A queda no volume das vendas em janeiro é consequência da renda menor das famílias, e do avanço do desemprego e da inflação – a demanda perde força — Foto: Fernando Lemos/Agencia O Globo
O ano começou com desempenho fraco para o varejo, em áreas como as de produtos eletrônicos e moda. Há números melhores nos supermercados e no atacarejo e a venda on-line mantém alta de dois dígitos. Consultorias e associações projetam retomada mais acentuada após a metade do segundo trimestre, mas só se houver avanço na vacinação e a criação rápida de algum mecanismo de recomposição de renda pelo governo.
Dados de associações e empresas mostram que nem todos os segmentos que, mesmo na crise, cresceram em 2020, iniciaram o ano aquecidos. Outros com recuperação gradual ainda têm semanas com desempenho irregular.
Segundo a empresa de pesquisas GfK, em janeiro, o volume vendido de bens duráveis caiu 5%, em relação a janeiro de 2020. O valor subiu 28% – alta que reflete o aumento de preços de 35% no segmento. Especialistas dizem que a queda no volume de vendas é consequência da renda menor das famílias com o fim do auxílio emergencial – que começou a ser reduzido em setembro -, e do avanço do desemprego e da inflação. A demanda por certos itens para casa, após meses de alta, perde força.
O levantamento da GfK inclui lojas e sites, que informam dados semanalmente à consultoria. Esta compila os dados em áreas como linha marrom (TVs, áudio) linha branca (microondas, refrigeradores), informática e portáteis.
“Ainda temos um início de ano com o comércio sentindo a renda menor, as mudanças de regras de funcionamento em certas áreas e o isolamento social. As vendas em lojas sobem 2% numa semana, e na seguinte caem 1%, então ainda está irregular”, disse Felipe Mendes, diretor da GfK Brasil.
Na venda on-line de duráveis, o avanço nas vendas, em volume, foi de 60% em janeiro e, em valor, de 95% – efeito de um reajuste médio de 20% nos preços, após alta do câmbio e de insumos. Nesse cenário, o peso da venda digital vai crescendo no comércio. Em janeiro, segundo a GfK, 50% da venda veio de lojas físicas e 50% de sites – era 65% e 35%, respectivamente, antes da pandemia. Mas, apesar da expansão do on-line em 2020, ele representa menos de 15% da venda de eletrônicos no país (só nas grandes redes supera essa taxa). E apenas a operação digital não consegue sustentar uma retomada mais vigorosa de todo o setor.
Segundo Mendes e a Eletros, a associação do setor eletroeletrônico, há variáveis ainda pouco claras para se fazer projeções, como a retomada dos investimentos público e privado, que são geradores de vagas, e o avanço da imunização. Isso limita a capacidade de desenhar cenários e definir orçamentos.
“Se entrarem novos investimentos como as parcerias público-privadas, em saneamento, por exemplo, acho que entra dinheiro novo e a atividade pode ir retomando. Mas o consumo não pode depender só disso. As redes vão ter que voltar a investir também, mesmo que lentamente”, diz o diretor de uma varejista de eletrônicos de São Paulo. Na avaliação do consultor e sócio da Varese Retail, Alberto Serrentino, a vacinação vem ganhando corpo, e há otimismo com a capacidade de produção e distribuição das vacinas no país. Mas mesmo se isso evoluir bem, a perda de renda e o desemprego têm peso negativo mais determinante para o consumo. “Há uma crença no setor de que haverá algum mecanismo de recomposição de renda e isso será decisivo no ano”, afirma.
O presidente da Eletros, José Jorge do Nascimento Junior, lembra que há o efeito positivo do auxílio temporário de alguns governos estaduais e municipais. “Houve manutenção de auxílios, por exemplo, em Manaus […] e isso ajuda. De qualquer forma, ainda mantemos a previsão de um ano difícil, mas que deve se recuperar com maior rapidez do que o que vimos em 2020”. A Eletros ainda não fez projeções de desempenho para 2021.
Em outros segmentos, como moda e alimentar, os cenários são opostos. O varejo de vestuário sente os efeitos de não ser considerado essencial, assim como é afetado pelo isolamento social. Para esse varejo, a rápida imunização pode ser mais determinante nas vendas do que em outras áreas, dizem consultores.
Redes de moda estiveram reunidas de forma remota com analistas e investidores em evento do banco Credit Suisse, no fim de janeiro, e após as conversas, a equipe de análise fez alertas. Para a Renner, projetou em 2021 uma “instabilidade persistente” nas vendas em lojas físicas. “Restrições de tráfego estão cobrando pedágio”, resumiu o banco, com a ressalva do desempenho do on-line positivo.
Na Riachuelo, a rede identificou que após o fim do auxílio emergencial, nas regiões mais beneficiadas por ele, como Norte e Nordeste, os números já vêm convergindo para o mesmo patamar do Sul e Sudeste, com dados mais fracos desde 2020.
O desempenho em 2021 ainda pode variar segundo o canal de venda. Dias atrás, a Abrasce, associação de shoppings, anunciou projeção de alta de 9,5% na venda dos lojistas em 2021 (em 2020, caiu 33%) mas a taxa pode mudar em função de fatores como ritmo de imunização e horário de funcionamento das lojas. Em geral, cadeias de moda, calçados e de serviços dependem mais do desempenho em shoppings. Essa taxa de 9,5% supera a projeção de especialistas para o ano no varejo em geral, de 4%, mas a recuperação ocorreria em cima de uma base fraca.
As vendas de supermercados e atacados tendem a permanecer fortes no primeiro semestre. “A categoria de alimentos é uma que não pode simplesmente ser eliminada [porque o auxílio emergencial acabou]”, disse em relatório a analista da XP, Danniela Eiger. As limitações de circulação e o “abre e fecha” de restaurantes aumenta o consumo nas residências.
Fonte: Valor Econômico