às lojas do atacarejo no último um ano, até março. Mas entre os mais ricos, esse percentual supera os 75%.
“Isso mostra como o atacarejo pode ganhar muito mais mercado entre as camadas de menor renda e vai contra uma percepção geral de que o atacarejo tem um consumo já explorado entre classes de baixa renda”, disse Gabriel Fagundes, diretor de insights para a indústria da NielsenIQ (NIQ).
Na média do Brasil, inclusive, esse percentual de penetração de 63% está abaixo da média nacional, de 75,1%.
O fato de as lojas estarem concentradas, principalmente, fora dos grandes centros urbanos — área com metro quadrado mais barato para a expansão do atacado — o que exige uma locomoção maior para fazer as compras, tem impacto nesses números. O alto desembolso por compra, por causa do volume maior comprado acaba atraindo principalmente as camadas A e B da população para as lojas e também explica esse perfil de compradores, diz o executivo.
Nos últimos anos, houve um aumento no número de unidades dentro de capitais, especialmente de lojas do Assaí e Atacadão, para aproximar o atacarejo de outros tipos de públicos. Isso encarece o custo geral das empresas, pelo preço do terrenos, mas pode ser compensando por um aumento de volume vendido e ganhos de escala.
Lojas de atacarejo têm preços, em média, 10% a 15% abaixo do verificado em canais como os supermercados. Isso indica que classes de alta renda têm mais acessos a canais de venda para economizar na compra de alimentos do que os mais pobres.
Processo de mudança
Apesar desse desequilíbrio, tem ocorrido uma evolução na participação do atacarejo como canal de venda dentro dos domicílios mais pobres.
Um ano atrás, nos 12 meses terminados em março de 2023, a frequência das classes C, D e E no atacarejo era de 56,6% — e atingia 51% até março de 2022.
No Brasil como um todo, esses percentuais eram de 65,4% até março de 2022, de 70,6% até março de 2023, subindo a 75,1% até março de 2024. O diretor da NIQ destaca que o “gap” (lacuna) de pontos percentuais entre a fatia de C, D e E e o total diminui no período.
O relatório da NIQ apresentado nesta quinta-feira (12), e batizado “Tropicalizar para Crescer”, trata do potencial inexplorado das classes baixas na América Latina. Ele destaca o perfil de compra de camadas de menor renda em Brasil, México, Peru, Colômbia, Chile e Venezuela, e a oportunidade de crescimento para essa faixa de renda.
Somados, esses países têm US$ 358 bilhões em renda total das classes de baixa renda (C, D e E), calcula a NIQ.
Pela pesquisa, 14% do gasto das classes de menor renda está alocado em marcas de alto valor, versus 20% do painel total de classes. Ainda é menor que o geral, mas o executivo da empresa de pesquisas destaca que isto sinaliza potencial a ser desenvolvido nessa faixa, e também de que há interesse dos compradores nos produtos mais supérfluos.
Nas marcas de preço baixo, estão alocados 26% dos gastos, e naquelas de preço médio, a fatia do gasto alcança 61%.
Há uma percepção, entre consultores de consumo, de que pessoas com menos recursos não podem errar na compra, e correr o risco de levar produtos de menor qualidade para casa, perdendo o investimento feito na compra. Por isso, buscam produtos de marcas percebidas como de maior qualidade — isso apesar da evolução das marcas de primeiro preço em termos de qualidade final nos últimos anos.
“No fim do dia, as marcas mais baratas tem importância grande na cesta, mas 14% do gasto vai para as marcas mais caras. O senso comum das empresas é pensar que explorar o consumo na menor renda ‘não é para mim’, mas isso não é necessariamente verdade”, disse Fagundes.
Recuperação em andamento
Questionado se a NIQ tem verificado um aumento no consumo da população de menor renda pelas marcas mais caras passado o período da pandemia que comprimiu rendimento das famílias e elevou os juros, Fagundes disse que a maior estabilidade de indicadores econômicos tem levado a uma recuperação da demanda.
“São a previsibilidade e a estabilidade que levam a pessoas a consumir mais ou passar a gastar em alguma outra marca. O que vemos hoje é que não são todas as marcas e nem todas as categorias que estão nessa situação melhor, mas já vemos em diferentes classes ou categorias um crescimento. E isso está mais distribuído pelos produtos”, disse ele. “Seguimos neste ano, pelas nossas últimas pesquisa, com crescimento em valor e volume vendido”.
O executivo ainda deu exemplo de marcas de alto preço que conseguiram ampliar a venda em classes C, D e E. Produzir linhas com menor volume, e logo, proporcionalmente, com preços mais baixos, tem sido uma estratégia bem recebida. Assim como ser uma marca referência numa categoria, que tem alta percepção de valor.
“Por exemplo, temos um ‘case’ de uma marca de tempero que é mais cara que a média, mas que tem uma percepção positiva forte no segmento de ervas em geral. E apesar de ser inacessível para a classe de menor renda nessa área de ervas, ela vai muito bem em temperos porque carrega essa força da marca”, diz.
Fonte: Valor Econômico